O governo que doou o seu povo à ciência
Ouve-se perguntar há décadas que sentido faz ser a Constituição portuguesa tão longa, complexa e miudinha? Os últimos tempos ajudaram-me a perceber porquê. Passo a explicar. Na última sexta-feira ficámos a saber que a contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social aumentará no próximo ano 7 pontos percentuais ao mesmo tempo que a das empresas baixará 5,75. Note-se que é pequeno o impacto desta decisão sobre o défice orçamental: estamos a falar de uns 500 milhões de euros quando as metas acordadas exigem no mínimo dos mínimos uma redução de 3 mil milhões.
Significa isso que, depois de ter virado contra si o grosso da opinião pública que ainda confiava nele, o governo ainda não enfrentou sequer o essencial do problema. O que virá a seguir? Decerto, nova revisão dos escalões do IRS, despedimentos na parte mais vulnerável da função pública, reduções drásticas da quantidade e qualidade dos serviços de saúde, educação e transportes, agravamento de taxas diversas (incluindo as do SNS) e o mais que adiante se verá.
Se as medidas anunciadas não reduzem o défice de 2012 e só marginalmente o fazem em 2013, como se explica então o desvario? Dir-se-ia que o défice e o endividamento são hoje o que menos importa. A única coisa que agora conta é a aplicação a todo o custo da receita mágica das reformas estruturais. Mesmo aqui, porém, o foco foi consideravelmente restringido, visto que das reformas da justiça ou do poder autárquico, por exemplo, já ninguém parece querer saber.
As reformas de que o país consensualmente necessita são, pois, no discurso e na prática, substituídas por contra-reformas inspiradas pelo revanchismo social, impondo-se uma modalidade de capitalismo extractivo que, por lei, transfere rendimentos dos trabalhadores para os empresários. A acção governativa orienta-se crescentemente apenas e só pelo intuito de precarizar as relações laborais e contrair os custos salariais, na crença (ou sob o pretexto) de que daí resultará uma economia mais sólida e competitiva.
Este extremismo ideológico – que, obviamente, ninguém sufragou – é o aliado natural da pulsão neurótico-depressiva de que a troika se alimenta. Afigura-se portanto plausível que o governo tenha conseguido a indulgência em relação ao fracasso do défice para 2012 a troco da garantia de redução da TSU para as empresas tão acarinhada por uma das mais retrógradas escolas do pensamento económico.
Sabe-se como a teoria da desvalorização interna é cara ao FMI e aos doutrinários do Banco de Portugal. Sabe-se também que, até hoje, ela só foi experimentada na Letónia, e que os seus resultados foram, numa avaliação caridosa, inconclusivos. Faz-lhes falta, pois, testá-la num país de razoável dimensão e complexidade económica como o nosso.
Com a colaboração do governo português, o FMI, que gosta de fazer experiências com animais vivos, encontrou neste povo o ratinho de laboratório ideal.
Qual a probabilidade de que daqui resultem consequência positivas para o crescimento e o emprego? A crer nos estudos a seu tempo encomendados pelo governo português, quase nenhuma. Além disso, os inquéritos regularmente lançados pelo INE mostram que as razões invocadas pelos empresários para não contratarem mais trabalhadores são a ausência de mercado e a indisponibilidade de crédito, não o nível salarial.
A vingar a orientação anunciada, dentro de um ano o país estará mais pobre e a sua economia terá sido desarticulada. Pior ainda, a amargura e a desconfiança ter-se-ão apoderado dos corações, porque não é impunemente que se passa um rolo compressor sobre as legítimas expectativas das pessoas, suspendendo garantias, coarctando direitos e abolindo vínculos. Uma sociedade civilizada não é um acampamento que a todo o momento pode ser desmontado sem aviso prévio. A legitimidade dos sistemas políticos, económicos e sociais é sustentada pela crença na boa-fé de quem detém o poder aos mais variados níveis.
Não sobrevive por muito tempo a convivência pacífica numa sociedade cujas classes dirigentes alienam a confiança que nelas é depositada comportando-se de forma discricionária, atrabiliária e irresponsável.
Voltemos então à Constituição. Leis e contratos não precisam de ser longos quando se presume a boa-fé das partes. Havendo identificação com a letra da norma dispensa-se excessiva cautela com a sua letra. Doentia atenção ao pormenor e obsessiva preocupação em cobrir todas as possíveis ocorrências supervenientes são, pois, sintomas de desconfiança mútua.
Sou, por tudo isso, forçado a reconhecer a sabedoria dos constituintes de 1976 ao elaborarem um texto que, embora rebarbativo, dificulta a sua desvirtuação pelos derrotados de Abril que não se conformam. Tendo em conta a fragilidade das instituições, a podridão do sistema partidário e a escassez de figuras públicas respeitadas, é bem possível que só o Tribunal Constitucional consiga agora evitar a catástrofe.
João Pinto e Castro
Director-geral da Ology e Docente Universitário
Troika, na Grécia, exige:
semana de trabalho de seis dias,
horários semanais de 78 h
e reforma só aos 67 anos (12 Set. 2012)
Prof. José M. Castro Caldas [Univ. de Coimbra]
«Nestes dias estamos todos confrontados com uma escolha: deixar esta loucura prosseguir, ou exigir um ponto final. Não pensem que é impossível. Quando um povo exige com determinação a saída de um governo, o governo parte mesmo. Este tem de ir. E isto tem de parar.»
Vítor Gaspar et al é insane…
«POR UM PRATO DE LENTILHAS ENVENENADO»
«O que explica então que, decorrido um ano, Gaspar aceite (e até defenda) a descida generalizada da TSU para as empresas? Face às evidências, que o João Rodrigues aqui oportunamente assinalou, só encontro uma resposta: por manifesto servilismo, oportunismo político e por profunda e dolosa irresponsabilidade. Gaspar sabe que fracassou em toda a linha: não só se afastou de forma colossal do objectivo do défice para este ano como estoirou violentamente com a economia do país. Contudo, fanático e obsessivo, jamais o poderia admitir, optando pela fuga em frente.
A descida da TSU constitui portanto, evidentemente, a moeda de troca para tentar camuflar o estrondoso e mais que previsível falhanço. Gaspar precisava do aligeiramento da meta do défice para 2012 (os míseros 0,5% que a troika lhe concedeu), para se poder manter à tona de água. Ou seja, para poder preparar a fuga em frente, através de mais um golpe insane de austeridade, na eterna e infundada esperança de que um dia a mesma funcione. O preço a pagar foi, está bem de ver, a sujeição do país à perigosíssima hipótese científica que a troika quer testar, nas piores condições possíveis, no «bom aluno»: perceber se a redução da TSU favorece, ou não, a competitividade e a criação de emprego.»
A descida da TSU constitui portanto, evidentemente, a moeda de troca para tentar camuflar o estrondoso e mais que previsível falhanço. Gaspar precisava do aligeiramento da meta do défice para 2012 (os míseros 0,5% que a troika lhe concedeu), para se poder manter à tona de água. Ou seja, para poder preparar a fuga em frente, através de mais um golpe insane de austeridade, na eterna e infundada esperança de que um dia a mesma funcione. O preço a pagar foi, está bem de ver, a sujeição do país à perigosíssima hipótese científica que a troika quer testar, nas piores condições possíveis, no «bom aluno»: perceber se a redução da TSU favorece, ou não, a competitividade e a criação de emprego.»
VÍDEO:
Neste vídeo, a páginas tantas, Cavaco Silva aconselha uma pobre mulher a recorrer à ajuda de Instituições Sociais... mas não às do Estado!