teologia para leigos

11 de janeiro de 2011

WIKILEAKS - Julian Assange


«Goste-se ou não, o Ocidente não pode querer fazer ao Wikileaks o que a China tentou fazer ao Google»


SEGREDOS EM LIBERDADE


Que interesse tem saber-se que a Embaixada do EUA em Madrid pensa que Miguel Ángel Moratinos, ministro dos Negócios Estrangeiros de Zapatero, «tem tendência para gritar com os embaixadores estrangeiros»? Que importância tem saber-se qual o comportamento do Governo de Lisboa na questão dos voos da CIA? A relevância das informações tem comparação?
Quando visitamos o Wikileaks, lemos o quê? E que páginas deste sítio visitamos? A que despachos de embaixadas damos atenção? São todos dignos de atenção? Quando um governo classifica um documento como confidencial, pode alguém revelá-lo? Finalmente ainda é possível haver segredos?
Todas estas perguntas estão a ter as mais diversas respostas. Há quem diga que vale tudo e há quem sustente que Julian Assange, fundador do Wikileaks, deveria estar a contas com a Justiça por outras razões que não acusações de ordem sexual. Estranho seria se, uma vez mais, a virtude não estivesse a meio caminho.
Impor a censura à Internet é um precedente inaceitável. Desde logo, porque a censura o é. Depois, porque não há instituição estimável que possa definir, a priori, o que pode, ou não, ser divulgado. Os critérios sobre o que é ilegal tornar público têm de estar claramente definidos, devem constar de leis que os tribunais aplicam depois de os ilícitos terem sido cometidos. Ninguém prende um violador ou um assassino antes de o ser.
A liberdade é, também ela, um valor inquestionável. Mas traz responsabilidade.
O que o mundo moderno cada vez mais nos ensina é que não é possível viver com segredos. Tudo o que é feito à porta fechada tem de ser realizado no pressuposto de que, um dia, alguém vai abrir a janela e entrar.
A responsabilidade de guardar segredos é, em primeira linha, de quem os cria. Se há quem sinta necessidade de proteger a informação, também há quem saiba que a transparência é fundamental para a vida em democracia. Para convivermos bem com a nossa sociedade, é importante sabermos como atuou o Governo na questão dos voos da CIA. Mas para que a denúncia de eventuais irregularidades seja relevante, é fundamental conhecer a credibilidade de quem manipula, confunde, injuria.
Há cada vez mais meios de obter informação e cada vez mais facilidade em a divulgar de imediato e à escala mundial. O que é bom quando serve os nossos interesses e terrível quando nos desagrada. Há muito que sítios electrónicos e páginas avulsas divulgam informação impertinente ou criminosa, mas nunca ninguém tinha incomodado o poder como a Wikileaks.
Quem tem acesso à informação que circula na Internet tem de saber que muito do que lá está não foi sujeito a qualquer filtro. Pode ter sido lá posto por um irresponsável. Pode não ter respeitado qualquer código de honra.
Tudo isto deveria tornar os órgãos de comunicação tradicionais mais criteriosos na selecção do que vão buscar à Internet. O que nem sempre tem acontecido. Não é por ter sido o «El País», inegavelmente um jornal de referência, a dar destaque às opiniões da embaixada dos EUA em Madrid sobre membros do Governo Zapatero que passa a ser relevante saber que um funcionário diplomático (pode nem ser o embaixador, pode haver outros que pensam o contrário) considera Carme Chacón, ministra da Defesa, «imatura» e demasiada agarrada a «pequenos detalhes».
Mas é bom não tomar o todo pela parte. Quando se vive em democracia é importante aprofundar muito do que consta do Wikileaks. Ou será que não queremos saber (à escala nacional e a título de exemplo) se houve ou não corrupção em Cahora Bassa, qual a ética dos nossos bancos e tudo quanto se passou com os voos da CIA. Não é por acaso que cinco dos principais jornais e revistas do mundo («El País», «The Guardian», «Der Spiegel», «Le Monde», «NYT») trabalham a informação em conjunto com o sítio. Goste-se ou não, o Ocidente não pode querer fazer ao Wikileaks o que a China tentou com o Google.

João Garcia, diretor do Courrier international
Courrier international, em português, Editorial, edição Nº 179, Janeiro de 2011, p 7.