«Dai-lhes vós mesmos de comer» [Mateus 14:13]
A PALAVRA DESVINCULA DA SERVIDÃO;
TUDO QUE SE LIBERTE, SOBRA E DERRAMA-SE…
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A MURALHA EUROPEIA
Uma imensa marcha de africanos, latino-americanos e gentes de Leste aproxima-se há anos da Europa, empurrados pela fome e pela miséria. Em 1989 foram catorze milhões. Hoje são muitos mais.
A Europa, no entanto, não está preparada para responder, de forma solidária, a este desafio do nosso tempo. Esta sociedade europeia, que alicerçou a sua prosperidade em séculos de exploração colonial, vive demasiado cómoda e confortável para acolher, sem medo, estes homens e mulheres que procuram sobreviver entre nós. De imediato renasceram os sentimentos racistas e de rejeição dos estrangeiros. A partir dos meios de comunicação social, alimenta-se uma opinião pública que, com frequência, apresenta os emigrantes como delinquentes, perigosos, usurpadores dum trabalho relativamente escasso. Mas, sobretudo, vai-se construindo, pouco a pouco, uma grande muralha que nos defenda do perigo. Tomam-se medidas firmes de controlo sobre o movimento dos estrangeiros. Implementa-se a política de repatriações e expulsões. Favorece-se a negação sistemática de legalizar a situação a emigrantes e refugiados. Esta insolidariedade é apresentada aos cidadãos como defesa dum «umbral de tolerância» que é necessário salvaguardar, para que não se rompa o nosso equilíbrio socioeconómico.
O relato evangélico dos pães é exemplar.
Os discípulos, julgando que não há pão suficiente para todos, pensam que o problema da fome se resolverá fazendo que a multidão «compre» alimentos. A este «comprar», regido pelas leis económicas, Jesus opõe o «dar» generoso e gratuito: «Dai-lhes vós mesmos de comer».
De imediato, recolhe todas as provisões que há no grupo e pronuncia as palavras de acção de graças. Desta maneira, o pão desvincula-se dos seus possuidores para se considerar dom de Deus e para o repartir generosamente por todos os que tinham fome. Este é o ensinamento profundo do relato. «Quando se liberta a criação do egoísmo humano, sobra para cobrir a necessidade de todos».
A Europa tem necessidade de recordar que a terra é de todos os homens e que não se pode negar o pão a nenhum pobre faminto. Há suficiente pão para todos se soubermos partilhá-lo de maneira solidária. Longe de despertar racismos e xenofobias, deve educar-se, na solidariedade, a opinião pública e devem promover-se, sobretudo, programas de ajuda e cooperação que vão libertando os países da fome e da sua prostração económica.
J A PAGOLA