teologia para leigos

28 de agosto de 2011

VATICANO, OPUS DEI E MÁFIA - A RELIGIOSA LAVAGEM DE DINHEIRO

Escândalos em Roma





Morte não esclarecida

A morte inopinada do ainda jovem papa dos trinta e três dias – fora encontrado morto na cama pela manhã – não é investigada, nem através de autópsia médica, nem através de inspecção policial. Não estranha, pois, que até hoje circulem os mais incríveis rumores. Sou instado, de todo o mundo, a dar a minha opinião sobre esta repentina morte, pelo que acabo por ter que redigir um papel que envio para o mundo inteiro e que termina com esta afirmação: aos da cúria – e alguns conheço-os pessoalmente – julgo-os capazes de tudo, mas, de assassinar um papa, não.

Outros, porém, dizem-no de modo diverso, como por exemplo, David A. Yallop, autor do best-seller ?Em nome de Deus? [original e tradução castelhana de 1984]. Cita-me, como testemunha, meia dúzia de vezes, nem sempre de maneira rigorosa. Mas, ele tem razão, claro, no que diz respeito às conexões entre o Vaticano e o mundo das finanças, incluindo a Máfia, facto que ele analisa detalhadamente. É o caso, sem dúvida, do várias vezes ministro e sete vezes primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti, tão influente quanto rodeado de escândalos, mas sempre com a melhores relações com o Vaticano; daí ser autor do livro Os meus sete papas. É a ele que se atribuem cumplicidades – inclusivamente de ter ordenado – o assassinato do jornalista de investigação Mino Peccorelli a 20 de Março de 1979, em Roma. Mas, como todas as declarações que os capos da Máfia fazem, como testemunhas principais, são classificadas como não fidedignas, G. Andreotti vai-se livrando dos processos judiciais. Nos finais de 2002 é condenado, em segunda instância, a vinte e quatro anos de cadeia por ter mandado assassinar aquele jornalista. Mas a sentença é revogada em Outubro de 2003 pelo Supremo Tribunal de Itália por falta de provas.

O Vaticano, que tanto gosta de pregar o direito e a justiça pelo mundo fora, não contribui, em absoluto, para o esclarecimento de delitos flagrantes, mesmo quando, a seguir ao inopinado óbito de João Paulo I, ocorrem, com ele relacionadas, novas mortes misteriosas, ainda por esclarecer. É o caso do suicídio (ou envenenamento?) num cárcere de Roma do ex-banqueiro e perito financeiro do Papa Paulo VI, Michele Sindona, o qual provavelmente foi aconselhado ao Papa pelo seu mentor, Andreotti: o siciliano, que já tinha sido condenado nos Estados Unidos por fraude bancária, pelos vistos também era um dos banqueiros da Máfia.



Imediatamente a seguir, vem a morte do «banqueiro de Deus», Roberto Calvi, director do Banco Ambrosiano, o maior banco privado de Itália, que, por causa do desaparecimento de mil e trezentos milhões de dólares, cai na bancarrota. Este banco, cujo nome homenageia Ambrósio, o mais importante bispo de Milão e doutor da Igreja (século IV), do qual foi sucessor o arcebispo Montini (mais tarde Papa Paulo VI), este banco goza de especial confiança por parte da Igreja, tanto da Hierarquia, como por parte dos fiéis. Calvi, tal como Sindona, é membro da tenebrosa e revolucionária loja secreta P-II, foi encontrado morto em Junho de 1982 – pouco antes de se ter tido conhecimento da falência do banco – enforcado por baixo da ponte Blackfriars, em Londres, com os bolsos cheios de pedras: suicídio ou, como não só a família de Calvi em Milão pensa, assassinado pela Máfia? Em quê, o Vaticano contribuiu para o esclarecimento destas mortes?


O banqueiro Monsenhor Marcinkus: encoberto pelo Vaticano

Colaborador activo das arriscadas operações financeiras de Calvi, envolvendo dúzias de «bancos fantasmas», é o Banco do Vaticano, o Instituto das Obras Religiosas (IOR), que também em 1982, sem reconhecer a mínima das culpas, reúne duzentos e quarenta milhões de dólares para livrar de responsabilidades, perante os tribunais, o Vaticano, enquanto accionista principal do Banco Ambrosiano, o qual administrava e malbaratava o dinheiro de inúmeros fiéis católicos. É a ruína moral do Vaticano.

