teologia para leigos

25 de agosto de 2011

ROMA - O PROTAGONISMO COMO RESPOSTA À CRISE 2/2

2/2


O Pontificado de João Paulo II
&
a Globalização



João Paulo II com a Igreja Ortodoxa grega




Os pedidos de perdão por faltas graves cometidas no passado, como aquando do Jubileu de 2000, não tiverem consequências no plano da auto-crítica institucional, nem na modificação das relações com os outros cristianismos. Para além disso, João Paulo II projectou uma imagem do ‘primado’ muito distante da função daquele que ‘preside à comunhão das igrejas’, isto se tomarmos em conta a perspectiva dos cinco Patriarcados e a dos Concílios Ecuménicos. A sua concepção de Igreja foi mais a do Sumo Pontífice, como representante directo de Cristo. A sua concepção do Papado está mais perto da do Vaticano I e a colegialidade apenas desempenhou algum papel em escassos anos do seu governo. Se é verdade que a globalização favorece a pluralidade de centros de poder, o desenvolvimento do catolicismo foi numa direcção contrária a esse processo.




O actual modelo carece de aceitação a nível global e crescem as críticas à sua actual forma. É necessário distinguir entre Primado Universal, papel como Patriarca do Ocidente e Bispo de Roma, sem misturas ou mesclas. O âmbito de influência aumenta à medida que diminui o espaço em que é exercido. Impõe-se uma diminuição dos poderes do primado a nível universal em benefício da colegialidade e da sinonidade, de modo a que o modelo organizativo seja mais assumido por outras confissões, especialmente os ortodoxos e os anglicanos. Só assim seria possível que outras confissões aceitassem o primado com a garantia de que, na mesma, podiam conservar a sua autonomia e competências ao lado de um governo central mais restrito. O cristianismo do primeiro milénio esteve marcado pelo sistema patriarcal, o qual, na igreja antiga, assentava em cinco patriarcados. Cada um deles tinha autonomia institucional, litúrgica e sacramental, legislativa e disciplinar, o que permitia uma eclesiologia de comunhão. É este modelo organizativo que as igrejas ortodoxas reivindicam, o qual também seria aceitável por parte de algumas igrejas protestantes. Poder-se-iam constituir novos patriarcados na África, na Ásia e na América, abrindo espaço para as diferenças e especificidades culturais. Não se compreende que uma igreja não europeia tenha que assumir um modelo de cristianismo europeu.


Opus Dei


João Paulo II percebeu a importância da globalização e fez, da América, a reserva demográfica do catolicismo, o centro da sua atenção. Porém, as suas actuações correspondiam a uma mais que evidente concepção monárquica da Igreja. Optou por afirmar o seu papel como «bispo universal», por reforçar o controlo da cúria romana sobre as igrejas nacionais e apresentar-se como o papa que admoesta, supervisiona e controla, sublinhando ainda mais a dependência das conferências episcopais. A alternativa teria sido reforçar a colegialidade e a Igreja como ‘comunhão’, ouvindo o que as diversas igrejas tivessem a dizer do governo romano central. Depois do Vaticano II proliferaram textos sobre eclesiologia de comunhão, inculturação e validade do princípio da subsidiariedade, o qual exige que aquilo que se pode resolver localmente não deve ser levado a instâncias mais altas. Porém, de facto, o centralismo aprimorou-se e a modernização foi usada para conferir mais poder e mais controlo às congregações romanas, à custa dos episcopados nacionais. Foram, igualmente, polémicas as nomeações de bispos sem a consulta tradicional das instâncias locais e as intervenções nas ordens religiosas nas costas dos superiores e dos capítulos. Como resultado, aconteceu o congelamento do ecumenismo, o qual não aceita a ideia dum bispo universal e o definhamento dos episcopados nacionais.


«Santo subito...»



Para além disso, num contexto de globalização, as viagens papais correram o perigo de cair na dinâmica pós-moderna, a qual acentua uma comunicação de tipo afectivo, a identificação das massas com o líder, a atracção pelo espectáculo e pela montagem mediática. Sempre que há identificação com o papa e secundarização dos conteúdos da sua pregação, perde-se o testemunho eclesial e fracassa a intenção de confirmar na Fé. A cultura dos meios de comunicação favorece impactos pontuais pouco duradouros. O que se impõe é o evento que tem impacto na opinião pública, mas que deixa para trás a mensagem ideológica que se quer transmitir. O sentimento de pertença e o reforço da coesão eclesial acentuam-se na experiência do encontro em si, mas tudo isso torna-se efémero se não fizer parte dum projecto partilhado e participado.



Caminho Neo-Catecumenal em Amesterdão

 
É evidente um grande contraste entre uma Igreja marcada por grandes eventos de massas (e que o mostrou a todo o mundo) e a paulatina crise do catolicismo que perdeu capacidade de recrutamento e de influência doutrinal, sobretudo na Europa.

O papel do Papa valorizou-se em tempos de globalização, já que um mundo plural e universal compagina-se com uma autoridade última que sirva de referência a toda a gente. Se o papado, no catolicismo, se converteu numa instituição desmesurada que abafou outras estruturas organizativas, no protestantismo escasseia uma autoridade com valor supra-local que impeça um pluralismo que degenere numa crise de identidade.

A globalização é uma nova oportunidade para a convergência das igrejas. Os desafios da Nova Evangelização, de João Paulo II aquando do jubileu do ano 2000, centram-se, também, no diálogo com o humanismo não religioso, agnóstico e ateu. O ecumenismo e a aceitação da liberdade religiosa em Estados laicos colocam, também, desafios iniludíveis. Há que enraizar as igrejas em sociedades secularizadas, com Estados laicistas e com uma crescente influência de cidadãos sem igrejas.

Só um cristianismo unido pode afrontar com êxito o ingente labor de evangelizar sociedades secularizadas, a missão em países não cristãos e a crescente penetração das seitas que erosionam a base popular das grandes igrejas. Esta complexidade institucional, cultural e histórica favorece centros eclesiais de deliberação e comunicação, nos quais o Papado reformado poderia representar um papel.

[‘Historia del cristianismo’, Vol. IV, Trotta, pp.473-475]


Juan Antonio Estrada



Apêndice documental

«O Papa é ‘indubitavelmente o obstáculo maior no caminho do ecumenismo’» (Paulo VI, ASS 59 [1967], 497)

«Teve uma grande repercussão ecuménica a posição de Karl Rahner e H. Fries: “Para lá disso, deveria implantar-se um princípio de fé realista: nenhuma igreja particular pode decidir nem recusar como contrário à fé qualquer terminologia que outra igreja professe como dogma obrigatório. Além do mais, (…) o que numa igreja particular é confissão expressa e positiva não pode impor-se como dogma obrigatório a outra igreja particular, mas que deve relegar-se para um consenso futuro». (‘La unión de las iglesias’, Tesis II, Herder, Barcelona, 1987, p. 38)

«Dito de outro modo: Roma não deve exigir do Oriente uma doutrina do primado distinta da que foi vivida e formulada no primeiro milénio. […] Quanto a esta questão, a união poderia conseguir-se assim: por um lado, o Oriente desistindo de considerar heresia a evolução ocidental do segundo milénio e aceitando como correcta e ortodoxa a modelação que a igreja católica foi adquirindo ao longo dessa evolução. Por outro, o Ocidente deveria reconhecer como ortodoxa e correcta a igreja do Oriente, sob a forma que quis para si.» (Cardeal J. Ratzinger, ‘Teoria de los principios teológicos’, Herder, Barcelona, 1985, pp.238-239)