«O
homem que diz não ser ninguém já é o homem mais rico da Europa. O património de
Amancio Ortega Gaona [dono da Zara],
proprietário da gigantesca têxtil galega Inditex, chegou, na semana passada, aos 39.500
milhões de dólares (mais de 31 mil
milhões de euros) e superou o dos donos da IKEA e da Louis Vuitton,
segundo a agência Bloomberg. “Desde criança que fui educado na fé e sei que
tenho alguém muito importante a quem dirigir (…). Custa-me pedir coisas a Deus. Não consigo
pedir-Lhe mais nada, porque sei o muito que já me deu. Mas tenho-me nas
suas mãos e Ele escuta-me», confessou na sua última entrevista. Fez várias vezes o Caminho de Santiago de
Compostela, em agradecimento por ter saído bem de uma intervenção cirúrgica
nos Estados Unidos. Porém, o milagre de Ortega está nas suas [5.618] lojas espalhadas pelo mundo
inteiro…»
por
Anxo Lugilde
VISÃO,
21-27 Junho 2012
RELIGIÃO, PODER E DINHEIRO
DÓLAR - «IN GOD WE TRUST» |
Rejeitando o
fatalismo e indo contra a corrente das grandes religiões antigas (Assíria,
Egipto), a experiência hebraica ergue-se para construir uma relação existencial
diferente a partir duma escolha: elege a História humana[**].
Coloca no centro da
História da Salvação a própria História da Humanidade. (Gn 2:18.23; Dt 26:5-10)
O elemento
particular dessa relação é a importância que a injustiça (toda ela: pessoal e histórica,
estrutural) vai passar a desempenhar: nas relações inter-humanas e na relação
com Deus. A
luta contra a injustiça passa a residir no coração da Salvação. Deus é
a Arca onde se guarda todo o tipo de Justiça: justiça judicial (Caim e Abel) e
a justiça do amor gratuito de Deus («justificados gratuitamente pela graça», Rm
3:21-23). Deus é o guardião da Salvação; e a Salvação pré-supõe a reparação
de todas as injustiças (cf. Ex 3: a “nega” de Deus, a Moisés, no ‘sagrado da
sarça ardente’ [v.3] e a “revelação” de Deus na História Libertadora [v.7]).
Deus é o que vem ao
Homem, à História, Deus é aquele que se abeira da Humanidade para inquirir
acerca da reparação da injustiça (Gn 4:9-11; Ex 3:7-9). Não porque queira,
invejosamente, reivindicar o exclusivo dos actos de justiça só para si (numa
perspectiva sacerdotal, litúrgico-reparadora), mas porque ama tanto a Humanidade
e a sua História como a filhos (Gn 4:7b: «Cuidado, … deves
dominá-lo.», numa perspectiva comovedora, paternal/maternal; mas também
medicinal, humana - Lc 10:34 - «Aproximou-se,
ligou-lhe as feridas»).
Esta é a “primeira parte” da tremenda aventura do Povo Hebreu: a descentração
de Deus, das Alturas da sua realeza («Filho de David tem compaixão de mim»), do
Transcendente inacessível («Pai Nosso que estais no Céu») para o coração das
tensões históricas (desemprego massivo, fome e miséria; cf. Mt 20:3)!
Para Jesus, a
‘idolatria’, a adoração a-histórica a Deus como entidade espiritualmente transcendente
e mística associa-se
à confiança em Mamon
(na força magnética, sagrada – íman! - que o Capital financeiro tem). (Mt 6:24; Lc
16:13) Esta é uma associação (de ideias) arrojada, extrema, original, própria de
Jesus: não lhe conheço paralelos. Ela é a “segunda parte” da
tremenda aventura espiritual do Povo Judeu!
