teologia para leigos

30 de agosto de 2011

CONCÍLIO VATICANO II - SEU IMPACTO NA PARÓQUIA 2/2

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Por um laicado adulto


[na década de 70-80…]

O próprio sistema paroquial perdeu efectividade acabando, face às sociedades urbanas fluidas, por perder funcionalidade. O modelo tradicional da paróquia, diante da complexidade dos desafios pastorais, diante da carência de clérigos e das crescentes exigências da comunidade, tornou-se menos eficaz. Nas sociedades móveis, a espacialidade territorial joga cada vez mais um papel menor e vê crescer a autonomia electiva das pessoas no contexto de uma sociedade de múltiplas pertenças. Por outro lado, a sociedade pós-moderna favorece a atomização e o isolamento, erosioando a identidade pessoal com mil estímulos e mensagens. Daí a revalorização daquelas comunidades que permitam a comunicação inter-pessoal, o reforço da identidade grupal e a coesão interna. A unidade territorial desloca-se a favor da comunidade pessoal vendo-se forçada, a paróquia, a acolher comunidades de diversa índole. O programa de modernização e aggiornamento tem, diante de si, o desafio de passar do lugar geográfico à rede de relações, de passar à paróquia como plataforma de comunidades. O espaço administrativo e cultual fazia das paróquias centros de serviços religiosos, mas na sociedade actual tudo isso perdeu peso.

No que diz respeito ao protestantismo, esta dinâmica afectou as igrejas luteranas e reformadas. Ao contrário, as igrejas evangélicas (baptistas, metodistas, etc.) colocaram a tónica na conversão como sendo o específico da comunidade, num contexto de congregacionismo, e fomentaram a horizontalidade interpessoal. O protestantismo reagiu numa linha assistencial e de comunicação entre os paroquianos, abrindo-se a tarefas supletivas face à sociedade civil. A proliferação de clubes, associações e actividades tentaram compensar a diminuição das actividades religiosas. Esta dinâmica fora pacífica na medida em que a figura dos pastores estava mais próxima dos leigos, que a dos sacerdotes católicos. Desde a década de setenta que a imagem do ministro protestante se transformou, em detrimento da função tradicional do pastor como pregador e dirigente do culto, a favor de ministérios mais especializados e profissionais. Contudo, a maior inserção na sociedade gerou alguns problemas comunitários, sobretudo na sequência de tomadas de posição públicas sobre temas sociais e eclesiais controversos (a homossexualidade, os problemas sociais, a participação política, etc.), produzindo enfrentamentos e divisões entre os membros das igrejas.

No que concerne às bases da igreja católica, existe uma contradição entre a efectiva promoção dos leigos pelo concílio Vaticano II e a realidade dos factos. Os documentos realçaram a dignidade baptismal e a missão secular dos leigos, mas a praxis favoreceu os movimentos conservadores e reforçou a submissão à hierarquia como critério básico de ortodoxia. No catolicismo privilegia-se a hierarquia, na sociedade a participação individual e a competitividade: daí o choque interno entre cidadão e leigo católico. A escassez de tarefas e funções do laicado, sufocado por estruturas institucionais criadas num paradigma eclesial anterior, redunda na integração eclesial do leigo e favorece a fragmentação e a selectividade da sua identidade face aos valores e à doutrina oficiais. O futuro pertence ao laicado, facto que é cada vez mais verdade no protestantismo, menos nas igrejas ortodoxas e muito menos no catolicismo. A secularização da sociedade e a implicação crescente das religiões nos problemas políticos, sociais, económicos e culturais do mundo favorecem também o papel dos leigos. O futuro pertence-lhes, ainda que o seu protagonismo dependa duma reforma em profundidade das igrejas, ainda muito clericalizadas.

E, par e passo à questão dos leigos, está o desafio da maioria marginalizada e silenciada do cristianismo, as mulheres, as quais reclamam idêntico reconhecimento eclesial ao que lhes é dado na sociedade. O desafio que colocam é tão grande ou maior que o do laicado. Há que passar de um cristianismo patriarcal, de uma teologia machista e de uma maneira de entender a autoridade e o poder, claramente masculinas, a uma concepção mais integrada. O campo anglo-saxão é o mais reivindicativo quanto à promoção da mulher, quer na sociedade, quer na igreja. É urgente que os postos-chave do cristianismo contem com a presença feminina e que esta gere uma forma distinta de conceber a comunidade. Os problemas entre as igrejas e as mulheres têm-se centrado em torno do acesso da mulher ao sacerdócio, acesso proibido por Paulo VI (Inter insigniores, 1977) e recusado, igualmente, pelas igrejas ortodoxas. Nas igrejas protestantes existe mais pluralidade, incluindo a igreja anglicana, e a discussão actual já está em se se deve admitir ou não as mulheres ao episcopado.

Porém, a questão ultrapassa a questão ministerial. O que está em causa é uma outra forma de ser igreja, a partir duma transformação que é tarefa de todos e que não se pode fazer sem as mulheres. O maior protagonismo das mulheres na sociedade tem que se reflectir nas igrejas e as grandes insuficiências reflectem-se nas jovens gerações de mulheres, que, em boa parte, rejeitam a postura oficial das igrejas. Se é verdade que na sociedade civil ainda há diferença entre mulheres e homens que ocupam cargos de responsabilidade, o contraste, ao nível das religiões, é abismal, sobretudo no catolicismo e nas igrejas ortodoxas. Quando, em 1969, apareceu a primeira redacção da introdução ao Missal Romano, dizia-se que, se as leituras fossem proclamadas por uma mulher, esta não podia subir ao presbitério (portanto, ao ambão). Posteriormente, sublinhava-se que ela também não podia actuar como acólito na eucaristia (Inestimabile donum, 1980). A exaltação teórica do papel das mulheres no cristianismo contrasta com a igreja real, na qual, em todos os âmbitos, existe uma subordinação da mulher ao homem. Existe um choque entre a realidade eclesial e a realidade social, que estão para além das boas intenções e das doutrinas oficiais, o que exige uma reconversão institucional e doutrinal das igrejas sob pena de terem de assumir uma crescente perda de relevância social.

O velho modelo institucional, pastoral e teológico foi secundarizado por uma nova situação sociocultural e por uma nova teologia do sacerdócio. Daí a confusão entre teoria e prática, face à qual o modelo ministerial se encontra ultrapassado. O problema não poderá resolver-se simplesmente com uma nova teologia do sacerdócio ou do pastor. Obriga a que se mudem as estruturas institucionais e organizativas eclesiais, obriga a colocar em novos moldes o papel dos ministros - desde o Papa até ao Presbítero - a promover o protagonismo comunitário e a alterar a identidade e as funções dos leigos.


Juan Antonio Estrada, Historia del Cristianismo’, Vol IV, Ed. Trotta, pp. 455-457