teologia para leigos

8 de abril de 2012

«VISITA PASCAL» - ANACRONISMO E DECADÊNCIA

Visita Pascal ou «Compasso»





Vem já de há muitos anos o costume de se fazer a «visita pascal» às casas, em dia de Páscoa.
Queria reflectir com a Paróquia também sobre esse acontecimento e, por isso, aqui deixo alguns pontos que poderão ajudar à reflexão.


O que é o «Compasso»

Sai, de manhã cedo, um grupo de Homens entre os quais o padre da Paróquia. Este grupo pretende levar a todas as casas a Boa Nova da Ressurreição de Jesus Cristo.






E como o faz?

Um deles leva uma Cruz onde está um Cristo morto e bem crucificado!...

Todos resolveram enfiar «opas vermelhas» para terem assim um ar de mais importância e melhor serem vistos. O próprio padre lá costuma ir também de batina preta, sobrepeliz branca e estola ao pescoço, com ar bastante abonecado. Se todos aparecessem assim nas casas durante os outros dias, seriam olhados de soslaio. Mas, naquele dia, há uma abundância de boa vontade que leva a achar-se tudo bem!...

Às vezes, não é um padre, mas um jovem de 17 ou 18 anos que estuda no seminário e a quem vestiram aquelas roupas e depois todos lhe chamam «senhor abade»!…

No grupo, há outro, também com «opa vermelha», a que, todos gostam de chamar «Judas». Vai encarregado de recolher o «folar» para o «senhor abade». E, por vezes, é exigente com aquele «negócio», pois não se satisfaz com qualquer coisa.

Há párocos que com este serviço», mais ou menos folclórico, conseguem juntar dezenas de contos!... Será honesto e justo? Alguma vez se viu que, por anunciar a Boa Nova da Ressurreição de Jesus, se viessem a juntar contos de réis no final do dia?! Todos sabemos, entretanto, que, quando Jesus enviou os seus discípulos levar a Boa Nova do Reinado de Deus ao Povo, ordenou que não levassem «bolsa», nem «alforge» (conferir S. Lucas 10,1-12). Hoje, vai-se de «saco», ou de «pasta»!...



E O QUE SE PASSA DENTRO DAS CASAS que recebem o «compasso»?


Fala-se do tempo: se faz frio ou calor, se chove ou se está bom tempo. Insiste-se com os componentes do grupo para que comam e bebam. Alguns, no final do dia, já aparecem bem «vermelhos», como as «opas» e cambaleantes, como é habitual ver os embriagados – o que provoca gáudio e riso alegre nos outros!...

Ninguém fala de Jesus Cristo, muito menos da sua Ressurreição!
Mas como falar dela se, em geral, ela não existe hoje? Quais os filhos de Deus que, hoje, nós fazemos ressuscitar da opressão e do subdesenvolvimento?!...

Não temos Boa Nova viva a anunciar e a comentar, porque a de há dois mil anos já está envelhecida e gasta e não é capaz de entusiasmar hoje, se não for actualizada em todos os que ainda estão «mortos» e «sepultados» por uma sociedade capitalista e opressora que, assim, os «matou»!

O próprio padre aparece, infantilmente, alegre, às vezes, outras vezes, brinca com as crianças, para não enfrentar os adultos. E, se quiser algo mais do que isso, não tem ouvintes, porque estão todos, geralmente, bem alienados e não querem pensar em coisas sérias, como é trabalhar na libertação de filhos de Deus, oprimidos em tantos sub-homens!

Isto é o «compasso»!... E para fazer esta representação, valerá a pena sair de manhã e andar a correr de casa em casa, como um «cobrador» de mensalidades?!

Entretanto, tenho ouvido alguns dizer, quando pus a hipótese de não haver «compasso»: «isso é acabar com a religião. Se não houver, então também não vale a pena ir à Missa»! – ESTÁ CERTO PENSAR ASSIM?!





Como deverá ser a visita pascal?

«Ide dizer aos discípulos: Ele (Jesus) ressuscitou dos mortos e vai preceder-vos na Galileia; lá O vereis» (Mateus 28,7). Poderíamos ver nestas palavras dos Anjos às Mulheres, na manhã de Páscoa, a origem do «Compasso». E também vemos como foi: Era um grupo de Mulheres. Não levavam Cruz com um Crucificado. Não ia o padre naquele grupo. Não vestiram roupa especial. Foram sòmente aos outros discípulos. E – veja-se bem! – foram só depois de verificar que se dera a Ressurreição. Tinham, de facto, uma Boa Nova a comunicar e comentar.

O nosso «compasso» está longe de ser assim! Não levamos boa nova nenhuma, porque não trabalhamos na libertação de ninguém. Por isso vamos comer e beber, levantar dinheiro e falar do tempo!... NÃO SERÁ ISTO UMA EXPLORAÇÃO DO POVO EM NOME DA RELIGIÃO?


Pergunto mais:

Estaremos já a viver e a trabalhar de maneira a podermos, com verdade, dar a Boa Nova da Ressurreição de Jesus Cristo? Quem acreditará nela, se não vir primeiro que há «mortos», hoje, que «ressuscitam»? Creio que só vendo outros «mortos», hoje, a ressuscitar é que poderemos falar do primeiro entre todos que ressuscitou e provoca a ressurreição deles.

Por isso, se quisermos viver a Verdade, em vez de andarmos a fingir, ou a viver alienados, não teremos de começar, já este ano, a não sair com o «compasso», ou a encará-lo de outro modo?!


Que dizemos a tudo isto?

Penso que só aqueles que estiverem empenhados na libertação e salvação de outros poderão dar-se, mutuamente, a Boas Nova da Ressurreição de Jesus Cristo, porque é Ele que continua a ressuscitar neles. E, então, todos esses – são todos os que amam e por isso se fazem irmãos de todos – poderão reunir-se em pequenos grupos, em casa uns dos outros, partilhando com simplicidade e alegria uma refeição, com a presença daquele ou daqueles que eles ajudaram a ressuscitar!

Foi, assim, que Jesus celebrou a Ressurreição de Lázaro, partilhando uma ceia com ele e suas irmãs (conferir João 12,1-11). E foi também assim que de certa maneira celebrou a Sua própria Ressurreição com os seus Amigos (conf. João 21,1-9).

E não é verdade que a MISSA celebra a MORTE e RESSURREIÇÃO de JESUS CRISTO?

Vamos reflectir. Em família. Entre famílias. Por toda a parte. Procuremos contacto com a CASA PAROQUIAL. Ajudemo-nos uns aos outros a caminhar para a VERDADE.


[excertos de «ENCONTRO – alguns aspectos da religião tradicional discutidos pelo povo de Macieira da Lixa», edição de Mário Pais de Oliveira, presbítero da Igreja do Porto, edição Afrontamento, Porto, s/ data; respeitou-se em tudo a grafia do texto original]