A experiência
hebraica - porque assenta numa relação com um Deus que intervém na História através
dum amor que ampara (sustem) essa história - assume a História totalmente, como
realidade plena de dignidade, porque (finalmente) liberta dum deus enigmático,
distante, “ávido de reverência e de liturgias”. Com a experiência hebraica, a
História da Humanidade adquire carta de alforria, e sua divindade sui generis, podendo
passar a ser encarada como realidade autónoma, regida por leis próprias não
consagradas a deus algum (não submetidas ao destino, ao fatum): a única Lei a que a História Humana com h grande está
sujeita é a Lei do Amor de Deus que a «criou» por amor e que, através dum amor
desinteressado, a «sustém». «Ao invés das religiões místicas ou de interioridade, que descobrem Deus no
mistério interior da alma, a Bíblia descobre Deus no desenrolar da história
que, para os cristãos, está centrada em Cristo». (X. Pikaza) Não conheço experiência
histórica mais fascinante que esta!
[cf. «CARACTER HISTORICO DE LA REVELACION», por Luis Alonso Schökel, in Comentarios a la constitución Dei Verbum, BAC, 2012, pp. 139-165, ISBN 978-84-220-1577-2]
Assim se operam, ao
mesmo tempo, duas
libertações radicais (duas ‘salvações’). A primeira, a libertação do medo e da insegurança:
o medo deixa de ser central e é expulso da religião. O medo requer a liturgia pela liturgia, requer o
exercício do sagrado pelo sacerdote (mediador), requer a reciclagem/transubstanciação
do ‘medo’ através da “consagração” e do “santo sacrifício” litúrgico. A
religião sem medo deixa de ser religião/religo/religação
(entre o Homem e Deus). O homem vive em Deus. (Act 17:28)
A segunda é a libertação da política: os sistemas
soció-político-económicos deixam de constituir uma fatalidade; podem ser
destruídos para dar lugar a outros mais justos - a César o que é de César
(desautorização do Absolutismo Régio, desacralização das ditaduras, crítica aos
Imperialismos). No centro disto tudo, a Voz da Justiça, qual pai que respeita, cuida,
se sobressalta e sofre.
Ao longo dessa
longa retorta por que o povo hebreu passou, só uma coisa se destilou: decisivo, mesmo,
é a justiça inter-humana esplâncnica (Jo 11:33; Lc 15:20), ou seja,
a superação da «justiça dos fariseus» (Mt 5:20). Curiosamente, o que fica não é
uma nova Religião com expectativas de supremacia sobre as outras com Novos
Mandamentos, melhorados.
O que fica é o fim das religiões, como refere a Carta aos Hebreus («Suprime, assim, o primeiro culto», 10:9). Deus
deixou de ser ‘a questão’, (montou a sua tenda entre nós: Jo 1:14) para passar
a ser processo; «humanizou-se» (José Maria Castillo); faz caminho com os homens
– Shekinah – beduinamente acontecendo, como
na extraordinária resposta dada a Moisés (Ex 3:14 - «Eu sou sendo … lado-a-lado convosco, o Emmanuel»).
O que fica é o princípio duma humanidade construída segundo «os planos» de
Deus-Pai Libertador,
a que Jesus chamou o Banquete ou o REINO. (Mt 2:12: os Magos desautorizam o
imperialismo romano – viram-lhe as costas; Mt 4:1-13; Lc 4:1-13: Jesus faz o
mesmo - rejeita os planos ‘baixos’ dos humanos espertalhuços virando as costas
ao uso do poder económico das minorias sobre as maiorias e do poder religioso ao
serviço da consagração do poder político; para Deus, só o Povo é consagrado – Dt 26:18-19).
O que começa é uma crítica radical à lógica da acumulação
capitalista
– cf. Caim (urbanismo, sedentarismo,
posse da terra e violência) e Abel (sociedades agro-pastoris recolectoras,
transumância, uso sem posse notarial exclusivista) – e
o que se prolonga é uma crítica
utópica/distópica à lógica da exclusão!
(cf. 1Rs 17:12; «a pobre viúva de Sarepta»; Mc 7:24-30: «A mulher
síro-fenícia»; o pão é bem universal, independente de se ser do 1º, do 2º ou do
3º mundo, independentemente do modo-de-produção).
