«Dai-lhes vós mesmos de comer» [Mateus 14:13]
UM PAÍS COSTURA-SE À MESA
5/5
Como abençoar a mesa
Quase sem nos darmos conta e empurrados por diversos factores, fomos desumanizando, pouco a pouco, esse gesto tão íntimo e humano que é sentarmo-nos à mesa para comer juntos.
A comida tornou-se, para muitos, em algo puramente funcional que é necessário realizar de maneira rápida e precisa, dentro duma jornada laboral. Cada vez é mais raro esse momento privilegiado de encontro familiar à volta da mesa. Em muitos lares, essa mesa, feita para ser rodeada por pais e filhos, já não serve para que eles se encontrem, partilhem as suas vidas e descansem juntos.
Outros vão-se habituando a «alimentar o seu organismo» nessas refeições impessoais dos restaurantes ou no recanto do self-service de turno. Alguns vêm-se obrigados a participar em banquetes protocolares ou de trabalho, onde o gesto amistoso de comer juntos é substituído pelo interesse, pelo protagonismo ou ostentação.
O gesto de Jesus convidando as pessoas a recostarem-se e a partilhar uma refeição simples, bendizendo a Deus pelo pão que receberam, pode ser um chamamento para nós. Como expõe, com certa graça, Xabier Barsuco no seu estudo Compartir el pan, comer é muito mais que «introduzir uma determinada ração de calorias no organismo».
A necessidade de nos alimentarmos é, antes de mais nada, sinal da nossa indigência radical.
Obscuramente, vamos percebendo que não nos bastamos a nós mesmos. Na realidade, vivemos recebendo, alimentando-nos de uma vida que, através da terra, se nos oferece em cada dia a cada um.
Por isso é um gesto profundamente humano recolher-se antes de comer para agradecer a Deus esses alimentos, partilhando a sua mesa com familiares e amigos.
Comer juntos é confraternizar, dialogar, crescer em amizade, partilhar a dádiva da vida. Por isso, é tão difícil dar graças a Deus quando uma pessoa tem mais alimento do que é necessário, enquanto outros sofrem miséria e fome.
Sentimo-nos acusados por aquelas palavras de Gandhi: «Tudo o que comes sem necessidade estás a roubá-lo ao estômago dos pobres». Talvez nos países do bem-estar, devamos aprender a abençoar a mesa doutra maneira: dando graças a Deus, mas, ao memso tempo, pedindo perdão pela nossa insolidariedade e tomando consciência da nossa responsabilidade perante os famintos da Terra.»
J A Pagola
[a mesa é a tábua de «passar a ferro» de tudo...] [um país que não convida está deprimido...] [sem pão não pode haver gente à 'mesa das palavras', nem LIBERTAÇÃO]