teologia para leigos

4 de outubro de 2011

UM PAPA PRÉ-MODERNO VISITA LUTERO - A UNIDADE ADIADA

'Nós somos Igreja'
faz um primeiro balanço da visita do Papa à Alemanha

[O movimento "Wir sind Kirche" (Nós somos Igreja), publicamente citado por Bento XVI durante a recente visita à Alemanha, faz um primeiro balanço da visita do Papa ao país. O texto é publicado na página eletrônica  do movimento “Wir sind Kirche Deutschland”, de 25 Set 2011. A tradução é de Benno Dischinger. Eis o texto.]




O movimento popular eclesial “Nós somos Igreja” (Wir sind Kirche), ao término da visita do papa Bento XVI à Alemanha, faz apelo a todas as cristãs e a todos os cristãos para que continuem com decisão a percorrer a via do diálogo, acolhendo juntos, na esperança cristã, os desafios dos tempos. O slogan “A coragem de pôr-se de novo a caminho”, do Katholikentag, o encontro anual dos católicos alemães que ocorrerá em Mannheim no próximo ano, deveria tornar-se o princípio-guia relativamente às atuais crises eclesiais e sociais, crises que só podem ser resolvidas conjuntamente.

 Um apelo ecumênico a todas as comunidades: “Fazei o que nos une!”

Ante as amargas desilusões do encontro ecumênico do papa em Erfurt, Wir sind Kirche exorta todas as comunidades católicas e evangélicas a colocar-se ecumenicamente juntas e “fazer o que nos une”. As comunidades na Alemanha deveriam considerar concluídas as inadmissíveis divisões no interior da cristandade, que duram agora quinhentos anos, seguindo o exemplo das comunidades eclesiais de Bruchsal, que afirmam: “Consideramos que a vontade de Jesus Cristo que todos sejamos um é mais importante do que todas as reflexões e questões teológicas ou político-eclesiais, e sabemos dever fidelidade à idéia que devemos obedecer mais a Ele do que aos homens.”


 O encontro no mosteiro agostiniano de Erfurt, ocorrido numa atmosfera amigável, não pode ocultar o fato de que deste papa não se podem esperar outros impulsos, embora ele, no momento da eleição, tivesse prometido empenhar-se pelo ecumenismo com sinais concretos e visíveis. As palavras de apreciação de Bento XVI para as questões colocadas por Martinho Lutero em relação a um Deus misericordioso, ainda hoje atualíssimas, são realmente notáveis. Mas, o papa não se dignou dirigir sequer uma sílaba às questões postas por Lutero  ao papado e à Igreja e às responsabilidades da Igreja romana pelo cisma de então.

Os chefes da Igreja de Roma, em décadas de aproximação teológica, puseram em jogo toda simpatia com suas prepotências, suas recusas e seus bloqueios oficiais.

A grande maioria dos fiéis, simplesmente não pode e não quer mais seguir as rígidas argumentações de Roma.

De Erfurt em diante, portanto, é direito e dever de todos os batizados no nome de Jesus Cristo não esperar mais que os chefes da Igreja dêem passos em frente, mas seguir a própria consciência. É tempo de proclamar a única comunidade, a única Igreja de Jesus Cristo que já nos tornamos a tempo e “fazer o que nos une”. Ao Papa perguntamos porque ele não aproveitou realmente uma ocasião única para fazer ecumenismo com as Igrejas da Reforma.

O núcleo pré-moderno de um discurso no Bundestag, estruturado modernamente.

Em seu discurso no Bundestag , o parlamento alemão, o Papa talvez tenha conseguido, mencionando o movimento ecológico, conquistar o favor de alguma voz crítica. A referência aos direitos humanos, justificado em mais de uma ocasião, permanece, todavia, inatingível enquanto a Igreja católica não reconhecer direta e plenamente os direitos humanos e pô-los em prática também no próprio interior dela. O seu discurso, intelectualmente alto, fez esquecer que os seus predecessores combateram com veemência a liberdade de consciência e de opinião, e silenciou intencionalmente que atualmente somente o Vaticano e a Bielorússia não subscreveram a convenção européia dos direitos humanos.

O papa aceita sem reservas o valor autônomo da consciência, mas liga-a, embora sem reservas, a normas objetivas e já dadas, como no caso da sexualidade e do seu elo com a geração de filhos. Está precisamente aqui o núcleo pré-moderno do seu discurso, um discurso estruturado modernamente.

Conseguirá o raciocínio do Papa apropriar-se do tema da conservação da natureza para os próprios objetivos, de modo que pensando neste tema cada um pense no direito natural católico? Procura talvez o Papa rejeitar a metáfora da janela escancarada usada por seu predecessor João XXIII, de modo que na Igreja se anuncie não mais uma brisa fresca, e sim a obediência às normas supremas? A mensagem de Bento XVI é: “Onde está Deus há normas claras”.

Quem conhece os escritos de Ratzinger percebeu bem poucas novidades. Suas idéias são caracterizadas por um gosto retrógado pessimista. O papa Bento XVI, que sabe que cordas tocar, prosseguiu em Erfurt o seu discurso de Berlim, ao invés de tomar posição sobre o ecumenismo e acenar a novos caminhos, por exemplo, em referência a 2017. Os passos dados em nível ecumênico nada têm a ver com o cálculo político, diversamente do que retém o papa. Em Berlim ele disse que o homem não se faz por si. Em Erfurt declarou que a fé não é algo que se faz por si. Em outras palavras: não mudará nada. Falar de Deus não pode tornar-se um derivativo para neutralizar a crise da Igreja.

Antes desta visita do papa não havia expectativas excessivas em relação a Joseph Ratzinger. É sabido que ele há quase trinta anos assumiu responsabilidades, em Roma, primeiro como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e há mais de seis anos como papa Bento XVI.




Mas, é alarmante que agora, como Papa, se tenha mostrado tão pouco disponível para pelo menos dar-se conta da crise a que está sujeita a Igreja, crise recordada explicitamente também pelo presidente da Alemanha, e a encorajar que se prossiga o processo de diálogo iniciado pelos bispos.

 Na homilia pronunciada no estádio olímpico de Berlim, o papa respondeu, ao invés, claramente coisa nenhuma a todos os “sonhos eclesiais”. Embora seja justo lamentar a crescente ausência de Deus na consciência do homem, falar de Deus não pode tornar-se uma alternativa para deixar de lado as crises e os problemas eclesiais. Sua referência a uma renovação espiritual da fé é justa, mas também as estruturas hierárquicas da Igreja o pregam e são, consequentemente avaliadas pelo metro da mensagem de Jesus Cristo. Será um duro golpe para muitos católicos dar-se conta que o Papa não deu nenhuma esperança de abrir novas vias pastorais, por exemplo, para os divorciados que novamente casaram, coisa que recentemente também o arcebispo Zolltisch havia assumido.


O intenso programa do papa, com os seus 17 discursos e homilias, tem sido notável. Mas não houve sequer um programa focado sobre o diálogo. Embora com toda a humildade pessoal, esta viajem mostrou com toda a clareza as ambições religiosas, morais e também políticas que a Igreja católica romana, não obstante a dramática redução de fiéis, continua nutrindo.

O encontro com os juízes da Corte Constitucional no seminário de Friburgo levanta a questão da posição jurídica e das ambições de poder do ministério papal: como representante da “Santa Sé”, como chefe do minúsculo Estado da Cidade do Vaticano e como chefe da Igreja católica romana.


INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS
1/10/2011


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