Em suma, o
resultado desta evolução espiritual hebraica pode ser sintetizado na célebre
frase de Karl Barth sobre o
antropocentrismo cristão:
«O Homem é a medida de todas as coisas
desde que Deus se fez Homem».[1]
Com a morte de
Jesus, morrem
as esperanças reformistas, - Mc 15:29 - dos zombadores, daqueles que julgavam que “as
coisas não vão bem, mas podem ser melhoradas” com medidas cosméticas… para que
tudo fique na mesma. «Destruirei este templo e em três dias eu o levantarei»
(Jo 2:19). Jesus referia-se ao «templo do seu corpo» (v. 21), que haveria de se
«erguer» (ressuscitar, elevar, erguer ao alto).
Com a morte de
Jesus, o Templo é ferido de morte, a religião abre-se ao meio, tudo o que é
sagrado, mistério, religião dualista “rasga-se de alto a baixo” (Mc 15:38). Na
verdade, a religião é eterna (o homem é um ser religioso, medroso) e nem com a
morte de Jesus ela acabou. Nem sequer com a destruição de Jerusalém dos anos 66-70
dC, nem sequer com a destruição definitiva dos anos 131-135 dC: apenas se
espalhou ainda mais pelo mundo. Porém, um punhado de cristãos, progressivamente
mais libertos do sistema religioso judaico, começara a anunciar a “ressurreição
do Senhor” (anti-imperialista) na clandestinidade do Império.
«Com o advento dos primeiros judeo-cristãos, aconteceu uma superação do Templo em favor da comunidade [de primeiros cristãos]. Cristo e a sua Igreja passaram a ser o
novo lugar da presença divina no mundo. Deus estava presente no novo templo
comunitário (Mt 18:20; 28:20; 1 Cor 3:16-17) segundo uma linha já
apontada pelas comunidades de Qümran (1QS 8,7; Act 2:13; 2 Cor 6:16-17),
reforçada, ao mesmo tempo, pelas críticas dos samaritanos contra o templo de
Jerusalém (Jo 4:21-26).
«Desta forma
radicalizava-se a crítica profética e dava-se uma nova ênfase à transcendência
divina, fazendo da cruz o
centro da revelação. A
comunidade
[dos
primeiros cristãos]
via-se como
o lugar da presença de Deus (Mt 18:18-20; 24:1-2.30-31; 28:20). Os
cristãos colaram as críticas proféticas ao templo às críticas do próprio Jesus
e fizeram da
comunidade a alternativa ao templo destruído. Combinavam assim crítica
e apologética para sustentar que o cristianismo era o herdeiro da
história sagrada judaica.»[2]
«Dentro do
cristianismo havia diversas tradições a respeito de Israel. Seja como for, a
destruição do templo foi lida como o fim duma época salvífica (Mt 27:51-54; Act
7:41-50). A partir daí iniciava-se uma nova época em que o corpo ressuscitado de Jesus substituía o templo
e em que a sua vida marcava um
novo modelo de culto e de sacerdócio (Jo 4:21-24; 6:62-63). A morte de Jesus era o novo sacrifício que anulava os
restantes, sendo Jesus o novo sacerdote, que com a sua vida
inaugurava uma
nova forma de relação com Deus.» [Juan Antonio Estrada, sj]
«Não só se criticou o culto e o sacerdócio, tal como o fizeram os profetas
anteriores, como se alterou a ideia acerca do sacerdócio. Colocou-se a ênfase no culto das pessoas que faziam do seguimento e da solidariedade com os
outros a
base da sua relação com Deus (Rm 12:1-2;
15:16; Flp 2:17; 4:18; Heb 12:3-4). Isto foi visto como um novo culto, em
espírito e em verdade (Jo 2:19-22; 4:21-24; 1Pe 2:5) centrado no baptismo e na eucaristia
(Jo 3:5; 6:51-55; 19:34-55), os quais remetiam para o significado martirial da
vida de Jesus (Ap 5:8-14; 21:22-27). Neste contexto, adquiriu uma grande
importância a liturgia
da palavra, que recolhia textos do Antigo Testamento, da vida de
Jesus e os comentários dos grandes apóstolos e de personalidades cristãs.
