teologia para leigos

3 de fevereiro de 2012

JESUS, A SEXUALIDADE E O CELIBATO


Jesus, misógino?

A vida de Jesus foi decorrendo silenciosamente sem nenhum acontecimento de relevo. O silêncio das fontes deve-se provavelmente a uma razão muito simples: que em Nazaré nada tenha acontecido de extraordinário. A única coisa importante foi um facto estranho e desusado naquelas aldeias da Galileia, provavelmente não muito bem visto pelos vizinhos, e que foi o facto de Jesus não se ter casado. Jesus não se preocupou em procurar uma esposa para assegurar descendência à sua família. A atitude de Jesus teve que deixar boquiabertos os seus familiares e vizinhos. O povo judeu tinha uma visão positiva e alegre do sexo e do casamento, difícil de encontrar noutras culturas. Na sinagoga de Nazaré, Jesus tinha ouvido mais de uma vez as palavras do Génesis: «Não é conveniente que o homem esteja só». [Gn 2:18] O que agradava a Deus era um homem acompanhado de uma mulher fecunda e rodeado de filhos. Não é estranho, portanto, que na literatura rabínica posterior se possam ler máximas como esta: «Sete coisas condena o céu, e a primeira delas é um homem sem mulher».
Que terá levado Jesus a adoptar uma atitude completamente alheia aos povos da Galileia e só conhecida por alguns grupos marginais como o dos essénios de Qümran ou o dos terapeutas do Egipto?

A renúncia de Jesus ao amor sexual não parece estar motivada por um ideal ascético parecido ao dos «monges» de Qümran, que procuravam uma pureza ritual extrema, ou ao dos terapeutas de Alexandria, que praticavam o «domínio das paixões». O seu estilo de vida não era o de um asceta do deserto. Jesus comia e bebia com pecadores, conversava com as prostitutas e não se preocupava com a impureza ritual. Do mesmo modo, não se vislumbra em Jesus nenhuma repugnância pela mulher. A sua renúncia ao casamento não se parece em nada à dos essénios de Qümran, que não aceitavam esposas, porque podiam causar distúrbios na comunidade. Jesus recebeu-as no seu grupo sem nenhum problema, não temeu as amizades femininas e, provavelmente, não deixou de corresponder com ternura ao carinho especial de Maria de Magdala.

Também não temos dados que nos façam suspeitar que Jesus escutou um convite de Deus a viver sem esposa, ao estilo do profeta Jeremias, a quem, de acordo com a tradição, Deus tinha pedido que vivesse só, sem desfrutar da companhia de uma esposa, nem dos banquetes com os seus amigos, a fim de se distanciar daquele povo inconsciente que continuava a divertir-se sem pensar no castigo que o esperava. [Jeremias 15:17] A vida de Jesus, que assistia às bodas dos seus amigos, que partilhava a mesa com os pecadores e celebrava refeições para antecipar a festa final junto de Deus, não tinha nada a ver com essa solidão dilacerante que o profeta se impôs a si próprio, a fim de poder criticar o seu povo impenitente.

A vida celibatária de Jesus também não se parecia à de João Baptista, que abandonou a casa de seu pai Zacarias sem se preocupar com a obrigação de assegurar descendência para dar continuidade à linhagem sacerdotal. A renúncia do Baptista a conviver com uma esposa era bastante plausível. Não teria sido fácil levar consigo uma mulher para o deserto para viver alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, enquanto ele anunciava o juízo iminente de Deus e exigia de todos uma vida de penitência. Mas Jesus não era um homem do deserto. O seu projecto levou-o a percorrer a Galileia anunciando, não o juízo irado de Deus, mas a proximidade de um Pai de perdão. Perante o perfil austero do Baptista, que «não comia nem bebia vinho», Jesus surpreendeu pelo estilo de vida festivo: comia e bebia, sem se importar com as críticas que lhe eram dirigidas. [Lc 7:33-34; Mt 11:11-19] Entre os discípulos que o acompanhavam havia homens, mas também havia mulheres muito queridas por Ele. Então, porque razão não tinha junto de si uma esposa?

