teologia para leigos

29 de dezembro de 2012

NATAL_7 - O DEUS CRISTÃO

O Deus cristão

um Deus da pobreza ou um Deus-com-os-Pobres [Emanu-El]?



Para nós, o problema de Deus não é tanto o ateísmo, mas a idolatria.[1]

A questão que mais fundamente nos é colocada não é tanto se somos crentes ou ateus, mas de que Deus somos crentes e de que Deus somos ateus.

O nosso problema não é se existe ou não existe Deus, mas qual é o verdadeiro Deus. O nosso problema é discernir entre o Deus verdadeiro e a multidão de ídolos. […]

O nome de Jesus é pronunciado entre opressores e oprimidos e com sentidos inteiramente contraditórios.[2] É evidente que os ídolos do Poder e do Dinheiro estão activos e cobram muitas vítimas, ainda que disfarçados sob roupagens cristãs.[3]

É neste contexto de luta entre deuses que o Espírito nos outorga um instintivo sentido espiritual de reivindicação do autêntico Deus cristão, uma busca apaixonada pelo «Deus de Jesus», um constante desejo de discernimento acerca da qualidade cristã do nosso Deus e um esforço por desmascarar os ídolos.

Ao longo deste discernimento do Deus verdadeiro face aos ídolos, a nossa espiritualidade deixa-se guiar pelo mesmo critério que nos orienta, seja lá onde for: Jesus de Nazaré! Queremos buscar o Deus «cristão», isto é, o Deus de Cristo, aquele que Jesus revelou. Trata-se dum regresso ao Jesus histórico. Ao redescobrir Jesus na Igreja (…) damo-nos conta que entram em crise não poucos aspectos referentes à imagem de Deus, que já não correspondem ao Deus de Jesus. Ficamos diante duma crise radical, na medida em que afecta a raiz mais fundamental. Crise purificadora, sobretudo se for capaz de superar a resistência à conversão ao Deus de Jesus.

Presumimos que, indiferentemente da ideia que tenhamos já de Deus no fundo das nossas mentes, podemos partir à descoberta de Jesus e, depois, pela Fé, comprovar que já conhecíamos esse Deus em Jesus (inspirados, quiçá, por Aristóteles, por tradições religiosas culturais ou através do nosso simples senso comum). Foi assim que muitas vezes funcionou a nossa afirmação da divindade de Jesus: ao afirmar que Jesus é Deus não mudámos a nossa ideia prévia de Deus, apenas corrigimos a compreensão que tínhamos de Jesus em função da nossa ideia prévia de Deus. Não nos deixámos evangelizar por Jesus, apenas ajustámos a evangelização de Jesus aos nossos esquemas mentais prévios, que, no entanto, eram alheios a Jesus.

Assim, muitos cristãos, que se auto-proclamam como tal, adoram outros deuses, outros ídolos, confundindo-os com o Deus cristão.

Mas não deve ser assim. O Deus cristão não tem a ver com a ideia que previamente temos de Deus antes de conhecer Jesus. «A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito (…) foi Ele quem o deu a conhecer.» [Jo 1:18] Para conhecer o verdadeiro Deus «cristão» há que renunciar às nossas ideias prévias acerca de Deus e aprender que, quem e como é Deus a partir de Jesus.

«O Novo Testamento diz-nos muito menos que Jesus é Deus e muito mais que Deus é Jesus». [clicar aqui JAMES D G DUNN]

Sejamos muito claros: tudo o que possamos vir a saber de Deus terá que ser aprendido em Jesus. Não podemos manipular a revelação que Deus nos faz em Jesus corrigindo-a – consciente ou inconscientemente – a partir do que já pensávamos ou cuidávamos saber previamente de Deus, mas, pelo contrário, devemos corrigir a nossa ideia de Deus em função daquilo que Jesus nos revela acerca de Deus.

Crer em Jesus é crer no Seu Deus-Pai, no Deus bíblico.

A pergunta pelo Deus cristão é a pergunta mais radical que se pode fazer à própria Igreja.
Trata-se de saber se o Deus que adoramos é realmente o de Jesus ou um ídolo mascarado. E esta pergunta abarca também a análise acerca da função que a fé cristã desempenha na sociedade e na história. Porque, podendo parecer um Deus cristão quando nos atemos às referências bíblicas e ao universo pessoal, pode, sem dúvida, acontecer que Ele está ao serviço (legitimando práticas e estruturas) inteiramente contrárias ao plano de Deus, ao Reino pregado por Jesus. Portanto, a pergunta vai para lá das boas intenções do indivíduo, da comunidade ou da Igreja (esta como instituição).[4]

Como é este Deus que se revelou a nós em Jesus? Como é o Deus cristão em quem acreditamos? A «espiritualidade da libertação» [VIGIL, JM et al] dá conta de modo claro e testemunhalmente apaixonado do seu Deus em todos e cada um dos seus capítulos. Por ora, queremos apenas reunir sinteticamente umas quantas pinceladas mais importantes.