«[…] A isto acrescentou-se a importância do novo sacerdócio, o qual já não
era entendido como uma consagração ritual à maneira
tradicional judaica que produzia uma casta
sacerdotal e a separava do povo,
mas segundo uma forma de vida solidária e comum com os demais ─ igualmente
assim foi interpretado o sacerdócio de Jesus.» [J A Estrada, sj]
Ferida de morte a
“religião” (que se alimenta de consagrações e de sagrado), de morte ficava
ferido o poder associado ao rendimento fiscal religioso ligado ao culto:
desaparecia o Templo, desaparecia a Arca do Tesouro (o cofre das esmolas; cf.
Mc 12_41-42: «Estando [Jesus] sentado em frente do tesouro,
observava como a
multidão deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas.
Mas veio uma viúva pobre e deitou duas moedinhas, uns tostões.»). Religião,
Poder e Dinheiro andam sempre juntos.
Religião, Poder e
Dinheiro
Digamos que há uma velha
história de incompatibilidade entre Deus e o dinheiro: «não podeis
servir a Deus e ao dinheiro-Mamon/ao Capital» (Mt 6:24; Lc 16:13); «crucificai a
ganância que é uma idolatria» (Col 3;5). Digamos que há uma velha história de incompatibilidade entre
Deus e a propriedade privada blindada (cf. o valor dos anos sabático
e jubilar: Dt 15:1-18; Lv 25:13).
«Nesta perspectiva,
a Bíblia conclui que, por trás do assassinato de Jesus, está uma questão de
dinheiro» - cf. Mt 27:3-10. [Xabier Pikaza]. Por trás do assassinato
de Jesus, está, simultaneamente, uma questão de religião, a adoração a um deus
que domina e subjuga a humanidade: chama-se «Mamon»!
Dinheiro e Deus
sempre andaram associados: ainda hoje! Deus e Dinheiro fabricam Poder: estes são os três pilares
das religiões (verdadeiramente falando). As religiões a-históricas (clássicas,
antigas), desde a sua origem sacral, implicam consagração (dos espaços -
Templos) e sacralização (do Mundo, da Criação, do Cosmos), implicam um Tempo
Sagrado e seus Mitos, implicam Vida Sacralizada e Vida Con-sagrada, implicam «o
Sagrado e o Profano» (Mircea Eliade). Essas religiões (a-críticas e a-históricas) nunca foram
capazes de não se constituírem em suporte do Poder político (ainda
hoje, na Grécia actual, é o Patriarca ortodoxo quem dá posse ao Governo
político da nação – não é um Juiz supremo ou um Presidente que transmite o
poder; em muitos países ainda se jura cumprir a Constituição com a mão sobre a
Bíblia ou evocando Deus/Alá). [Cf. 1Rs 18:19 - 450
profetas de Baal e 400 profetas de Achera, que oficiavam na Corte do rei
Acab.]
Já nos primórdios
do Israel antigo se questionaram os campos (cf. 1Rs 18 e 19; o profeta Elias
nunca viveu no palácio do Rei, passou a manter distância face ao poder
monárquico, separou as águas). Convém não esquecer que foi em nome de Deus que
se perseguiram e mataram todos os profetas de Israel. «Quando o rei Acab viu
Elias disse-lhe: És tu a ruína de Israel?» Os profetas (verdadeiros e fiéis
a Yahvé) eram críticos do sistema e da religião do sistema (Je 38:4; «Este homem deve ser morto, porque desanima os homens de guerra que ficaram na cidade e
todo o povo, proferindo semelhantes palavras. Este homem não busca o bem-estar do povo,
mas a sua desgraça.»).
