teologia para leigos

28 de setembro de 2012

OS BISPOS E A CRISE

A hierarquia católica oficial e a «crise»

A relação IGREJA-MUNDO... O Clero e o Governo!



No dia 17 de Setembro de 2012 o porta-voz do Conselho Permanente (CP) da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), padre Manuel Morujão, apresentou à comunicação social as conclusões da reunião do Conselho Permanente da CEP, que se reunira e emitira uma Nota intitulada «Missão da Igreja num país em crise» (CLICAR AQUI). Durante a conversa com a imprensa, o porta-voz da CEP sublinhou que a posição do CP adverte para que «não se quebre um acordo sócio-político, para bem da nação» e se evitem «caminhos de ingovernabilidade».

Precisamente, no presente momento político em que O POVO mais discute (e pede) que se quebre «o acordo sociopolítico» assinado entre as forças sociais e governamentais no início deste ano no Concelho de Concertação Social e se proponha uma outra fórmula governativa, esta afirmação oral do porta-voz dos bispos católicos portugueses é uma tomada de posição social e política. E é-o na medida em que ela coincide com a opinião pública dos «sectores pró-austeridade “custe-o-que-custar”» (cf. Diogo Feio, Luís Bento, Durão Barroso, União Europeia, Ângela Merkel, J.-C. Junker, etc.). Partindo do princípio que a Nota é sobre a «missão da Igreja», quanto a isso, que se constata  quando se lê a Nota do CP da CEP?

No primeiro ponto da Nota, percebe-se que a hierarquia da Igreja católica está preocupada com a crise, «é sensível ao sofrimento de todos» e diz que «a principal resposta da Igreja» (…) «tem sido dada pelas suas instituições de solidariedade social». Esperava-se que se seguisse, como consequência dessa preocupação, a denúncia do sistema político e ideológico responsável pela fabricação de tão grave Crise. Mas tal denúncia, que seria o mínimo esperado, não surge na Nota. Em vez disso surge uma declaração de princípio do Magistério da Igreja Católica que parece propor ou defender uma certa forma de hibridismo político asociológico: «a igreja sempre defendeu (…) a liberdade económica, desde que as suas concretizações se submetam aos objectivos do bem-comum. Os próprios lucros das pessoas, das empresas e dos grupos devem orientar-se para o bem-comum de toda a sociedade».

E quanto aos «mercados» financeiros especulativos, sanguessugas parasitas perfeitamente prescindíveis à vida económica, não são denunciados, nem condenados, mas somente inocuamente advertidos (para que tudo fique na mesma e não se diga que não se disse nada). Diz a Nota: [os mercados] «não podem separar-se do dinamismo económico, transformando-se em fontes autónomas de lucro que não reverte, necessariamente, para o bem-comum das sociedades».

Como sugestão para a superação da crise, o CP da CEP propõe «uma renovação cultural» e «a coragem para aceitar que momentos difíceis podem ser a semente de novas etapas de convivência e de sentido colectivo da vida». Para isso, contam com «a força de Deus e a protecção de Nossa Senhora» (já José Miguel Júdice dissera na rádio, que «rezar à Nossa Senhora também ajuda» a sair da crise; em linha, aliás, com o conceito de oração do Bispo de Beja: clique aqui).

Ora bem. Como todos estamos fartos de saber, «a caridade assistencial» constitui uma almofada que minora desgraças extremas, mantém os pobres na pobreza (torna-os dependentes da 'esmola'), alivia a má consciência dos austeritários e, claro, nunca será uma saída para a crise ("se queres ajudar um pobre, não lhe dês um peixe: dá-lhe condições para que ele, por si, possa pescar"). Aliás, como já foi denunciado publicamente (CLICAR AQUI), o assistencialismo, não só não toca nas causas que estão por trás da exploração e miséria sociais, como é lacrimosamente requerido e exigido pelo poder liberal como o único meio, que esse mesmo poder tem, de lavar a sua imagem (cf. afirmações de Pedro Mota Soares e de Miguel Relvas: «os pobres são a nossa primeira prioridade: por isso estamos a aplicar programas de austeridade que não atingem os mais desfavorecidos; o Governo tem consciência social…»).

Portanto, os hierarcas da Igreja católica têm, agora, um sério concorrente para a sua galinha dos ovos de ouro − o assistencialismo, vulgo ‘caridade cristã’: a caridosa preocupação neo-liberal do governo. A hierarquia católica está entalada, pois sabe bem que as «suas instituições» têm não poucos rabos-de-palha (CLICAR AQUI), realidade, aliás, velha como a Sé de Braga (cf. o veemente pedido do secretário do bispo do Porto ao governo, a fim de libertar dinheiro da diocese preso nas malhas do caso BPP). Como é que poderíamos nós esperar que, algum dia, o episcopado alguma vez anatematizasse os «mercados», se o próprio Banco do Vaticano (IOR) está enterrado nessa teia financeira secreta e mais que suspeita de branqueamento de capitais? (CLICAR AQUI)

Além do já dito, na Nota existem afirmações que merecem ser relevadas.

