teologia para leigos

8 de abril de 2012

PADRE MÁRIO DA LIXA, 1969...

em 1969…

«ENCONTRO»_Paróquia de Macieira da Lixa, em 1969... [Igreja do Porto]

Apresentação


Em Outubro de 1969, passei a fazer parte do Povo que vive em Macieira da Lixa.

Não quis ser paternalista, mas tão-somente um companheiro, um irmão, sempre ao serviço das aspirações desse Povo. Fui-o descobrindo como ele era e fui-me empenhando no sentido da sua libertação de todas as formas tradicionais de opressão, até da opressão «sagrada».

Dei conta de que Jesus Cristo era, ali, o grande desconhecido, apesar de quase todos estarem habituados a ir à Missa ao domingo. A religião vinha sendo pura alienação, pois Deus e os santos funcionavam, na vida do Povo, como substitutos do esforço a fazer para todos se libertarem e salvarem. E era também autêntico ópio, pois levava o Povo a permanecer resignado na própria miséria, com  a vaga esperança de alcançar o céu, que viria depois da morte.

A própria luta pela Justiça, mais o esforço por chegar à liberdade dos filhos de Deus – que é serviço fraterno a todos – eram vistos como um mal, porque era agir contra a «ordem estabelecida» nesta Terra que se pensava querida por Deus!

Comecei por anunciar Jesus Cristo ao Povo e ele entrou na fase do escândalo. Deus, afinal, não era como se pensava. Não nos entretinha, mas era exigência viva. E não faltava quem ficasse assustado, ao ter de concluir que, a ser assim, andava muita gente religiosamente enganada. Era uma dolorosa, mas formidável, conclusão. A partir dela é que nos abriríamos a uma radical transformação, aquela que o Evangelho chama de «conversão».

Os encontros, com grupos de gente a evangelizar, foram-se multiplicando nos lugares da aldeia, pelas noites adiante. Eram encontros vivos, participados, autênticos momentos de luz que curavam muitos «cegos». E a alegria e a paz sucediam-se ao escândalo inicial.

Surgiram, depois, encontros gerais na Igreja paroquial, abertos a toda a gente. Ali cantávamos e ouvíamos o Evangelho aplicado à vida. Aí íamos aprendendo a ser religioso, hoje.

Foram desses encontros, mais a vontade de levar a todos, antecipadamente, o que pensávamos reflectir em grupos, ou de apresentar conclusões a que íamos chegando, que nasceu a ideia, logo realizada, de policopiar uma espécie de Boletim Paroquial com o título de ENCONTRO.

O bom acolhimento por parte do Povo da Paróquia e mesmo de outros que, através dele, iam tomando conhecimento do seu conteúdo, foi estímulo a prosseguir na mesma orientação. Nunca a religião fora tão assunto de conversa, como então, sempre que duas ou três pessoas se encontravam.

Desde Janeiro de 1970 até Junho, saíram cinco exemplares, cada qual com o seu tom especial. Nessa altura, foi suspensa a sua publicação, em virtude de participação oficial, emanada dos Serviços de Censura.

Por ocasião do meu Julgamento em Tribunal Plenário, os cinco exemplares faziam parte, quer da acusação, quer da defesa. Foram, assim, tornados totalmente públicos, eles, que no início, não pretendiam senão ficar no âmbito paroquial e no de alguns amigos que os solicitavam com invulgar interesse.

Aparecem, agora, em volume, à consideração de toda a gente, porventura preocupada ainda em descobrir um sentido para a vida.

Depois dessa experiência, penso que as tradicionais estruturas religiosas que oprimiram os Homens, durante séculos, têm os dias contados. Não interessa lutar para as manter. É mais inteligente descobrir e viver a religião sempre antiga e sempre nova que é a de Jesus Cristo. Vivendo-a, as necessárias estruturas, também novas, aparecerão simultaneamente. A «vinho» novo deve corresponder «odres» novos. Não basta mudar os «odres», como, por vezes, parece que tanto se faz por essas aldeias fora.

Quando, como servidores do Evangelho, não soubermos, entre o Povo, outra coisa que Jesus Cristo, veremos como esse Povo começará a movimentar-se e a ensaiar o êxodo da opressão para o serviço mútuo, do individualismo para a comunhão fraterna, da exploração para a partilha.

Então, o Povo poderá continuar a proclamar que Jesus Cristo é o Salvador que veio ao mundo e que, para além dEle, não há outro nome no qual os Homens possam ser salvos (Act 4,12).

Mário de Oliveira, pároco de Macieira da Lixa [1969]

 
[excertos de «ENCONTRO – alguns aspectos da religião tradicional discutidos pelo povo de Macieira da Lixa», edição de Mário Pais de Oliveira, presbítero da Igreja do Porto, edição Afrontamento, Porto, s/ data; respeitou-se em tudo a grafia do texto original]