teologia para leigos

4 de setembro de 2012

DIÁLOGO - O NOME DA AUTORIDADE ECLESIAL

Pacto de Jerusalém
- o chamado ‘concílio de Jerusalém’




Queremos encerrar este capítulo com a versão lucana do «concílio» (Act 15; cf. Gal 2:1-10), no qual a igreja de Jerusalém aceita, como seguidores messiânicos de Jesus (herdeiros das promessas de Israel), cristãos gentios, mesmo que não sejam judeus, não se circuncidem, nem cumpram com a maior parte da lei nacional. Por outro lado, as igrejas da gentilidade aceitam a raiz da sua fé, mantendo-se em comunhão com Jerusalém. Eis o ponto central dos Actos e do cristianismo: aqui se entretecem e se desatam os fios que estamos a analisar.

A igreja de Antioquia envia a Jerusalém os seus delegados (Paulo e Barnabé) para que se entendam quanto à questão da circuncisão, questão que alguns judeo-cristãos, vindos da Judeia, suscitaram (15:1-3). A igreja de Jerusalém, representada por Tiago e os presbíteros (15:2.4.6.22.23), decidem que os cristãos-gentios não têm que ser circuncidados, ratificando assim a conduta de Paulo e Barnabé, não sem antes imporem certas condições (15:22-35). Protagonistas são os delegados da missão gentílica (Paulo e Barnabé), os cristãos fariseus (os que exigem circuncisão: 15:5) e alguns mediadores tais como Pedro e Tiago (cf. 15:7-21)[1]. [PF, abrir a Bíblia e, antes de avançar, ler ponto por ponto]

1.    PROBLEMA – Act 15:1-2
2.    DISCUSSÃO – Act 15:4-6
3.    PEDRO – Act 15:7-12
4.    TIAGO – Act 15:13-21
5.    ACORDO & CARTA (documento) – Act 15:22-28
6.    IMPLEMENTAÇÃO & ROTURA – Act 15:30-41

Este acordo fixa o estilo de autoridade cristã. Assim o recordamos como a base que define a estrutura e a acção do evangelho, já que nele surgem os ministérios fundantes (‘apóstolos e anciãos’), os líderes das comunidades (Pedro, Tiago, Paulo-Barnabé) e o conjunto da igreja que escuta, argumenta e decide.[2]

Através da declaração final (“pareceu ao Espírito Santo e a nós”), sabemos que Deus (Espírito Santo) se exprime através do diálogo e da decisão colectiva dos crentes (‘nós’). A igreja é uma assembleia teologal: os irmãos juntam-se e dialogam acerca dos seus problemas à luz da mensagem de Jesus, de modo que são capazes de dizer, e dizem-no mesmo, que o Espírito Santo os assiste. A igreja é uma assembleia participativa: Deus fala através do diálogo fraterno.

Numa igreja, com problemas, estabelecida, eis o modelo cristão de governar. A igreja não poderá resolver os problemas de modo mágico nem apelando a uma instância exterior (oráculo de Deus, revelação privada ou decisão particular de um dignitário). Os irmãos têm que reunir-se e dialogar: só quando partilham a palavra segundo o evangelho (missão) e para o bem de todos é que o Espírito se revela. Lucas explanou este acordo de Jerusalém como exemplo de autoridade, expressando para sempre o sentido da comunhão eclesial.

Este é o primeiro e quiçá o mais importante de todos os «concílios», pois não define nenhum dogma especial, mas estabelece a base e a comunhão dialogal da igreja. Após o concílio de Niceia (325 EC), as decisões passaram a ser tomadas apenas pelos bispos, facto de certo modo lógico se tivermos em conta as mudanças na estrutura eclesial. Mas, antes era diferente: não se reuniam os bispos, mas sim os apóstolos e os presbíteros (mescla paradoxal) com os delegados das comunidades (Antioquia) e o conjunto da igreja (multidão de Jerusalém).[3]

A decisão conciliar, que vincula o Espírito Santo ao nós eclesial, constitui o princípio e o sentido de todos os ministérios.