Como por exemplo: «Esta primazia da busca do bem-comum de toda a sociedade atinge todas as pessoas e todos os corpos sociais»; ela busca «a unidade de objectivos no respeito das diferenças: governo e oposição, partidos políticos, associações de trabalhadores e de empresários, etc.». Ou seja, o CP apela a um «alargado consenso nacional», para que, diante do desemprego, «pessoas e grupos decidam dar as mãos, apesar das suas diferenças». A seguir a tanto primor semântico, lê-se este pedaço de prosa celestial, mel-puro para os ouvidos de Passos Coelho e Vítor Gaspar: «Numa democracia adulta, as “crises políticas” deverão ser sempre exceção. Em momentos críticos podem comprometer soluções e atrasar dinamismos na sua busca».

E, depois, este exemplo de discurso angelical, estratosférico: «O bem da comunidade nacional exige de todos generosidade para não dar prioridade à busca de interesses particulares e a honestidade para renunciar a caminhos pouco dignos de procura desses interesses. Só com generosidade se pode alcançar um bem maior». O governante Carlos Moedas disse isso mesmo: (CLICAR AQUI) «o Estado somos todos nós».

O bispo do Algarve (CLICAR AQUI) apelou também à «união de esforços para superar a crise». Salazar não diria melhor: «tudo pela Nação, nada contra a Nação» (CLICAR AQUI).

Já dois meses antes (10 Julho) o padre Morujão dissera (CLICAR AQUI): «os bispos acompanham a situação “com cuidado”, pedindo atenção aos “mais desfavorecidos, aos que são mais frágeis na sociedade”. “A Igreja não pode estar senão do lado dos mais fracos”, acrescentou. Para este responsável, a troika deve permitir que os portugueses comecem a ver “uma luz ao fundo do túnel.


Comentário final

A Igreja Oficial católica portuguesa, definitivamente, evita produzir uma análise estrutural das realidades social, económica e política – fica-se por uma abordagem asocial, individual, como se as desgraças de alguns fossem fruto da sua infelicidade ou egoísmo pessoal (apesar dos meritórios esforços dos governantes…) e não fruto do 'sistema neo-liberal’ há décadas conscientemente posto em liberdade desregulada pelo poder político. A análise da realidade que a Igreja Oficial faz torna-se ridícula (CLICAR AQUI para confrontar).

Por isso, os representantes dos católicos portugueses não são capazes de explicar porquê tão absurda e galopante taxa de desemprego, pobreza e afundamento da economia após a assinatura do Memorando da troika. Mesmo assim, atrevem-se a sugerir saídas para essa mesma realidade usando uma linguagem ambíguauma renovação cultural»; «Só com generosidade se pode alcançar um bem maior») e expressões ridículas («decidam dar as mãos apesar das suas diferenças») como se a Sociologia não fosse para ser levada a sério (em Sociologia, que homogeneidade tem a “comunidade nacional” e em que consiste “o bem-comum”?) e as tensões não fossem uma realidade inelutável que tudo atravessa, inclusivamente a própria Comunidade Eclesial, lugar histórico e, portanto, nem ela imune às crises ou à disputa pelo poder (cf. Mt 16:23; Act 2:42-47; 4:32-37 vs Act. 5:1-11; Mt 20:20-27; Act 15:2.7.39-40, etc.). É chocante a ignorância episcopal portuguesa e a ridícula análise das realidades sociais e económicas sobre as quais se debruça agora (CLICAR AQUI) (CLICAR AQUI & AQUI & AQUI).

Perfeitamente em sintonia com o espírito do século XXI − espírito de «imobilidade ideológica» [Tony Judt] −, a Igreja Oficial católica procura manter-se num certo «centro» em que o «bom sentimento» e as boas intenções serviram já (há anos) para encobrir a traição em que se constituiu o blairismo, o guterrismo e o socratismo. Mas – tal como alertou Tony Judt em «o renascimento da questão social» (p. 433)−, «Em épocas normais é aí [no centro neutro] que estão os votos com que se ganha em qualquer sistema representativo binário. Mas se os tempos se tornam um tanto menos normais, como parece provável, o centro logo se esvazia em favor de opções mais extremas.» Não é preciso ser-se filósofo para perceber que [o centro] «É uma solução tentadora; mas um equívoco» [Tony Judt].

Mais grave ainda é sabermos que «a missão da Igreja» é (em crise ou fora dela) estar SEMPRE e APENAS do lado dos excluídos do sistema [cf. Lc 4:18]. É com eles e a partir deles que EXCLUSIVAMENTE Cristo está, e para eles, e apenas para eles, Cristo prepara o Banquete do Reinado de Deus [em Lucas 14:15-24, Deus recusa que o Reino seja «para todos» sem mais: é apenas para ‘os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos.’].