.Cremos no Deus de Jesus, Aquele que ele [Jesus] nos revela na sua carne, nas suas obras e também na sua palavra e na sua história viva.

.Cremos no Deus do Reino, o Deus de Jesus, que nos revelou o seu projecto sobre a história e nos encomendou a tarefa de o acolher e o construir: o Reino!

.Cremos no Deus encarnado (universal, porém concreto) na Kenosis, que se fez carne, cultura, sexo, dialecto, regionalismo…

.Cremos no Deus da História, que se manifesta na história, se faz história e faz caminho com a história [dos homens] e nos devolve a história como responsabilidade nossa.

.Cremos no Deus da Vida, que cria a vida e se gloria da vida[5], que quer que todos os homens se salvem, que tenham a vida e a tenham em abundância (Jo 10:10).

.Cremos no Deus dos pobres, que com poder se manifesta libertando o povo, levantando do pó os humildes e destronando os poderosos.

.Cremos no Deus de todos os nomes, que actua e está presente em todos os povos e religiões, que escuta a todos os que o invocam com sinceridade, mesmo que sob outros nomes, que não exige a ninguém que abandone a sua cultura específica para sentir-se reconhecido por Ele.

.Cremos no Deus Pai e Mãe, que criou o homem e a mulher, iguais em dignidade, complementares quanto à realização de cada um.

.Cremos no Deus Trindade, comunhão original, comunidade finalizante.

.Cremos num Deus que luta contra os ídolos, que se enfrenta com os principados e potestades deste século, um Deus contra os deuses da morte.


in Servícios Koinonía




JESUS E DEUS

por Juan Antonio Estrada, sj

«Por isso, é necessário rever as cristologias, distinguir entre os elementos culturais e contextuais das suas afirmações e o núcleo destas, e vê-las como derivações e actualizações da vida, da morte e da ressurreição de Cristo, em vez de se centrar nestas duas últimas, como tem acontecido.

É preciso reposicionar o discurso dogmático, já que muitas vezes acaba por tornar-se incompreensível, dada a mudança cultural e religiosa que se deu no nosso tempo.

Não se trata de negar as cristologias de raízes testamentárias, mas sim de revê-las e procurar novas sínteses que respondam à nossa situação actual.

Velhas formulações, como as trinitárias, são não só incompreensíveis para uma parte dos nossos concidadãos como também equívocas, porque levam ao triteísmo em vez de levar ao Deus trinitário, e levam a cristologias que desvalorizam a vida de Jesus, para pôr a ênfase nas interpretações sobre a sua morte e ressurreição. (…)

O cristão não crê em Deus sem mais, em abstracto, mas no Deus de Jesus.»

Juan Antonio Estrada, “Jesus e Deus”, in «QUEM FOI, QUEM É JESUS CRISTO?», Coord. Anselmo Borges, Gradiva, 22012, pp.147-148. [Actas do Colóquio de Valadares, 2010]






OUTROS LINKS:


[1] R. Muñoz, Dios de los cristianos, Paulinas, Santiago do Chile, 1988.
[2] Até entre os poderosos membros dos governos neoliberais (português e espanhol) – vitalmente comprometidos com os interesses-sanguessuga da banca especulativa – falam dos ‘pobres’ e dos ‘desprotegidos’ com ar compungido… Até os representantes oficiais dos católicos portugueses (vide Cardeal Patriarca de Lisboa e Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa) falam dos ‘pobres’ e acrescentam que “é claro que temos que pagar a dívida” … (ao Capital especulativo e à custa dos pobres trabalhadores, acrescento eu).
[4] «Não temos que dar de barato que o nosso Deus é o Deus da Vida que, em Jesus, se manifesta. É possível dizer Missa todos os dias, estar diante do Santíssimo Sacramento em Adoração Perpétua ou desenvencilhar-se como pároco, provincial ou bispo e, sem dúvida, usar a imagem de um Deus que não é o Pai de Jesus. Pode tratar-se de um Deus de uma instituição, de uma cultura ou a projecção de desejos infantis. Temos que discernir constantemente a fim de que o nosso Deus não seja o Deus das realidades humanas sacralizadas», Pedro TRIGO, Vida consagrada al Dios de la Vida, «Enfoque» (La Paz, Confer Boliviana), Janeiro 1992, p. 25.
[5] «Gloria Dei homo vivens», S. Ireneu. J. Sobrino, La aparición del Dios de la vida en Jesús de Nazaret, in Jesús en América Latina, Sal Terræ, Santander 1982, 157-206.