teologia para leigos

29 de dezembro de 2010

CONTO DE NATAL [NUNO HIGINO]




O boi chegará a tempo
do presépio?


O boi vai ao Presépio. O boi é paciente e não tem pressa de chegar. Caminha e pára. Rumina e pára. Rumina erva e rumina distraídas névoas perdidas no caminho. Quando alguém passa muito rápido, o boi não se assusta. Nem fica agitado. Levanta a cabeça. Pára a ouvir a pressa de quem passa depressa. E parado, rumina.

O boi rumina erva, rumina névoas. Rumina pensamentos. Muitos afirmam a pés juntos que o boi não tem pensamentos, mas devem estar enganados. O boi . O boi ouve. O boi sente. O boi come erva, come feno. O boi rumina. O boi caminha lentamente. O boi pára a olhar. É quando pára a olhar que eu acho que ele pensa. Pensa com os olhos parados, a olhar. O olho do boi é um olho grande. E um olho grande vê muitas coisas. Como é que o boi não há-de pensar? Eu digo que pensa. Pensa o que vê. Rumina o que olha. E caminha. De garfada em garfada, de névoa em névoa, de pensamento em pensamento.

Não se pense que por ser assim e não ter pressa, o boi não quer chegar ao Presépio. O boi quer olhar o Menino com os seus olhos grandes. Quer saudar o menino com a narina a mexer, a soltar bafo como uma máquina de fazer quentinho. Se o Presépio for para os que encurtam caminho, então tirem o boi do Presépio porque não vai chegar a tempo. Se o Presépio for só para os muito ágeis, aí então não contem com o boi. Ponham lá a lebre ou a gazela. Mas o boi não.

O boi vê passar os pastores e os rebanhos. Rebanhos ruidosos, festivos. Vê passar os reis magos em montadas rápidas. Fica a olhar o burro no seu andar aos saltinhos. Depois de os ver passar, o boi fica parado a ruminar a distância. «Estou aqui no meio da distância. Sou como uma chuva que não quer chover?» E volta a pensar: «dentro da minha pele retesada parece que não há nada. Sou um vazio que caminha?» Sente-se um despovoado, mais livre do que um deserto. «Se estou despovoado, a liberdade me há-de povoar».

Se calhar, quando chegar, o Menino já é grande e já abandonou o Presépio. Mas o boi continua a caminhar ao seu encontro, a comer feno enquanto olha, a olhar enquanto rumina. O boi não tem pressa. O boi tem tempo. O boi caminha.


in «O MENINO – 5 Histórias de Natal», Nuno Higino, ilustrações de José Emídio.

Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, Novembro de 2009.

ISBN 978-972-622-018-3
Telf.: 222.080.565

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