teologia para leigos

18 de fevereiro de 2012

UE e seus Sacerdotes - UM BARCO A AFUNDAR-SE

 16 Fev 2012 - «EU dá sinais de abandonar a Grécia à falência»
[desde há 3 anos que é evidente o fim da Zona-Euro tal como está...]
  
As ambiguidades de
quem já vê o barco a afundar


Paulo Trigo Pereira
Num artigo no Público do passado domingo ("As novidades da semana"), Paulo Trigo Pereira (PTP) voltou à ladaínha de que "a dívida actual resulta de sucessivos erros do passado" cometidos por governos de maioria absoluta e também por "oposições quando essa maioria não existe."

 Até parece que o nosso crescimento medíocre, desde que entrámos no euro com uma taxa de câmbio sobrevalorizada, a abertura da UE ao comércio com países de baixos salários, a adesão dos países do Leste, uma política de inovação errada, e as crises internacionais, não tiveram quaisquer efeitos nos défices e na dívida.

Num golpe de retórica populista (em sintonia com o ordoliberalismo germânico), lança a culpa da nossa crise sobre políticos capturados pelos interesses de corporações. Para PTP, pouco importa que as ideias de Mancur Olson já tenham sido objecto de crítica académica fundamentada e convincente. De facto, em Portugal há economistas académicos que se sentem realizados ao participarem activamente na propaganda dos media.

 No mesmo artigo, PTP também reconheceu que a dívida pública, em percentagem do PIB, já entrou na fase de aceleração. Aliás, ficou surpreendido por o Eurostat ter anunciado que em Setembro de 2011 a dívida já seria de 111%, muito acima da previsão do Ministério das Finanças de 101% do Produto. Diz PTP: "Ou seja, em apenas cinco meses a previsão da dívida aumentou 17.000 milhões, 10% do PIB, e isto não pode ser explicado pelo défice, cujo objectivo nominal foi alcançado. É um desvio de previsão colossal."

Entretanto, não escreve uma linha sobre as razões que explicam este "desvio de previsão". Sabemos que o governo teve de reconhecer dívida adicional, com destaque para a Madeira e o BPN. Mas esperar-se-ia que PTP também reconhecesse que a política económica iniciada em 2011 teve um efeito recessivo, muito acima do esperado pelo governo. Com um denominador em queda, o quociente (Dívida Pública/PIB) disparou. Mas esta explicação ficou omissa no artigo. É difícil, para um economista do pensamento dominante, assumir com todas as letras que a austeridade não é expansionista, bem pelo contrário.

Mas, nem que não seja para conter danos futuros sobre a reputação, lá acabou por assumir que o barco está a afundar.
 
O artigo acaba a reconhecer que, sem crescimento económico, a dívida poderá subir para 125% em 2013. Não sendo possível "voltar aos mercados em 2013 em condições normais", PTP espera que a Alemanha (em linha com a confidência do seu ministro das finanças) se disponha a continuar a financiar Portugal sem medidas adicionais de austeridade e com alguma suavização das condições do pagamento ("a versão moderada de um novo resgate"). Evidentemente, só "depois de mostrar o trabalho de casa feito." Mas não diz o que é isso do "trabalho de casa" que temos de fazer até meados de 2013. Se estiver a pensar nas reformas estruturais e nas privatizações, devia saber que não há evidência histórica dos efeitos benéficos destas medidas sobre o crescimento económico. Devia ler Ha-Joon Chang [‘Os maus samaritanos’]…




…e conhecer melhor as políticas desenvolvimentistas dos tigres asiáticos.

Se estiver a pensar no cumprimento das metas para o défice acordadas com a troyka, então esqueceu que já tinha reconhecido que a recessão se prolongará pelo menos até 2013. Com o PIB em queda, o peso do défice subirá e o governo será pressionado para tomar medidas de austeridade adicionais na expectativa de se aproximar da meta acordada. Para ser consistente, PTP teria de admitir que a economia portuguesa e europeia não permitirão ao governo fazer figura de bom aluno do ordoliberalismo.

PTP acaba por abrir uma última porta de saída que tem sido tabu nos nossos media: "um perdão parcial da dívida de cerca de 20%. Porque sem crescimento não há saída da crise". Ainda assim, permanece na ambiguidade. Como é que um corte de 20% torna a nossa dívida pública sustentável? Para o discurso ser credível, convinha mostrar as contas num novo artigo, acompanhadas dos pressupostos.

Outra pergunta: qual é a fonte do crescimento que faria a economia portuguesa renascer após esse exíguo perdão da dívida? PTP nada diz sobre este ponto crucial.

Para eliminar as ambiguidades da sua posição, era bom que PTP se explicasse melhor.


Jorge Bateira, «Ladrões de Bicicletas», 14 Fevereiro 2012