Entre os Fariseus também não era conhecida a prática do celibato. Contudo, posteriormente a Jesus, houve um rabino chamado Simeão bem Azzai que, recomendando aos outros o casamento e a procriação, ele próprio vivia sem esposa. Ao ser acusado de não fazer o que ensinava aos outros, costumava responder: «A minha alma está enamorada da Thora. Outros podem levar o mundo em frente». Consagrado totalmente ao estudo e à observância da Lei, não se sentia chamado a preocupar-se com a esposa ou com os filhos.

Não era bem este o caso de Jesus, que não dedicou a sua vida ao estudo da Thora. No entanto, consagrou-se totalmente a uma realidade que se foi apoderando do seu coração cada vez com mais força. Ele designava-a de «reino de Deus» − essa foi a paixão da sua vida, a causa à qual se entregou de corpo e alma. Aquele operário de Nazaré acabou por viver somente para ajudar o seu povo a acolher o «reino de Deus». Deixou a sua família, deixou o trabalho, dirigiu-se ao deserto, aderiu ao movimento de João Baptista, depois separou-se dele, procurou colaboradores e começou a percorrer as aldeias da Galileia. 





A sua única obsessão era o anúncio da «Boa Notícia de Deus». [esta expressão tem o cunho da comunidade cristã da primeira geração, mas recolhe à perfeição o conteúdo da actividade de Jesus – Marcos 1:14] Agarrado pelo reino de Deus, a vida ter-lhe-á escapado sem encontrar tempo para criar uma família própria.

O seu comportamento era estranho e desconcertante. Segundo as fontes, Jesus foi apelidado de tudo: «comilão», «bêbedo», «amigo de pecadores», «samaritano», «endemoninhado». Provavelmente, riram-se dele chamando-lhe «eunuco». Era um insulto que doía e que não só punha em questão a sua virilidade como até o associava a um grupo marginal de homens desprezados como impuros pela sua falta de integridade física. Jesus reagiu dando a conhecer a razão da sua atitude: há eunucos que já vieram sem testículos do seio da sua mãe. Há outros que foram castrados para servir as famílias da alta administração imperial. Mas «há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu». [Mateus 19:12ss: «Há eunucos que nasceram assim do seio materno, há os que se tornaram eunucos pela interferência dos homens e há aqueles que se fizeram eunucos a si mesmos, por amor do Reino do Céu.»] Esta linguagem tão expressiva só pode provir de alguém tão original e escandaloso como Jesus.





Se Jesus não conviveu com nenhuma mulher não foi porque desprezasse o sexo ou desvalorizasse a família. Não se quis casar com nada nem com ninguém para não se distrair da sua missão ao serviço do Reino. Não abraçou uma esposa para se deixar abraçar pelas prostitutas que iam entrando na dinâmica do Reino, depois de recuperarem, ao pé d’Ele, a sua dignidade. Não quis beijar filhos que fossem d’Ele, mas abraçou e abençoou as crianças que vinham a Ele, pois via-as como «parábola viva» de como se devia acolher Deus.

Não criou uma família própria, mas esforçou-se por suscitar uma família mais universal, composta por homens e por mulheres que fizessem a vontade de Deus. Poucos traços de Jesus nos revelam, com tanta força, a sua paixão pelo Reino e a sua disponibilidade total para lutar pelos mais débeis e humilhados. Jesus conheceu a ternura, experimentou o carinho e a amizade, amou as crianças e defendeu as mulheres.

Somente renunciou àquilo que podia comprometer o seu amor pela universalidade e pela entrega incondicional aos carecidos de amor e de dignidade.

Jesus não teria entendido outro tipo de celibato. Somente aquele que brotava da paixão por Deus e pelos seus filhos e filhas mais pobres. [P-57/60]