Medo de Jesus
Mateus recolheu, por escrito, a memória duma tempestade vivida pelos discípulos no mar da Galileia a fim de convidar os seus leitores, aquando de crises e conflitos na sua comunidade cristã, a escutar o chamamento premente de Jesus para que confiem n’Ele. O relato descreve a situação de forma muito gráfica. A barca está, literalmente, «açoitada pelas ondas» [v.24], no meio de uma noite de bréu, muito afastada da costa. Grave é o «vento contrário» [v.24] que os impede de avançar. Mas há algo mais grave ainda: os discípulos estão sós! Jesus não está na barca.
Quando Jesus se aproxima deles, os discípulos não o reconhecem e, aterrorizados, desatam a gritar cheios de medo. O evangelista tem muito cuidado em deixar claro que o medo deles não é desencadeado pela tempestade, mas pela sua incapacidade em descobrir a presença de Jesus no meio daquela noite horrível.
A Igreja pode atravessar situações obscuras e muito críticas ao largo da sua história, mas o seu verdadeiro drama começa onde o seu coração é incapaz de reconhecer a presença salvadora de Jesus no coração das crises, e quando é incapaz de ouvir o seu grito: «Ânimo! SOU EU, não tenhais medo!» [v.27b]
A reacção de Pedro é admirável: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» [v.28] A crise é o momento privilegiado para se fazer a experiência da força salvadora de Jesus. É o tempo privilegiado para alimentar a fé, não à custa de tradições humanas, apoios sociais ou devoções piedosas, mas à custa duma adesão vital a Jesus, o Filho de Deus.
O narrador resume a resposta de Jesus numa palavra só: «Vem». Não se trata de ‘chamamento de discípulos’. É um chamamento diferente, original, que teremos que saber ouvir em ‘tempos de tempestade’: o sucessor de Pedro e nós, os que estamos na barca sacudidos pelas ondas. Um chamamento a «caminhar até Jesus» sem nos assustarmos com «o vento contrário», apenas deixando-nos guiar pelo Espírito favorável.
O verdadeiro problema da Igreja não é a progressiva secularização da sociedade moderna, nem o fim duma «sociedade de cristandade» na qual a Igreja se apoiou durante séculos, mas o nosso secreto medo de alicerçarmos a nossa fé na verdade de Jesus Cristo.
Não ousamos escutar os sinais dos nossos tempos à luz do Evangelho, pois não estamos dispostos a ouvir nenhuma voz que nos chame a renovar o nosso entendimento e o nosso seguimento de Jesus.
Sem dúvida, ainda hoje Ele é a nossa única esperança.
Onde começa o medo a Jesus, aí termina a nossa fé.
José Antonio PAGOLA
07:VIII:2011
19º Domingo – Tempo Comum (A)
Mateus 14: 22-33