teologia para leigos

6 de junho de 2011

«DOS HOMENS E DOS DEUSES», com o Actor

Encarnando o irmão Luc


  

Michael Lonsdale era, na sexta-feira, ao final do dia, na sala 3, dos Cinemas Cinemax do Braga-Shopping, o irmão Luc, assim dando corpo e espírito ao monge com o mesmo nome que foi assassinado na Argélia, em 1996. E é inesquecível a sua participação no filme Dos homens e dos deuses, que evoca a vida dos monges do mosteiro argelino de Tibhirine, sete dos quais (Bruno, Célestin, Christian, Cristophe, Michel, Paul, além de Luc) raptados e assassinados por um grupo de islamitas.

“Este filme toca o coração. Ele fala de coisas raras, como o sacrifício, a coragem ou o trabalho em favor do entendimento entre os povos. É perturbadora, esta história de vítimas inocentes, sacrificadas. Os monges de Tibhirine estavam completamente integrados na população. Cultivavam a terra, criavam ovelhas, cuidavam de colmeias… Os camponeses com quem trabalhavam, que curavam, eram como irmãos que eles não queriam abandonar”, diz Michael Lonsdale numa entrevista publicada num número especial da revista Pélerin, dedicado ao filme sobre estes monges que morreram por, apesar de ameaçados, não terem querido abandonar a pobre gente argelina da vizinhança.

Michael Lonsdale não será, com certeza, entre nós, um actor muito conhecido, mas isso não obsta a que seja, sem qualquer dúvida, um dos mais fascinantes actores franceses de teatro (um dos seus amigos foi Samuel Beckett) e de cinema. Os cinéfilos recordar-se-ão, talvez, de ele ter sido o vice-cônsul de Lahore no filme India Song, de Marguerite Duras, e outros, por não associarem o nome à pessoa ou, melhor dizendo, ao actor, não saberão que ele foi o abade obscurantista do filme O nome da rosa ou que já desempenhou o papel do vilão que se esforça para fazer a vida negra a James Bond. Não é, evidentemente, por acaso que se participa em filmes de Luis Buñuel, Louis Malle, Steven Spielberg ou François Truffaut.





 Encarnar o irmão Luc foi muito fácil para Michael Lonsdale. A razão, explica o actor, deve-se ao facto de compreender muito bem as motivações do monge. “É como um amigo, não tenho qualquer dúvida”. Luc é monge e médico. De manhã à noite, cuida das doenças dos camponeses argelinos que vêm ao mosteiro. Chega a receber cento e cinquenta pessoas por dia. Tem ainda tempo para escutar e ajudar a encontrar respostas, como sucede quando a filha do jardineiro lhe pergunta o que é o amor. O actor, tal como Luc, é católico.

Num pequeno livro de orações (Oraisons. Arles: Actes Sud, 2000), Michael Lonsdale escreve que Marguerite Duras lhe contou que o viu num sonho com o hábito de monge. “Não me tornei monge. Gostaria de o ter sido. Doce apelo, que a minha miserável natureza não escutou”. Dos homens e dos deuses permitiu-lhe ser, por algum tempo, bem mais do que um intérprete de um monge.





“Era um cristão algo ‘morno’, que vivia egoisticamente. A fé ensinou-me o perdão e a suprimir o julgamento. A religião tornou-se parte essencial da minha vida. Mas ela encontra-se intimamente ligada às duas outras componentes da minha existência, o cinema e a pintura. A expressão artística é um dom de Deus”, confessou numa entrevista concedida a Le Journal du Dimanche (19 de Fevereiro de 2011).

A fé que professa e a Igreja a que pertence foram temas incontornáveis dessa conversa. Michael Lonsdale julga que “há uma forma de Igreja que é demasiado arcaica – isso não pode continuar –, é preciso que as coisas mexam. A mediocridade beata reduz o Cristo a uma espécie de obrigação severa. Falava-se ainda, há não demasiado tempo, do tribunal de Deus. É um pavor”. A seguir, manifesta outro incómodo: “É preciso parar com os trajes de cardeais e de bispos, o fausto que impõe uma representação rica de Deus, que é contrária à sua mensagem. É preciso eliminar todos esses signos exteriores”.

O actor espera também que se autorize o casamento dos padres um dia. “O temperamento humano é demasiado forte para aceitar esta vida sem que isso seja problemático. Os apóstolos eram casados, os padres também o eram até ao século XI. Talvez isso ocorra com o próximo Papa, mais moderno, mais jovem”.

Questionado sobre se tem medo da morte, Michael Lonsdale diz que não, que ela é natural. “Nascemos, desaparecemos, permanece o grande mistério do depois. Mas acredito na palavra de Cristo: ‘Em verdade te digo, estarás comigo no paraíso.’ Sinto-me sereno, deposito as coisas nas mãos de Deus.”





 Entre o que necessita, o actor refere o silêncio. “O silêncio é de ouro neste mundo moderno barulhento, em que não se cessa de gesticular, falar, correr e para quê?” Uma útil pergunta para fazer neste Dia Mundial das Comunicações Sociais.


“Os dias da semana”
05:VI:2011

Eduardo Jorge Madureira Lopes