às voltas ainda com a Wikileaks
O segredo e as fugas
por Serge Halimi
Em Outubro de 1962, o mundo esteve perto de uma guerra nuclear. O presidente John Kennedy, pouco antes das eleições de meio de mandado, ia repetindo que não seria aceite nem iria ocorrer qualquer implantação de mísseis ofensivos soviéticos em Cuba. Moscovo ignorou a situação, mas não podia saber se as declarações norte-americanas se destinavam a apaziguar o eleitorado ou constituíam um verdadeiro ultimato. Várias mensagens − secretas − iriam esclarecer as intenções dos protagonistas e permitir-lhes resolver a crise. Os americanos sugeriram que iriam sem dúvida aceitar, mas mais tarde e discretamente, uma das contrapartidas reclamadas por Moscovo: a retirada de mísseis da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que estavam colocados na Turquia. Do lado soviético, uma carta confidencial de Nikita Kruchtchev informou Kennedy de que o compromisso americano de não mais invadir Cuba lhe permitiria ordenar a retirada dos mísseis da ilha sem perder a face [1] .
Será que as revelações da WikiLeaks perturbam a diplomacia que, tal como em 1962, evita as guerras ou antes a que as prepara? É que nem todas as fugas são avaliadas com a mesma severidade. Quando o plano «Potkova» sérvio foi inventado por militares alemães para justificar a guerra do Kosovo, quando o The New York Times propagou as mentiras do Pentágono sobre as armas de destruição em massa no Iraque, a Casa Branca não exigiu quaisquer sanções particulares…
Alguns entendem que a revelação desta ou daquela visita à embaixada dos Estados Unidos terá posto em perigo a vida de alguns dos visitantes. Contudo, se o perigo da divulgação era real (ainda não foi identificada qualquer vítima deste tipo), como explicar que o segredo estivesse tão mal guardado (ler o artigo de Felix Stalder, neste mesmo Jornal)? Os riscos seriam, então, políticos? O dirigente do Partido socialista francês que, em 2006, confidenciou a uma emissária de George W. Bush que a oposição de Paris à guerra do Iraque tinha sido «demasiado aberta» (François Hollande) ou o que insinuou que as relações entre os dois países «sempre foram melhores quando a esquerda estava no poder» (Pierre Moscovici) teriam certamente preferido que estas conversas apenas fossem divulgadas daqui a algumas dezenas de anos.
Um embaixador não é, contudo, um mensageiro comum. Para fazer valer a sua eficácia, pode exagerar a adesão às posições do seu país das personalidades com que contacta. Ora, as palavras atribuídas aos interlocutores dos diplomatas americanos não foram autentificadas junto dos que as teriam proferido. Para serem publicadas, aparentemente bastou que parecessem evidenciar a verdade, isto é, que correspondessem… ao que já se suspeitava.
Quanto ao facto de a segurança da América poder estar em causa, Robert Gates, que chefia o Pentágono, mostra-se sereno: «Os governos que se relacionam com os Estados Unidos fazem-no porque é do seu interesse. Não é por gostarem de nós, não é por confiarem em nós, nem por acreditarem que sabemos guardar um segredo» [2].
Quinta-feira 6 de Janeiro de 2011
Notas
[1] Ver Graham T. Allison, Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis, Little Brown, Boston , 1971.
[2] Durante uma conferência de imprensa no Pentágono, quarta-feira, 30 de Novembro de 2010
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