O interlocutor directo de Calvi, no Vaticano, era um padre norte-americano de mais de um metro e noventa de altura, o qual, após trabalhar em primeiro lugar na Secretaria de Estado e, depois, ser o eficaz organizador das viagens e dos guarda-costas («gorilas») de Paulo VI, a quem em Manila salvou duma punhalada, foi nomeado bispo titular em 1968 e, por fim, sem ter experiência bancária alguma, conseguiu converter-se, primeiro, em secretário e, depois, em 1971, director do Banco do Vaticano e no norte-americano mais poderoso da Cúria: monsenhor Marcinkus, de Chicago, de origem lituana.



Lembro-me muito bem dele: na primeira Missa do meu amigo Robert F. Trisco, igualmente, da arquidiocese de Chicago, celebrada, durante o meu último ano de estudos em Roma, na Igreja de St. Agnese, oficia como diácono, sendo eu sub-diácono. Volto a vê-lo durante o Concílio. Uma bela tarde virá tomar um copo na nossa residência com os bispos e peritos norte-americanos. Logo este Marcinkus, um entusiasta do golfe e do ténis, é que terá, segundo contam os seus amigos, que responder por Paulo VI, quem, imprudentemente, tinha investido enormes somas de dinheiro no banco da sua antiga arquidiocese milanesa. O que é certo é que ele mesmo tinha passado cartas de recomendação ou de conformidade (letters of comfort) a favor do Banco Ambrosiano, quando a bancarrota era já previsível.

Daí que a promotoria do Ministério Público de Milão emita uma nota de ordem de prisão contra Marcinkus. Ele reside oficialmente numa casa de padres em Roma, mas ilude a detenção refugiando-se no Vaticano, onde passará a viver sob sigilo. O Vaticano nega-se a extraditá-lo! Depois de um longo braço de ferro com a Justiça italiana, uma muito controversa decisão por parte do Tribunal de Cassação italiano – apelando aos acordos de Latrão – confirma, finalmente, a imunidade aos funcionários do Vaticano, mesmo para delitos cometidos em território italiano! Em Itália, quem terá coragem para fazer frente ao poder da Igreja? Nem sequer os tribunais. No começo da década dos anos noventa, Marcinkus pôde regressar aos Estados Unidos. Como me confirmam em Novembro de 2005, em Fénix (Arizona), por ocasião duma conferência, ele vive na colónia dos jubilados Sun City, precisamente ao lado dum campo de golfe. Após três anos de investigações, a promotoria do Ministério Público de Roma torna público um relatório, em 2003, dando como previsível que comece em 2005 um julgamento pela morte de Calvi. Porém, a possível testemunha Marcinkus é encontrada morta na sua casa de Fénix, na tarde de 20 de Fevereiro de 2006, com oitenta e quatro anos de idade.

Ainda que diversos promotores do ministério público de diversos países o tenham requerido, Marcinkus nunca foi interrogado, nem no que diz respeito a lavagem de dinheiro, nem por causa da criação de empresas-fantasma, acerca da falência do Banco Ambrosiano ou acerca das relações com a morte de Calvi. O laureado jornalista britânico John Cornwell, um dos poucos jornalistas que teve largas conversas com Marcinkus e entrevistou inúmeros amigos e inimigos do prelado, disse não ter encontrado «prova alguma de que Marcinkus fora um dos assassinos de João Paulo I ou de Roberto Calvi»: «Mas, isso sim, o que é evidente é uma opinião muito amarga acerca dos «homens bem vividos», estreitamente ligada a um subtil e ‘casuístico’ critério de ética empresarial (por contraposição a um critério ‘responsável’)». [‘Marcinkus: the man I knew’: The Tablet, 25 Fev. 2006]

