teologia para leigos

27 de dezembro de 2010

O DIA DEPOIS DO NATAL

«NÃO ESQUEÇAMOS O DIA DE ONTEM»…

O dia depois do Natal

Hoje é o dia seguinte. Por sorte um domingo. O Natal já passou. É dia de olhar em volta: que vemos? Presentes, restos de papéis coloridos, a casa por arrumar. E pessoas: a nossa gente está por perto, ou permanece na recordação de um fim-de-semana que não é igual aos outros. Não, o Natal não é todos os dias: uma frase talvez com algum sentido lá para o meio do Verão, mas de que não gosto em Dezembro.

No Natal festejou-se a família, assinalou-se o nascimento de Jesus Cristo (mesmo para os não crentes) e fez-se o balanço do passado: os que nos faltaram por morte e aqueles de que nos afastámos por motivos nem sempre justificados. É certo que o espírito de partilha que deve caracterizar o Natal seria bom para organizar a vida quotidiana, mas a época é sempre única, porque em nenhum momento da vida podemos esquecer a festa do Natal: a alegria das crianças, o momento em que os velhos da família se sentem menos sós, até os doces de que às vezes, ao longo do ano, fugimos com esforço...

O Natal demonstra como os pais ainda detêm a grande influência sobre os filhos. É um excelente momento para salientar a importância de um vocabulário moral, uma espécie de léxico que deveria ser central na educação das crianças de hoje: refiro-me a palavras como afecto, cooperação, responsabilidade, paz, humildade, gratidão, generosidade, confiança, honestidade, compreensão (face ao outro), coragem... e muitas outras. São a base da educação moral, cada vez mais importante numa sociedade apressada, mas que me fascina todos os dias: vivemos numa época que nos inquieta, mas onde a reflexão sobre os comportamentos se torna cada vez mais actual.

No Natal que acabámos de viver a palavra crise não cessou de aparecer. Na política, onde os responsáveis necessitam definir um rumo para o país, imerso em dificuldades que ultrapassam o nosso território, porque é o modelo social europeu que é posto em causa todos os dias. Na escola, porque faltam recursos para dar resposta aos alunos com dificuldades de vária ordem, apesar da melhoria dos desempenhos, como se verificou recentemente em avaliação internacional. Na família, onde os jovens casais hesitam em ter filhos e os pais se confrontam com dificuldades no manejo da autoridade. Na comunicação social, onde predomina a notícia rápida e escasseia o espaço plural de reflexão (não haverá ninguém pouco conhecido com coisas mais importantes para dizer? Não será o momento para ouvir outros "politólogos", esses comentadores que repetem o óbvio?).

A educação atenta permite que os mais novos se apercebam da importância dos valores, que são afinal conceitos morais. Para termos êxito na educação para os valores, precisamos de desenvolver a literacia emocional dos mais novos, porque sem essa capacidade psicológica poucos efeitos se conseguirão. É por isso crucial desenvolver, junto de cada criança a nosso cargo, a capacidade de compreender as suas emoções.

O exemplo ainda é mais importante: se uma criança é vítima de ódio ou desprezo, de pouco servirá a nossa conversa sobre o amor e o respeito: o Natal desta criança, talvez cheio de presentes, ficará na sua memória como um momento sem futuro, onde predominou a falta de um modelo de educação coerente. Por isso, o Natal será melhor se surgir na sequência de uma prática de partilha e de atenção aos sentimentos do outro.

Passou o Natal de 2010, um novo ano se aproxima. Não esqueçamos o dia de ontem, em renovada esperança.


Daniel Sampaio
Revista «PÚBLICA», 26 Dezembro 2010


Graça & Justiça para todos...