O Pacto da Igreja Serva e Pobre
No dia 16 de Novembro de 1965 cerca de 40 Padres Conciliares concelebraram o Santo Sacrifício Eucarístico nas catacumbas de Santa Domitila, para obterem a graça de serem plenamente fiéis ao Espírito de Jesus “que vos consagrou e vos enviou para evangelizardes os pobres” (Lc 4, 18). Nesta ocasião alguns (não se conhece o número exato) Bispos adoptam as seguintes resoluções:
D. Hélder Câmara, bispo de Olinda e Recife |
Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho;
incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção, unidos a todos os irmãos no Episcopado;
contando sobretudo com a graça e com a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses;
colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que segue:
1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6, 33-34; 8, 20.
2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10, 9-10; At 3, 6. Nem ouro nem prata.
3) Não possuiremos nem móveis, nem imóveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese ou das obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6, 19-21; Lc 12, 33-34.
4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10, 8; At 6, 1-7.
5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20, 25-28; 23, 6-11; Jo 13, 12-15.
6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes, nos serviços religiosos). Cf. Lc 13, 12-14; 1 Cor 9, 14-19.
7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6, 2-4; Luc 15, 9-13; 2 Cor 12, 4.
8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique a outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4, 18-19; Mc 6, 4; Mt 11, 4-5; At 18, 3-4; 20, 33-35; 1 Cor 4, 12 e 9, 1-27.
9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25, 31-46; Lc 13, 12-14 e 33-34.
10) Poremos tudo em obra para os responsáveis pelo nosso governo e nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmónico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. Cf. At 2, 44-45; 4, 32-35; 5, 4; 2 Cor 8 e 9 inteiros; 1 Tim 5,’16.
11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral – dois terços da humanidade – comprometemo-nos:
- a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;
- a requerermos junto aos planos dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho, como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adopção de estruturas económicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.
12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim:
- esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles;
- suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o Espírito, do que uns chefes segundo o mundo;
- procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores...;
- mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8, 34-35; At 6, 1-7; 1 Tim 3, 8-10.
13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos com sua compreensão, seu concurso e suas preces.
AJUDE-NOS DEUS A SERMOS FIÉIS.
(Extraído de KLOPPENBURG, Pe. Frei Boaventura. Vaticano II, Petrópolis: Vozes, 1966, vol. V, Quarta Sessão – Set.- Dez. 1965), pp. 526-528.)