«Amacias, sacerdote de
Betel, mandou dizer a Jeroboão, rei de Israel: «Amós conspira contra ti, no
meio da casa de Israel. A terra não pode suportar mais os seus oráculos. Pois Amós disse o seguinte: ‘Jeroboão morrerá pela espada e
Israel será deportado para longe da sua terra.’» Amacias disse, então, a Amós: «Sai daqui, vidente, foge para
a terra de Judá e come lá o teu pão, profetizando. Mas não
continues a profetizar em Betel, porque aqui é o
santuário do rei e o templo do
reino.» (Amós 7:10-13) [é um sacerdote que sai em defesa do seu «tacho»]
Amós
defende os pobres contra o Rei e contra os sacerdotes do Rei. A religião está
ao serviço do sistema dominador, o santuário já não é de Yahvé mas «do rei», os
sacerdotes não podem colocar em causa o poder porque colocam o seu próprio poder
em causa, também. O poder precisa
da religião para obnubilar o povo e o convencer que tudo
(sobretudo, a injustiça) é obra de Deus
e que não há alternativa: o sofrimento é sacrificial, aplaca os deuses. Quando
os profetas abrem a boca e elaboram um
discurso em que “misturam” Deus com a política, ou seja, em que sobrepõem as
fronteiras entre ‘sagrado’ e ‘profano’ são considerados homens não-de-Deus, mas
do Diabo (cf. Mt 12:22-28).
Então, a postura do crente (judeu ou
cristão) será a de simultaneamente operar a crítica ao poder económico e ao
poder religioso e não separar esse domínios, na medida em que eles andam sempre
juntos: porque rende.
«Tumulto contra Paulo - Por esse tempo, levantou-se não pequeno
tumulto a respeito da «Via.» Um certo Demétrio, ourives que
fazia santuários de Ártemis, de prata, e proporcionava aos artífices um negócio
lucrativo, convocou-os, assim como a outros que
trabalhavam em obras semelhantes e, disse: «Sabeis, amigos, que a esta
indústria devemos a nossa prosperidade. Ora, como
vedes e ouvis dizer, não só em Éfeso, mas também em toda a Ásia, esse Paulo
convenceu e desviou imensa gente, afirmando que não são deuses os que são
feitos pelas mãos do homem. Isto não só faz correr o risco de cair em descrédito a nossa indústria, mas também de se desconsiderar o templo da grande deusa
Ártemis, e de vir a perder o prestígio aquela que a Ásia inteira e
todo o mundo veneram.» Quando isto ouviram, enfureceram-se e começaram a dizer em
altos brados: «Grande é a Ártemis dos efésios!» A desordem espalhou-se pela cidade inteira…» (Act 19:29)
A religião é lucrativa: mantém a ordem (é o «ópio do povo», K. Marx) e mantém o
mercado (os negócios). Mantém o “sistema” (Jo 11:49-50).
Quando os crentes (os profetas) se
convencem que Deus tem ouvidos e é sensível ao clamor dos pobres e dos
injustiçados (Gn 4:10: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra
até mim.»), quando Deus se faz provedor dos esquecidos pelo poder e
quando os sacerdotes despem as roupagens do poder sagrado, o Poder do Sistema
reage com violência (assassina D. Óscar Romero[3],
assassina a irmã Dorothy na Amazónia[4],
assassina os padres jesuítas[5] em El
Salvador, persegue D. Pedro Casaldáliga, etc etc etc). O ministro P.
Aguiar-Branco, diante das declarações críticas do bispo D. Januário Torgal Ferreira,
respondeu: «O Sr. Bispo terá que opotar entre ser bispo e ser comentador
político».[6]
Religião (ídolos, ideologia, fascínio pelo maravilhoso), Poder (pobreza, precariedade, medo)
e Dinheiro
(Mamon, dominação pela atracção, ‘fetiche’): o
tripé de qualquer poder, que Jesus denunciou nas tentações do deserto.
«A teologia tem a tarefa de discernir entre
o ‘fetiche’ e o Espírito.»[7] A
teologia tem como tarefa «discernir entre o espírito do ídolo que impulsiona o
mundo com o seu amor para a morte e para a exclusão dos pobres, e o Espírito
da Vida.» (Yung Mo Sung)
O Espírito de Deus antecede e precede (Sab
7:26-28; Mt 28:7; Mc 16:7). Cabe-nos prescrutar e adivinhar para onde o
Espírito está soprando aqui na nossa história, na vida da humanidade.
