teologia para leigos

9 de setembro de 2012

ORAÇÃO NA ACÇÃO

Eucaristia, Fraternidade e Libertação



Por fim, descobrimos a função insubstituível da Eucaristia. A celebração da Ceia do Senhor no interior da comunidade não é um rito devocional ou esotérico para iniciados ou um refúgio para crentes, mais ou menos marginalizados. É o momento em que a imolação de Cristo-Irmão se torna em acontecimento para esta comunidade concreta, permitindo assim fazer-se mais e mais fraternidade, como vocação do grupo e como dom do Pai. É o momento em que a comunidade se reveste, em Cristo, das exigências da fraternidade cristã. Ao mesmo tempo, a Eucaristia irmana-nos em Cristo, orienta-nos para o Pai, une-nos nas primícias da fé, abre-nos à universalidade (Mt 26:28), impulsiona-nos ao serviço dos pequenos (a Ceia é antes de tudo para eles, segundo Lucas 14:15: Parábola do Grande Banquete), reveste-nos de Jesus «que se imola por todos».

Mais ainda, toda a Eucaristia autêntica, conscientemente celebrada, pode considerar-se como o acto de protesto e libertação mais radical e absoluto. Pois a Eucaristia − e menos publicamente qualquer oração − é a proclamação explícita do senhorio de Cristo, único Libertador e único Senhor da história e do homem. Proclama-se aí conscientemente – esse é o sentido da anáfora − não só que Cristo é o único Senhor, mas que o seu senhorio exclui qualquer outro senhorio sobre os homens, que n’Ele se fizeram definitivamente livres. Sociologicamente falando, proclama-se que rechaçamos absolutamente qualquer tipo de opressão que impeça o homem de alcançar este destino.

Ou seja, que na terra não aceitamos senhores ou salvadores que se erijam em absolutos ou dominadores. Que ao celebrar a Eucaristia prometemos trabalhar para remover as opressões políticas, sociais e ideológicas incompatíveis com o que proclamamos.

Este anúncio torna-se consciencializador − e pode converter-se em inconformismo radical − quando os participantes da eucaristia são homens que sofrem qualquer tipo de dominação. Socialmente falando, a eucaristia, periodicamente celebrada, deve ser um poderoso grito de alarme e de protesto, intranquilizador de consciências e despertador de responsabilidades sociopolíticas.

Neste sentido, a acção religiosa e sobretudo a eucaristia é altamente religiosa para qualquer sistema desumano e opressor. A celebração, muitas vezes rotineira e inautêntica − puramente religiosa, − da eucaristia em sociedades onde há algum tipo de ditadura ou violência estabelecida vai pervertendo o sentido profético e de protesto social da oração e do próprio cristianismo.

Deveríamos redescobrir todo o sentido pastoral de libertação e denúncia não só da eucaristia, mas de toda a liturgia. (O baptismo como escolha de Cristo como Senhor e a não-aceitação, no futuro, de nenhuma opressão humana; a oração pessoal como um momento de tomada de consciência muito densa da nossa liberdade diante das pessoas, coisas e ideologias, etc.). Assim, toda a celebração cristã, que por definição não tem uma causa político-social, pode ter profundas repercussões neste terreno na medida em que os cristãos que a celebram se tornam conscientes do que, na realidade, estão proclamando. O vírus do inconformismo que a liturgia cristã inocula não se deterá só nos tipos de opressão socioeconómica.

Tenderá a remover os ídolos sempre novos que aprisionam o homem na sociedade de consumo, na sociedade marxista totalitária, etc.

A suprema liberdade que constitui proclamar a Cristo como único Senhor questiona qualquer sistema dominante. Está na raiz de muitas limitações à liberdade religiosa e ainda das perseguições às Igrejas. A proclamação eucarística, ao afirmar que a última palavra foi pronunciada por Deus que se entregou em Cristo, afirma, ao mesmo tempo que a mudança humana, a revolução e a acção política são, no melhor dos casos, só a penúltima palavra. E que, sem nenhum programa revolucionário, a fé que celebramos pode ter efeitos revolucionários.

Estes aspectos da Eucaristia, que a tornam significativa face à libertação, evidentemente não são os únicos. Acreditamos tão-somente que, ao elaborar uma espiritualidade da libertação na América Latina, devemos explicitar estas dimensões, que também são próprias da celebração da Páscoa de Cristo que se entregou pela redenção de seus irmãos.

Segundo Galileia [1928-2010]
Irmãozinhos de Foucauld



Descarregar aqui todo o texto sobre ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO, 18 pp.