teologia para leigos

5 de fevereiro de 2012

JESUS, LIBERTADOR ANTI-MEDIÁTICO

by Júlio Resende_Lugar do Desenho - Valbom, Gondomar

A Cura da sogra de Pedro

«Aproximando-se, ele tomou-a pela mão e fê-la levantar-se...»
[Marcos 1,29-39]

 
A passagem do evangelho segundo Marcos proposta para este domingo está claramente dividida em três partes. A cura de uma mulher para a diaconia, o serviço (1,29-31)

No Evangelho segundo Marcos, a primeira cura realizada por Jesus é a expulsão de um espírito impuro de um homem que está sob o domínio de escribas e da sinagoga de Cafarnaúm, cidade onde Jesus foi morar, ao iniciar sua missão (Marcos 1,21-28). A lei imposta pelos escribas na sinagoga e no templo, além de ser um peso na vida das pessoas (cf. Mateus 23,1-4; Lucas 13,10-17), impedia que se pensasse e agisse orientado pelo Espírito de Deus. Pois, no dizer de Paulo, “a letra mata, o Espírito é que dá a vida” (2Coríntios 3,6). Por isso, Jesus salva as pessoas dessa força demoníaca que cria dependência e não liberta. “Logo que saíram da sinagoga, foram com Tiago e João para a casa de Simão e André” (Marcos 1,29).

Convém lembrar que, mais do que frequentar o templo, Jesus prefere as casas, prefere o encontro com povo nos caminhos. Ali, todas as pessoas têm acesso ao encontro com Deus. No templo, só podiam entrar os sacerdotes [o protagonismo centrava-se todo na figura do sacerdote].

Esta narrativa relata a 2ª cura de Jesus, conforme Marcos. Agora, é a sogra de Simão que está doente (Marcos 1,30). Logo que soube, dirigiu-se à cama em que ela estava. Três coisas chamam a atenção.

1) “Ele aproximou-se” (Marcos 1,31). Mais que procurar quem é o próximo, Jesus torna-se próximo.

2) “Tomando-a pela mão” - Jesus faz algo fundamental para quem trabalha com pessoas doentes e com quem está na exclusão. Valorizando o toque, o abraço, Jesus valoriza sobremodo as pessoas debilitadas.

3) Jesus “levantou-a”. Enquanto estava deitada, essa mulher não podia ser sujeito com agir próprio. Dependia de outras pessoas. Colocá-la em pé faz dela uma diaconisa, uma pessoa livre para servir. “E ela se pôs a servi-los”.

Convém lembrar que, se em Marcos a primeira pessoa curada foi um homem (Marcos 1,21-28), a segunda foi uma mulher. Jesus tratava as mulheres com a mesma dignidade com que se relacionava com os homens. Assim como tinha discípulos, tinha também discípulas. Quando Marcos menciona as mulheres que foram com ele até a cruz, cita Maria Madalena, Maria e Salomé, além de muitas outras mulheres que o seguiam, serviam e subiram com ele para Jerusalém como verdadeiras discípulas (cf. Marcos 15,40-41). Que nos resta senão, também, colocar-nos em pé e, com a força do Espírito de Jesus ressuscitado, tornar-nos pessoas livres para servir?

A prática de Jesus liberta de doenças e de possessões (1,32-34) Naquele dia, depois do pôr do sol e junto à porta da casa de Simão e de André, Jesus ainda curou muitas pessoas enfermas e expulsou demónios, isto é, forças contrárias a Deus e que diminuem a vida de quem está sob seu domínio. As duas curas realizadas anteriormente, a do homem possesso e a da mulher enferma, são símbolos de toda prática libertadora de Jesus. E é prática que não pára. Mesmo o sol já posto, Jesus continua libertando pessoas enfermas e endemoninhas.

A proibição de "falar, pois sabiam quem ele era" (Marcos 1,34 é a recusa da religião do espectáculo, é a recusa dos gestos martiriais e bombásticos, é a recusa de protagonismo centrado no ego, é a recusa dum ‘amor fundamentalista’, impositivo, justiceiro… contrário ao espírito do ‘Hino ao Amor’, de S. Paulo), a proibição de falarem dele faz parte da intenção teológica de Marcos. Ele quer evitar a ideia de Jesus como um messias triunfalista, para reforçar a fé em Jesus como o ungido pelo Espírito de Deus (Marcos 1,10) que vence, aos poucos e de forma humilde como o servo sofredor, as forças contrárias ao espírito do Reino. Por isso, Marcos apresenta Jesus insistindo em que não se divulgue o seu messianismo aos quatro ventos. A proibição se estende aos demônios (Marcos 1,25.34; 3,12), às pessoas curadas (Marcos 1,44; 5,43; 7,36; 8,26) e a seus apóstolos (Marcos 8,30; 9,9), reservando essa revelação somente para o momento da cruz e pela boca de um estrangeiro: "Na verdade, este homem era Filho de Deus" (Marcos 15,39).

Senhor, Deus da vida, ajuda-nos a acolher a tua graça que cura e liberta das enfermidades, dos desejos egoístas e do consumismo individualista! Ó Deus, livra-nos dessas forças que nos seduzem e arrastam como possessão demoníaca, forças que nos dominam e impedem de sermos pessoas livres para, como criaturas novas, colaborar contigo no serviço ao teu Reino de justiça, a exemplo da mulher que curaste!

De onde vêm as forças para a nova prática de Jesus? (1,35-39) Depois de um dia de actividades salvadoras e que vão noite adentro, Jesus descansa para estar com as energias renovadas para mais um dia de serviço à vida. Mas não basta novo vigor físico. Algo mais profundo é necessário. Por isso, ainda de madrugada, Jesus se retira para um lugar deserto e ali cultiva sua íntima comunhão com o Pai, o Deus libertador do Êxodo. É que vai ao deserto, lugar por onde Deus guiou seu povo para a liberdade e "lá, ele orava" (Marcos 1,35). A comunhão com o Pai é o segredo da força de Jesus na solidariedade com as pessoas mais desprezadas de sua época, entre elas as doentes e as possuídas por todas as forças de alienação  que não lhes permitem que sejam sujeitos das suas vidas.

A intimidade com o Pai, essa espiritualidade de comunhão profunda com o sagrado, faz de Jesus uma pessoa radicalmente livre. A oração é a fonte onde Jesus bebe do mais puro Espírito que sustenta sua acção emancipadora junto às pessoas em estado de dependência, seja em relação às enfermidades, seja em relação às forças que nos alienam, impedindo-nos de sermos filhas e filhos livres e com dignidade.

Ó Deus, concede-nos a graça que permite esvaziar-nos do espírito individualista, das forças que geram discórdia, exclusão e sofrimento! Senhor, que teu Espírito libertador do deserto nos transforme e impulsione, tal como moveu Jesus de Nazaré, ao ponto de sermos sempre mais semelhantes a ti, pessoas livres para o serviço da vida, da cura e de tudo que domina como possessão em nossas mentes e corações! Amém!

Ildo Bohn Gass é biblista, leigo católico.
01 Fevereiro 2012