Não é para o céu que devemos olhar quando procuramos Deus (Act 1:11). A Fé em Deus enraiza na
História da Humanidade.
«Mas a Palavra não é só Palavra sobre Deus e sobre o homem, mas é verbo feito homem. Se o ser humano é
iluminado pela Palavra, é-o, precisamente, porque ela chega a nós através da
história humana. É indiscutível – diz von Rad – que “a
história é o lugar onde Deus revela o mistério da sua pessoa”.[8] A
história humana deverá ser, então, também, o espaço do nosso encontro com ele,
o Cristo.[9] Evocar a evolução
da revelação da presença de Deus junto do seu povo ajudar-nos-à a clarificar a forma
de que se reveste esse encontro na história. Presença
e encontro que empurra o futuro da humanidade
para a frente, mas que celebramos no presente enquanto alegria escatológica.»[10]
pb\
[**] A
«História da Humanidade» é o pano de fundo da Aliança entre Deus e o Povo.
Para aceder aos planos de amor e liberdade de Deus, o Povo Israelita só podia
servir-se da História e suas tensões: virar as costas às “tensões históricas” (nas quais se
decide da felicidade e da infelicidade humanas) é sinónimo de idolatria,
de falta de Fé em Deus. É na História do Mundo que se sela o Pacto do Sinai,
a Aliança entre Deus e o Povo. Pacto sempre livre [Js 24:15], sempre passível
de entrar em crise [v.19], sempre passível de ser rasgado, sempre passível de
ser renovado [Josué 24:16-28], mas nunca renovado ou rejeitado fora da história humana
[v.17.23]. A Aliança implica uma troca de
palavras-dadas, uma troca de promessas sob a forma da Palavra-dada:
Deus oferece-se, sugere, não se impõe; o Povo decide se quer estabelecer uma
Aliança, um Pacto, um Tratado de convívio confiante [Ex 19:3-8]. Existem
condições: a primeira é a liberdade de
poder romper o Tratado, a Aliança: «escolhei hoje» [Js 24:15]. Mas
as palavras
não bastam: é preciso «fazer». A Fé em Deus como que coloca Deus em
segunda fila: é na praxis histórica que tudo se
verificará ou se atraiçoará - «Todo o povo, unânime, respondeu, dizendo: «Tudo o que o Senhor disse, nós
o faremos.»
E Moisés transmitiu ao Senhor as palavras do povo.» [Ex 19:8].
[1] Christengemeinde und Bürgergemeinde. Zurique 1946, 36.
«El 16
de noviembre de 1989
fue asesinado por un pelotón del batallón Atlácatl de la Fuerza Armada de El Salvador, bajo las
órdenes del coronel René Emilio Ponce, en la residencia de la
Universidad, junto con los jesuitas Ignacio Martín Baró, Segundo
Montes, Amando López, Juan Ramón Moreno Pardo, Joaquín López y López. Fueron también
asesinadas Elba Julia Ramos, persona al
servicio de la Residencia, y la hija de ésta, Celina, de 15 años.»
[7] Gilberto
Gorgulho, «Hermenêutica
Bíblica», in I. Ellacuria e J Sobrino, Mysterium Liberationis: conceptos fundamentales de la teologia de la
liberación, Vol. I, Madrid, Ed. Trotta, 1990, p. 181.
[8] Gerhard
von Rad, Teologia del Antiguo Testamento-II,
Sígueme 31976, p. 436, l. 9-10. «A revelação do próprio Deus,
segundo os testemunhos bíblicos, não se fez directamente como teofanias, mas indirectamente
através de actos históricos de Deus»: W. Pannenberg, Offenbarung als Geschichte 1961, 91.
[9] A. Dumas
escreve, inspirando-se em Bonhoeffer: «O espaço de Deus é o mundo, o segredo do
mundo é a presença escondida de Deus. Jesus Cristo é a estruturação
desse espaço e o nome desse segredo»: Une
théologie de la réalité, Genebra 1968, 182.