teologia para leigos

30 de novembro de 2011

POBREZA INFANTIL E DESIGUALDADE ECONÓMICA





Ontem celebrou-se o dia da criança. A decência de uma sociedade também se mede pela forma como cuida das suas crianças. Em Portugal, há pouco que celebrar nesta área. Esta semana ficámos a saber [http://www.publico.pt/Sociedade/duas-em-cada-cinco-criancas-vivem-em-situacao-de-pobreza_1496617?all=1] que duas em cada cinco crianças podem viver em situação de pobreza, ou seja, em situação de gritante desvantagem. Somos uma sociedade indecente.

Somos uma sociedade onde as medíocres elites gostam muito de falar de mérito, mas onde a investigação [http://www.ecineq.org/milano/WP/ECINEQ2010-174.pdf] continua a apontar para a nossa incapacidade institucional, quase sem paralelo na Europa, em igualizar minimamente as oportunidades. São as falhas de um sistema fiscal cuja regressividade se vai acentuar, de um Estado social em quebra e de uma regulação cada vez mais frágil das relações laborais, incapaz de favorecer o trabalho decente, de evitar a pobreza laboral e de reduzir as desigualdades salariais.

Na realidade, estamos bem acompanhados, por exemplo, pelos EUA: a pobreza infantil que aí se regista também está acima da média, e a mobilidade social abaixo da média, dos países desenvolvidos. Também se sabe que quanto mais desiguais são os países, menor é o contributo do crescimento económico para diminuir a pobreza. Pobreza e desigualdade económica não são separáveis, como muitos teimam em pensar num país desigual. Nas últimas décadas, e como sublinha o excelente observatório das desigualdades, [h[ttp://observatorio-das-sigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=indicators&lang=pt&id=220] não cessaram de se acentuar as desigualdades de remuneração no sector privado. Agradeçam à troika interna que nos tem governado.

É estranho que seja nos países de capitalismo mais desigual que mais se tenda a responsabilizar os pobres pela sua situação. Estamos num país onde uma nojenta campanha de extrema-direita contra uma prestação frágil como o RSI pode ter sucesso, onde se corta com todo à vontade no abono de família, onde se multiplicam as famílias com todos os adultos desempregados, onde mais de 50% dos desempregados não tem qualquer apoio, onde 50% dos trabalhadores leva para casa menos de 750 euros por mês, onde o investimento público em creches e infantários escasseia. A pobreza infantil é filha de um sistema em que uma minoria com voz vive em cima das possibilidades de desenvolvimento de tantas crianças e de tantos adultos, os que nunca tiveram tempo para ser crianças.

Se isto é assim, não acham também estranho que se multipliquem as palas sociais que impedem tantos de ver o que deve ser visto? Não acham estranho que sejamos dominados por um credo de “mercado” que parece assumir que todos nos tornamos adultos autónomos como que por uma mão invisível? Há tanta coisa estranha no capitalismo desigual, não há?

João Rodrigues
02 Junho 2011
blog «Ladrões de Bicicletas»