teologia para leigos

24 de outubro de 2011

PARA SAIR DA CRISE 7/8

por onde começar?

7/8



A crise e o futuro




Se olharmos para o que foi a actuação das autoridades europeias desde que a crise se desencadeou em 2007, encontramos uma confrangedora incompetência resultante do dogmatismo prevalecente na actuação das instituições públicas e que levou a uma má avaliação da situação.

Assim − e isto é o pior de tudo − aconteceu com o Banco Central Europeu (BCE), que começou a injectar liquidez no fim de 2007, o que significa que actuou no combate à crise. No entanto, em vez de descer a taxa de juro, como estava indicado, pelo contrário aumentou ainda mais a taxa de juro durante 2008, só a descendo muito para o final do ano, criando assim as condições para uma recessão na Europa e contribuindo para o agravar da especulação cambial contra o dólar e até, através desta, para a especulação com o preço do petróleo que em grande parte reagiu à queda do dólar. (…)

É difícil encontrar um leque mais acabado de partilha de incompetências. (…)

Estou convencido de que a crise se vai transformar numa oportunidade para mudar as instituições filhas do neoliberalismo, quer a nível mundial, quer a nível europeu.

O essencial é garantir que não possa mais acontecer o que tem sucedido desde os anos oitenta e que se traduz em políticas económicas que se tornam reféns dos mercados financeiros.

Este aspecto é particularmente grave no que respeita ao emprego.

No contexto que tem vigorado, um governo que queira seguir uma política expansionista para combater o desemprego é imediatamente penalizado pelo mercado através de uma especulação contra a sua moeda e um aumento das taxas de juros.

Se for na zona euro, uma diminuição significativa do desemprego leva o BCE a elevar a taxa de juro. Isto tem de ser interrompido. Será necessário, para isso, e em primeiro lugar, criar duas instituições mundiais que substituam o Fundo Monetário Internacional.

1.                 Uma delas deveria ser uma instituição que controlasse os mercados financeiros e proibisse que os bancos e outras instituições financeiras aplicassem o dinheiro dos depositantes e investidores em produtos de risco. Deveria apoiar as instituições de supervisão nacionais e certificar agências públicas de rating, a qual deveria ser uma actividade vedada ao sector privado. Ao mesmo tempo, os offshore deveriam ser eliminados.
2.                 A outra instituição deveria ter como foco os mercados cambiais e ser dotada de meios suficientes de intervenção (incluindo a eventual imposição de uma taxa sobre movimentos especulativos de capitais de curto prazo) para intervir naqueles mercados de forma a garantir não uma total fixidez das taxas de câmbio, mas que os movimentos destas reflictam a real situação de competitividade de cada país e não os movimentos especulativos.

A nível da Europa, a actuação desastrada já referida dos diversos tipos de autoridades aconselha, além disso, o seguinte:

1.                 a alteração dos estatutos do BCE no sentido de colocar, nos objectivos da política monetária, o emprego e o crescimento económico ao mesmo nível do combate à inflação, e ainda de reduzir a sua independência;
2.                 a autorização de financiamento monetário dos défices públicos para acorrer a situações de crise;
3.                 alteração do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) atribuindo às políticas orçamentais dos Estados-membros a faculdade de serem usadas de forma expansionista para combater o desemprego;
4.                 finalmente, é necessário encontrar um sistema para possibilitar que os Estados com défices persistentes da balança de pagamentos possam aplicar medidas excepcionais, derrogando, se necessário e temporariamente, as leis da concorrência e das ajudas de Estado para poderem combater esse défice.


Será tudo isto uma utopia?

Talvez não. Dependerá da forma como as opiniões públicas souberem libertar-se da intoxicação neoliberal que, desde os anos oitenta, constantemente as atingiu.


João Ferreira do Amaral
Economista, Professor Catedrático do ISEG/UTL

«A Crise e o Futuro» (in ‘Portugal e a Europa em Crise – para acabar com a economia de austeridade’, Le Monde diplomatique & ACTUAL Editora [Grupo Almedina], Junho 2011, p. 78-81), ISBN 978-989-694-021-8.