teologia para leigos

25 de novembro de 2011

«Pátria madrasta, País padrasto», AQUI NÃO TENHO FUTURO


Exp. de ANSELM KIEFER_Berlim_2011



Jovens, fora daqui!


Estamos perto dos mortos. Não por irmos
abrindo os olhos para onde estão,
mas porque ver é um país vizinho
de se terem os vasos da visão
tão devagar ido
que, agora, a transparência é um portão.

Está todo aberto a um lugar de vidro
em que a ternura esqueceu o coração.

Fernando Echevarría, Sobre os mortos



Uma televisão esteve a fazer perguntas a jovens portugueses. Os jovens portugueses foram unânimes: estão fartos de verem os seus sonhos e ambições espezinhados, não se resignam a esta desordem política que lhes interdita acesso ao bem-estar e à felicidade, e que eliminou do horizonte humano qualquer expressão de justiça.

Uma rapariga, por sinal muito bonita e de frase curtida em leituras e decisões, preparava-se para abandonar o País e viajar até onde as suas faculdades fossem reconhecidas e estimadas.

Mas vais voltar um dia?», perguntou-lhe afobada a jornalista.
Nunca mais! Aqui não tenho futuro

A luz, na televisão, era mais clara e o rosto da rapariga atingiu uma inesperada dureza. Talvez o desprendimento de quem tem o sentimento de não ser desejada.

Foi esse alheamento que me impressionou.

De repente, na afirmação «Aqui não tenho futuro!» deixara de residir a ternura e a intimidade, e passara a descoberto a factura de uma nova sabedoria, que me era estranha e, até, um pouco incómoda.

Na mesma reportagem, a informação, crua e grave, de que centenas de médicos e enfermeiros, por igual jovens, competentes e de confuso destino português, estavam de malas aviadas para se fixar no estrangeiro. Uma dessas, agora de abalada, demonstrou o seu desgosto com uma pequena frase: «Que havemos de fazer?»

Estes rapazes e raparigas são disputados em toda a Europa, e o interesse por eles, pela qualidade do seu trabalho, da sua devoção e da sua humanidade chegam à Austrália e à Nova Zelândia. Parece que o velho problema do mal na História renasce com a razão do Estado e a sua falta de ética da responsabilidade. O Estado, de certa forma corporizado no Governo, utiliza como meio específico a força da exclusão, da indiferença e do abandono, por detrás da qual se perfila a violência. As coisas complicam-se ainda mais se, noutra perspectiva, substituirmos a bondade pela grosseria.

E recordo aquele membro do Governo (cujo nome desejo colocar à margem deste texto, desejadamente asseado) que incentivou os jovens portugueses a abandonar o País, violando, descaradamente, a palavra dada de respeito pela Constituição e pelos outros.

Perdemos a nossa gente nova porque estamos a ser friamente enganados por uma clique amoral, incompetente e inchada de soberba. Há qualquer coisa de infame numa política que não coincide com a justiça e com a procura do bem-estar das populações.

A ilustração desta indignação vemo-la todos os dias e atinge proporções insanas quando a juventude é assim dizimada por um Governo que a despreza ao ponto de a expulsar.

«Pátria madrasta, País padrasto», conclui João de Barros, o das Décadas, numa frase tão lacónica como excruciante.

«Aqui não tenho futuro!» A frase possui a amplitude de um desígnio e o ferrete de uma insuportável amargura.

Baptista-Bastos, Escritor

«Diário de Notícias», 23 Nov 2011, p. 11


PS: Baptista-Bastos refere-se a uma Reportagem sobre uma Feira, em Lisboa, de oferta de empregos, no estrangeiro, para jovens licenciados portugueses, organizada por países estrangeiros… Eu vi a Reportagem – foi tal e qual assim!