Naquele tempo existia uma tendência aristocrática exemplarmente expressa nos círculos sacerdotais, essénios e rabínicos: a autoridade dos sacerdotes estava vinculada à sua família e à sua função sacral; a dos essénios, a uma hierarquia meticulosa baseada em critérios de níveis sociais e graus de pureza; os escribas apelavam à Lei e à sua competência intelectual. Por oposição a isso, o movimento de Jesus exprimiu-se na participação comunitária e no serviço aos excluídos.

Seguramente que a igreja de Jerusalém correu o risco de se estruturar segundo um esquema hierárquico seguindo uma ordenação por categorias e cargos a partir dos Doze, dos irmãos de Jesus ou dos anciãos, tal como já dissemos atrás. Mas, quando se tratava de se encontrarem para tomar decisões, todos os irmãos participavam. É claro que Pedro (a primeira história) e Tiago (com os novos presbíteros) e os delegados de Antioquia tinham peso. Mas, a partir do coração desse diálogo emerge a autoridade da Igreja, em que o nós do conjunto da comunidade surge como presença do Espírito Santo.[4]


Xabier Pikaza
“Igreja messiânica – instituições do Novo Testamento”
in Sistema, libertad, iglesia, Ed. Trotta 2001, pp. 237-240, ISBN 84-8164-454-4.





[1] A presença de Pedro, que havia deixado Jerusalém por volta do ano 43 (cf. Act 12:17), está atestada por Gálatas 2:1-10. Mas Paulo e Actos 15 supõem que Pedro já não pertence a esta comunidade (presidida por Tiago), mas actua como missionário. Pedro e Paulo vêm ao «concílio» como missionários de duas tendências distintas para receber a aprovação de Jerusalém. A decisão de admitir gentios na comunhão messiânica, sem exigir que se circuncidem, foi a igreja judaica que a tomou, colocando-se assim numa situação delicada face ao resto do povo: um sumo-sacerdote matará Tiago (62 EC; cf. Flávio Josefo, Ant 20, 200) e os cristãos serão expulsos das sinagogas.
[2] Cf. Meier, Antioch, in Brown, Rome, 28-44; Goguel, Naissance, 320-350; R. Bauckham, «James…», 450-475; F. Mussner, Petrus und Paulus, Freiburg, 36-39.
[3] Esse exemplo irá influenciar os concílios do futuro. Em vez de bispos (ao seu lado) poderão participar delegados eclesiais e missionários (=apóstolos) das comunidades. A estrutura actual da igreja não se sintoniza com a sua experiência original A razão conciliar (pareceu ao Espírito Santo e a nós) foi pouco desenvolvida e pouco praticada na igreja posterior em que o Espírito Santo surge vinculado a dons carismáticos privados e a funções administrativas da hierarquia (episcopal, presbiteral) e não à experiência e ao trabalho do diálogo comunitário. Temos que recuperar o nós colegiados dos diferentes estratos da igreja. Outros autores do Novo Testamento vão na mesma linha. 1) Mt 18:18-20 reassume a fórmula da Act 15:28 ao afirmar que a oração e o acordo dos crentes constitui a autoridade máxima da igreja. 2) 1Cor 13 reuniu os carismas e os ministérios eclesiais no amor mútuo. 3) Jo 21 situa nessa linha o testemunho do Discípulo amado. O diálogo comunitário não é uma ajuda moral, mas fonte e sentido da autoridade cristã. É por isso que, na igreja, não pode haver hierarquia como poder particular, pois a autoridade pertence à comunidade reunida no amor enquanto em processo de busca da resposta (da verdade) através do diálogo.
[4] A Igreja vai criar estruturas que muito cedo se diferenciam (as de Tiago em Jerusalém, as de Pedro e os apóstolos, as de Paulo-Barnabé…). Mas todas vinculam o Nós à revelação do Espírito Santo. Este é o princípio pneumatológico e ministerial da igreja.