Marcinkus reconheceu, diante de Cornwell, ter retirado quantias da caixa de pensões do Vaticano para se livrar de responsabilidades no caso do Banco Ambrosiano. Isto faz-me recordar um comportamento financeiro parecido por parte de um magnata britano-checoslovaco das finanças (e presumível agente dos serviços secretos israelitas, a Mossad) Robert Maxwell. Levou-me a reparar nele, o director do semanário «Die Zeit», Theo Sommer, durante o Fórum Mundial de Economia de Davos: «Se quer ver um bom exemplo de homem com uma dívida de mil milhões de dólares, olhe ali: está sentado na mesa ao lado». Não muito tempo depois, em Maio de 1991, Maxwell cai do seu iate de luxo no mar Mediterrâneo, de modo misterioso (ou será empurrado borda fora pelos serviços secretos israelitas da Mossad, temendo que revele segredos?) e, curiosamente, ninguém o socorreu, nem o resgatou das águas.


o Vaticano e a lavagem de dinheiro...

Uma história interminável: a 5 de Julho de 2006, o influente e abastado financeiro Gianmario Roverado, considerado «simpatizante da Opus Dei», é sequestrado em Milão, quando se dirige para uma reunião do Opus e, duas semanas mais tarde, é encontrado morto perto de Parma. Simultaneamente, um tribunal de Roma faz avançar o processo da morte de Roberto Calvi, no qual, entre outras coisas, o presidente honorário do grupo de comunicação social «Expresso» declara que Calvi suspeitava que existia uma conjura contra ele e que inclusivamente ele, Calvi, tinha mandado colocar, nas janelas da sua casa de Roma, vidros anti-bala na hipótese de um eventual ataque de helicóptero. Principal acusado: o antigo correio (porta-mensagens) de Calvi, Flavio Carboni, a sua ex-noiva, Manuela Kleinzig, de Kärnten (Áustria), o tesoureiro da Máfia Pippo Caló e outros mafiosos.

Algum dia se esclarecerá a misteriosa nuvem que rodeia as relações entre o Vaticano, a Opus Dei e a Máfia?



João Paulo I, o Papa dos 33 dias... «o Papa sorridente»



Para mim, este escândalo sem precedentes contrasta extraordinariamente com o zelo com que seguem o meu «caso». A morte de Calvi e alguns outros acontecimentos (por exemplo, o assassinato igualmente não esclarecido do comandante da Guarda Suíça e a sua mulher por um dos guardas, que depois se suicida) levanta-me dúvidas de se não haverá gato escondido com rabo de fora na morte de João Paulo I. Seja como for, depois do seu óbito, o Vaticano põe a circular uma mentira piedosa: o Papa havia morrido com o devocionário tardo-medieval de Tomás de Kempis De Imatione Christi, a ‘Imitação de Cristo’, sobre a colcha da cama. Directamente do entourage do arcebispo de Milão, ou seja, de fontes próximas do cardeal Giovanni Colombo, o melhor amigo de Luciani no colégio cardinalício, ouço o seguinte: na tarde que antecedeu a sua morte, à última hora, João Paulo I chamou Colombo e disse-lhe: «Apertam-me por todos os lados». De facto, o Papa quando morreu tinha sobre a colcha da sua cama uma lista de nomes importantes para nomeações com as quais ele não estava de acordo. Quiçá tenham sido as decisões que deveria tomar, no que dizia respeito a pessoas em concreto (supostamente, estaria também a pensar na destituição de Marcinkus), que se tenha tornado numa carga que constrangesse o Papa, pessoa a todos os títulos sensível… Quem sabe? A morte por paragem cardíaca do cardeal Döpfner, que tinha mais ou menos a mesma idade de João Paulo I, alguns a a atribuem a uma sobrecarga psíquica.

Em qualquer caso, muitos viram em João Paulo I uma esperança de uma Igreja mais próxima dos homens na linha do espírito do Vaticano II. E eu estou convencido de que, com esse papa, dificilmente algo de mal me aconteceria a mim. Mas… há que eleger um novo Papa. E, depois das dificuldades havidas na eleição de Albino Luciani, isso será ainda mais complicado.

Hans Küng, Verdad Controvertida – Memorias, Trotta, 2009, pp. 545-549