teologia para leigos

9 de abril de 2012

SOCIEDADE DE BEM-ESTAR E FÉ

IDENTIFICADO COM AS VÍTIMAS



Nem o poder de Roma nem as autoridades do Templo puderam suportar a novidade que foi Jesus. A Sua forma de entender e de viver Deus era perigosa. Não defendia o império de Tibério, chamava todos a procurar o Reino de Deus e a sua Justiça. Pouco lhe importava faltar à Lei do Sábado ou às tradições religiosas – preocupava-se, apenas, em aliviar o sofrimento das pessoas doentes e desnutridas da Galileia.

Não lho perdoaram. Identificava-se demasiado com as vítimas inocentes do império e com os esquecidos pela religião do templo. Executado sem piedade numa cruz, n’Ele se nos revela agora Deus, identificado para sempre com todas as vítimas inocentes da história. Ao grito de todos eles une-se agora o grito de dor do mesmo Deus.

Nesse rosto desfigurado do Crucificado revela-se-nos um Deus surpreendente, que rompe as nossas imagens convencionais de Deus e coloca em questão toda a prática religiosa que pretenda dar culto a Deus esquecendo o drama de um mundo onde se continua a crucificar os mais débeis e indefesos.

Se Deus morreu identificado com as vítimas, a Sua crucificação converte-se num desafio inquietante para os seguidores de Jesus. Não podemos separar Deus do sofrimento dos inocentes. Não podemos adorar o Crucificado e viver de costas ao sofrimento de tantos seres humanos destruídos pela fome, pelas guerras ou pela miséria.

Deus continua a interpelar-nos a partir dos crucificados dos nossos dias. Não nos é permitido continuar a viver como espectadores desse sofrimento imenso alimentando uma ingénua ilusão de inocência.

Temos de nos rebelar contra essa cultura de esquecimento, que nos permite isolar-nos dos crucificados deslocando o sofrimento injusto que há no mundo para longe onde desaparece todo clamor, gemido ou choro.

Não nos podemos fechar na nossa “sociedade de bem-estar”, ignorando essa outra “sociedade de mal-estar” em que milhões de seres humanos nascem apenas para se extinguir ao fim de poucos anos de uma vida que só foi de morte. Não é humano nem cristão instalar-nos na segurança esquecendo quem só conhece uma vida insegura e ameaçada.

Quando nós, os cristãos, levantamos os nossos olhos até ao rosto do Crucificado contemplamos o amor insondável de Deus entregue até à morte para nossa salvação. Se o olhamos mais demoradamente, logo descobrimos nesse rosto o de tantos outros crucificados que, longe ou perto de nós, reclamam o nosso amor solidário e compassivo.

 J A Pagola

Eclesalia, 28 Março 2012
Tradução: Antonio Manuel Álvarez Pérez