Através dum abastardamento do espírito do evangelho de Jesus, a Hierarquia Oficial da igreja católica portuguesa (para além da necessária assistência aos pobres, que, em si, ninguém deve questionar) não só não denuncia o sistema neo-liberal iníquo que pretende arrasar completamente o que resta do Estado Providência (cf. a denúncia contida no v.24 da citação supra de Lucas), como tacticamente evita beliscar as suas relações com o poder cumprindo com a sua (‘providencial’…) função (que já vem dos tempos do salazarismo e do marcelismo) de instituição neutralizadora de tensões entre o poder e as vítimas do poder (cf. o v.21 de Lucas citado: “Então, o dono da casa [ou seja, Deus], irritado, disse ao servo:”).


A Igreja Oficial já não se irrita, porque esqueceu que «importa mais obedecer a Deus do que aos homens» (Act 5:29).

A Igreja Oficial diz que os pobres são a sua preocupação, mas, no terreno, não se demarca categoricamente do poder (que também o diz..., mas não o faz!), poder que mantém os pobres na pobreza (pobreza complementada com uma perseguição odienta aos apoios sociais por presumível 'fraude social' ou como 'combate à preguiça dos pobres', em contraposição a um benévolo respeito pelo sigilo bancário dos ricos, nos casos de 'fraude fiscal').

A Igreja Oficial, na sua Nota, esqueceu-se de falar do Deus que está definitivamente e apenas do lado dos sacrificados (CLICAR AQUI). Tenta, assim, salvar as ‘relações institucionais’ entre o Poder iníquo (com seu Programa Austeritário não referendado) e as IPSS’s (sua única e última inter-face com ‘os pobres’). A obsessão pela expressão «todos» e «a bem da nação» (de má memória salazarista...), ou o agitar do papão da 'instabilidade social', da  'ingovernabilidade', não só faz uso dum subterfúgio para evitar o uso de categorias sinalizadas pela ortodoxia vaticana (de presumível proveniência marxista e ateia, tais como «estratos sociais», «classes sociais», «luta de classes»), como constitui  a ponte mais que perfeita para a narrativa do poder político PSD-CDS/PP: «estamos todos no mesmo barco», «temos todos de pagar a crise», «a crise toca a todos» (afirmações mais que falaciosas...), E AINDA, «impõe-se, à oposição, sentido de Estado e manutenção dum consenso alargado», etc. Jesus de Nazaré, com o seu comportamento e/ou ensinamento, nunca procurou agradar a «todos» e nunca procurou o unanimismo: ao longo do seu caminho, cortou sempre a direito  e, por isso, desde o princípio correu  risco de vida. (cf. Lc 4:28-30) A Igreja Oficial portuguesa não tem a coragem do seu fundador; com a estratégica linguagem desta Nota, desvirtua/atraiçoa a mensagem de Jesus Cristo. É sintomático que, quanto à sua «missão», a Hierarquia católica nunca se refira ao espírito do evangelho de Jesus, fonte identitária de toda a vida cristã (Marcos 1:15: «Arrependei-vos: virai do avesso os vossos critérios! O Reino de Deus já está em marcha!»). A Nota diz: «A Igreja é um Povo, uma comunidade estruturada e organizada, que assume como dever a procura do bem-comum de toda a sociedade. Esse é também o fim da comunidade política.»


A Igreja Oficial esqueceu-se que a sua «missão» é anunciar o Reino de Deus (ou seja, 'um mundo outro') e, como consequência, tem de desautorizar este poder, na senda de um Deus que desautorizou definitivamente o poder despótico (Act 2:23-24.36).

Bem pelo contrário, a Igreja oficial católica é a única instituição que está com o Governo na sua sanha deprimente de «empobrecimento nacional» (CLICAR AQUI); em vez de os denunciar, participa nos programas que visam 'desvalorizar o trabalho' e promover uma sociedade frágil de empregados-pedintes agradecidos... (CLICAR AQUI, sobretudo os cristãos que passam a vida a encher a boca com a chamada «Economia Social»). As Instituições Sociais da Igreja Católica, cinicamente, aproveitam-se da situação política como abutres em torno das carcaças das vítimas... Para a Igreja oficial católica não há memória: há apenas um aforismo - «NO APROVEITAR É QUE ESTÁ O GANHO». (Pedro Passos Coelho a 11 Março 2011 - CLICAR AQUI) (A Concordata e o I.M.I. - CLICAR AQUI). A Igreja Oficial Católica, através das suas Instituições Sociais, deixou-se amarrar à estratégia anti-social e neo-liberal do poder político de direita vigente, para o qual a 'caridade' também é mercantilizável... Abdicando da sua primeiríssima missão de anunciar o Reino, decidiu colaborar com a capitalização do poder financeiro bancário (CLICAR AQUI), em contradição com a urgência para com os pobres. A Caridade Cristã foi, assim, trocada pela segurança do humilhante poder financeiro, última tábua de salvação duma imagem historicamente ferida pelo peso histórico da colaboração com o antigo regime ditatorial e colonial de Salazar e Marcelo Caetano.

Com esta Nota, e num momento crucial para o país, esta Hierarquia não representa, com inteira verdade, uma Igreja Cristã que queira estar à altura dos desafios históricos (CLICAR AQUI & AQUI).

«Luz do mundo»? Só se for debaixo do alqueire… (Mt 5:15)
Uma hierarquia assim é de se ter dó.


pb\

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