José Maria Castillo, Granada |
O humano e o divino
Um dos equívocos mais torpes que a teologia cristã cometeu foi o de apresentar a relação do ser humano com Deus de tal maneira que, para que essa relação fosse correcta, o ser humano não se podia ficar pelo ‘plenamente humano’, mas necessitaria ‘divinizar-se’. Quer isto dizer que, ao homem, não lhe basta a «condição humana», mas, para além disso, necessita também da «condição divina».
Por isso e para isso, o ser humano necessita daquilo que os entendidos em assuntos da religião cristã chamam a «graça santificante». Pode discutir-se em que consiste isso de «graça santificante», porém, os teólogos, insistem em que é mediante a graça divina, que se obtém a divinização do humano. É certo que, para os teólogos antigos e medievais, «divinizar» o homem não se opõe a «humanizar-se», mas, sim, alcançar a plenitude e o seu destino definitivo. Mas também é certo que, ao tentar explicar este complicado tema, os teólogos davam a entender que, se o homem não alcança a sua própria «divinização», algo fica imperfeito no seu ser.
O problema que, com esta teoria, os teólogos colocaram – sem que se dessem conta disso – foi o de as pessoas se virem diante de um dilema terrível: «ou Deus ou o Homem», o que equivalia a incrustar na própria vida duas ideias aterradoras. Primeira ideia: a «distinção» radical entre «o divino» e «o humano». Segunda ideia: a «contraposição» e, inclusivamente, o «enfrentamento» entre «o divino» e «o humano».
Pois bem, desde o momento em que se viram assim as relações entre o homem e Deus, nós os homens e as mulheres que sempre procuramos ser religiosos, crentes e praticantes, vimo-nos expostos a situações extremamente desagradáveis, eriçadas de dificuldades, as quais levaram muita gente a manter distância face a Deus, face à religião e face a tudo quanto se refira ao divino e ao sagrado. E isto pela simples razão de que muitos fomos os que viram nisso uma ameaça para a nossa própria humanidade.
E isto porquê?
A resposta é simples. Porque os teólogos, os moralistas, os bispos, baseando-se nesta teorias e ao contrapor e fazer enfrentar «o divino» a’«o humano», acharam-se no direito e no dever de apresentar e exigir que todo «o humano» se submeta e anua a tudo o que se lhe seja apresentado como decisão e imposição d’«o divino». Daí que, com muita frequência, as religiões imponham obrigações, renúncias e sacrifícios, que, em nome de Deus e por vontade de Deus, exigem dos humanos a aceitação de dogmas e de presumíveis verdades que não se entendem, exijam privação de coisas que com naturalidade são desejadas e nos imponham renúncias, privações e sacrifícios sumamente custosos. Claro que eu concebo que uma pessoa – seja por motivos religiosos ou simplesmente sociais – se prive de algo que lhe apetece se, dessa privação, resultar um benefício para alguém, para outro ser, seja lá para quem for.
Mas não me entra na cabeça é que se possa crer em um Deus a quem agrada – e fica todo contente diante desse facto – que os seus fiéis se privem do que lhes agrada, daquilo que lhes proporciona bem-estar e felicidade. Donde resulta que estamos diante de um Deus que se alegra por ver gente a sofrer! Não será isso um «deus perigoso», um «deus sádico», um «deus indesejável» que deveria merecer apenas o nosso desprezo?
Esta teoria, segundo a qual «o profano» tem que se submeter a’«o sagrado», «o laico» a’«o religioso», «o humano» a’«o divino» está na base de incessantes conflitos (grandes e pequenos) que vão surgindo na sociedade entre autoridades religiosas e poderes civis. É a teoria que explica a estranha contradição em que caem os dirigentes religiosos quando, elogiosamente, falam dos direitos humanos, mas, ao mesmo tempo, não os aplicam às suas normas e práticas de governo religioso.
E fazem-no baseando-se na teoria segundo a qual a verdade divina não é harmonizável com os direitos humanos. Por exemplo, e sem irmos mais longe, é em virtude deste tipo de argumentos que as mulheres, na Igreja, não têm os mesmos direitos que os homens. Estaremos de facto seguros que Deus quer que assim seja? De modo algum! Mas, aquilo de que podemos estar seguros é que, se não queremos apresentar Deus como um espantalho absurdo não podemos continuar a dizer que Deus não deseja que se pratiquem os direitos humanos. E, contudo, é isto mesmo que a teologia católica continua a pregar pelo mundo fora, na medida em que se empenha em defender que existem grupos inteiros, como é o caso das mulheres e dos homossexuais, que não devem ter os mesmos direitos que o resto dos mortais.
E de nada lhes vale erguer crucifixos e vir-nos recordar os textos de S. Paulo nos quais se fala da morte de Cristo como um «sacrifício expiatório» pelos nossos pecados [Rom 3:25; 8:3; Gal 3:13; 2 Cor 5:21, etc]. Que fique bem claro que esses textos são inseparáveis da ideia de «ressurreição», o que quer dizer que estes textos, isoladamente, perdem qualquer valor ou sentido.
S. Paulo viu-se na difícil situação de apresentar um «Deus Crucificado», uma ideia tão espantosamente inaceitável para qualquer cidadão do Império que não teve outro remédio senão o de lançar mão da teologia do «sacrifício» e da «expiação» do Antigo Testamento a fim de apresentar uma «interpretação» aceitável para o seu tempo. Mas, sobretudo, a questão central é ter bem claro que o Novo Testamento modificou radicalmente (desde a raiz!) a ideia e a experiência de «sacrifício».
Como diz a Carta aos Hebreus, é tudo muito óbvio: «Não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir com os outros, pois são esses os sacrifícios que agradam a Deus.» [Hebreus 13:16]
O sacrifício religioso que actualmente mais agrada a Deus é que aliviemos penas e sofrimentos, que ajudemos as famílias que não têm trabalho e os desempregados sem esperança.
Quem não vir assim as coisas não pode crer no cristianismo.
JESUS COMEÇA A CURAR LUTANDO CONTRA OS DEUSES OPRESSORES
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