teologia para leigos

23 de novembro de 2011

EXTREMISMOS AVANÇAM NA U.E. - DANI RODRIK


Dani Rodrik_Prof. da Universidade de Harvard


O próximo pesadelo da Europa



[Jornal «PÚBLICO», 10.11.2011]

Como se as ramificações económicas de um total incumprimento por parte da Grécia não fossem já suficientemente aterrorizantes, as consequências políticas poderiam ser muito piores.

Uma dissolução caótica da zona euro causaria danos irreparáveis ao projecto de integração europeia, o pilar central da estabilidade política na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Seria desestabilizar não só a periferia europeia altamente endividada, mas também países centrais como a França e a Alemanha, que foram os arquitectos desse projecto.

O cenário de pesadelo seria também uma vitória para o extremismo político ao estilo dos anos 1930. O fascismo, o nazismo e o comunismo eram filhos de uma chicotada contra a globalização, que vinha crescendo desde o final do século XIX, alimentando-se das ansiedades de grupos que se sentiam marginalizados e ameaçados pelas forças de mercado em expansão e pelas elites cosmopolitas.

O comércio livre e o padrão-ouro tinham exigido relegar para segundo plano prioridades internas tais como a reforma social, construção da nação e a reafirmação cultural. A crise económica e o fracasso da cooperação internacional comprometeram não só a globalização, mas também as elites que apoiavam a ordem existente. Como escreveu o meu colega de Harvard, Jeff Frieden, foi assim que se abriu caminho para duas formas distintas de extremismo. Confrontados com a escolha entre equidade e integração económica, os comunistas escolheram a reforma social radical e a auto-suficiência económica. Confrontados com a escolha entre afirmação nacional e globalismo, os fascistas, os nazistas e os nacionalistas e escolheram a construção da nação.

Felizmente, o fascismo, o comunismo e outras formas de ditaduras encontram-se hoje ultrapassados. Mas, existem tensões semelhantes entre integração económica e política local que estão, há muito tempo, latentes. O mercado único europeu tomou forma de uma maneira muito mais rápida do que o fez a comunidade política Europeia; a integração económica sobrepôs-se à integração política. Daqui resulta que as preocupações crescentes sobre a erosão da segurança económica, estabilidade social e identidade cultural não podiam ser tratadas através dos canais políticos tradicionais.

As estruturas políticas nacionais tornaram-se demasiado limitadas para oferecer soluções eficazes, enquanto as instituições europeias continuam demasiado fracas para exigir lealdade. A extrema-direita é quem mais tem beneficiado com o fracasso dos centristas. Na Finlândia, o até então desconhecido partido Verdadeiros Finlandeses (True Finns) aproveitou o ressentimento em torno do resgate da zona euro para ser o terceiro mais votado nas eleições gerais de Abril. Na Holanda, o Partido para a Liberdade, de Geert Wilders, exerce poder suficiente para ser um elemento decisivo, sem o seu apoio, o governo de minoria liberal fracassaria. Em França, a Frente Nacional, que ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais de 2002, foi revitalizada com Marine Le Pen. A repercussão disto não está confinada aos membros da zona euro. Na Escandinávia, os Democratas da Suécia, um partido com raízes neonazis, entrou para o Parlamento no ano passado com cerca de 6% dos votos populares. Na Grã-Bretanha, uma sondagem recente indicou que mais de dois terços dos conservadores querem que a Grã-Bretanha saia da União Europeia.

Os movimentos políticos de extrema-direita são tradicionalmente alimentados pelo sentimento de anti-imigração. Mas os resgates da Grécia, Irlanda, Portugal, e outros, em conjunto com os problemas do euro, deram-lhes novo alento. O seu eurocepticismo parece, decerto, justificado pelos acontecimentos. Quando, recentemente, perguntaram a Marine Le Pen se iria retirar-se unilateralmente do euro, ela respondeu com confiança: "Quando eu for presidente, dentro de alguns meses, a zona euro provavelmente não existirá."

Tal como nos anos 30, o fracasso da cooperação internacional agravou a incapacidade dos políticos centristas de dar uma resposta adequada às exigências económicas, sociais e culturais dos seus constituintes internos. O projecto europeu e a zona euro definiram os termos do debate, de tal forma que, com a zona euro em farrapos, a legitimidade dessas elites irá receber um golpe ainda mais grave. Os políticos centristas da Europa empenharam-se numa estratégia de "mais Europa" demasiado rápida para aliviar as ansiedades locais, embora não suficientemente rápida para criar uma comunidade política real em toda a Europa. Mantiveram-se durante demasiado tempo num caminho intermediário que é instável e afectado por tensões.

Apegando-se a uma visão da Europa que se mostrou inviável, as elites centristas da Europa estão a pôr em risco a própria ideia de uma Europa unificada. Do ponto de vista económico, a opção menos negativa passa por garantir que os inevitáveis incumprimentos e saídas da zona euro decorram da forma mais ordeira e coordenada possível. Também ao nível político é necessária uma verificação semelhante da realidade. O que a actual crise exige é uma reorientação explícita, longe de obrigações financeiras externas e austeridade relativamente às preocupações e aspirações nacionais.

Tal como as economias nacionais saudáveis são o melhor garante de uma economia mundial aberta, as políticas nacionais saudáveis são o melhor garante de uma ordem internacional estável. O desafio consiste em desenvolver uma nova narrativa política, com ênfase nos interesses e valores nacionais, sem conotações de nativismo nem de xenofobia.

Se as elites centristas não estiverem à altura da tarefa, os representantes da extrema-direita preencherão, de boa vontade, o vazio, sem a moderação. É por isso que o primeiro-ministro demissionário da Grécia, George Papandreou, teve a ideia certa com a sua proposta fracassada de convocar um referendo. Esta medida foi uma tentativa tardia de reconhecer a primazia da política interna, mesmo que os investidores a considerassem que isso, nas palavras de um editor do Financial Times, era "brincar com o fogo."

Descartar o referendo significa, simplesmente, adiar o "dia do julgamento" e aumentar o derradeiro preço a pagar pela nova liderança da Grécia.

Hoje, já não se trata de saber se a política se vai tornar mais populista e menos internacionalista, mas sim de perceber se as consequências dessa mudança podem ser geridas sem a situação ficar feia. Na política da Europa, tal como na sua economia, parece que não há boas opções – apenas soluções menos más.

Dani Rodrik, Professor da Universidade de Harvard