teologia para leigos

10 de agosto de 2011

A PASTORAL DO ESPECTÁCULO EM QUESTÃO

Algo (in)Significante


Taizé- chegada


Introduzindo

As instituições da Igreja Católica, sociologicamente maioritárias, que estão no continente europeu, atravessam uma das suas maiores crises de sempre, sobretudo pelo já longo tempo que tal crise leva. Podemos dizer que essa crise tem a ver com a sua identidade intrínseca, com aquilo que ela sabe (ou não sabe) e quer (ou não quer) ser: ou seja, com a sua Identidade e com a sua Missão. Podemos dar exemplos que fizeram (e ainda fazem) açoitar a nossa crença na instituição: desde a quase esquecida ‘questão da pílula’, exemplo de usurpação papal do poder-colegial (Humanae Vitae, 1968), passando pela já quase esquecida ‘questão dos dinheiros’ (do Vaticano-Banco Ambrosiano-Máfia, dinheiro dos Santuários e bispados), até à bem recente ‘questão pedófila’ (de todo enfrentada e continuadamente encoberta), sem esquecer, de passagem, dois aspectos mais: os ataques ao espírito do Concílio Vaticano II comandados pelo próprio Papa Bento XVI (caso «Fraternidade de S. Pio X», que me parece uma ‘propositada desatenção envenenada’ por atingir precisamente o coração do «mistério da eucaristia»; cf. o ridículo em ‘A Luz do Mundo’, Ed. Lucerna, cap. 12 e as 3 primeiras perguntas, pág. 121-124); e a progressiva «desertificação católica» (cerca de 27% de ‘paróquias sem padres’ na América do Norte, tal como nalguns países da Europa).


Estes dois aspectos – identidade e missão – surgem, aos olhos dos observadores (crentes e não crentes), sob a forma de modelos sociais, os quais, evidenciando aquilo que se usa chamar ‘pastoral’, pressupõem, ao mesmo tempo que ocultam, um substrato espiritual, aquilo que se usa denominar por ‘espiritualidade’. A espiritualidade constitui a razão da fé no modelo pastoral a que está ligada.

50 anos após a abertura do Concílio Vaticano II, os tempos que actualmente correm estão marcados por alguns traços originais, que datam de há cerca de 20 anos, de entre os quais se destaca: a emergência de massas católicas empolgadas. Numa época dominada pelas tecnologias de informação, tal fenómeno tende a ocupar de tal maneira o espaço social católico, que é praticamente inglório o esforço de ‘trazer à luz’ as experiências minoritárias ou marginais. Tal como acontece com os media não confessionais, os media eclesiais e eclesiásticos tendem a ser «o braço longo» do poder e, simplesmente, as outras experiências (não mediáticas e minoritárias) deixam de o ser e de existir, trituradas que são pelo bulldozer das «massas católicas empolgadas».

Este tipo de pastoral – pastoral emocional, contagiante, espectacular, mediática, visual, sensacional –  que, depois do interregno do Concílio Vaticano II volta agora em força com João Paulo II e Bento XVI – («cristianismo de massas») – tem-se manifestado de duas formas: sob a forma de «multidões anónimas» e sob a forma de «multidões organizadas».

A primeira, assenta numa metodologia que parte dum princípio de desconfiança, o de que as multidões não são totalmente de fiar, não são credíveis, são realidade muito desejada mas indomada, ainda que em si não sejam agentes autorizados: necessitam de uma autoridade exterior que credibilize de cima para baixo e organize de fora para dentro. Plasmam-se em manifestações de religiosidade popular com forte carga afectiva e pobre carga teológica ou doutrinal. É o caso das Jornadas Mundiais da Juventude, é o caso do alemão Katholikentag, dos ‘Anos Santos’, é o caso da recepção às Visitas Papais, dos Congressos Eucarísticos e Marianos, é o caso das Peregrinações aos Grandes Santuários (Fátima, Lourdes, Santiago de Compostela, Czestochowa, Guadalupe, Saragoça, etc.).

A segunda, ousa acreditar que é possível acolher as «massas» crentes e trabalhá-las, sempre no respeito pela realidade que significam – «multidões de procuradores». É o caso, p. ex., de Taizé.

As metodologias de trabalho têm de ser, forçosamente, distintas.
E são-no em dois pontos: o ritmo e o tema.


Quanto ao ritmo

A primeira privilegia a aceleração, a velocidade, o zapping. Usa as ferramentas do ‘entretenimento’, as mesmas que o marketing usa, com acelerações descontinuadas. Pode nem chegar sequer a ser sintética. Dá uma imagem de ‘inclusiva’, ainda que não evitando o fenómeno «salada russa».
A segunda é, em sua essência, lenta e progressiva, marcada pela interrogação, travada pela tensão da dúvida. Pode ser pesada, custosa, dando a sensação de que não se sai do sítio. Numa percentagem significativa, possui traços analíticos que diferenciam, porque questionam. Pode ser apontada de excludente, quando, na realidade, o que faz é trazer à luz do dia (sem desrespeitar) as ‘escolhas’ individuais, as ‘opções’ pessoais; esta metodologia será sempre ‘apontada’, mas por pôr em evidência aquilo que cada um quer ser ou não quer deixar de ser.






Quanto ao tema

Na primeira, o tema é o ‘ego’, a estima pessoal, o coração. Transforma as pessoas em íntimos, em unidades, em mónadas: o seu eixo passa pelo centro de cada indivíduo. As questões são deste tipo: como me hei-de salvar a mim mesma? Que caminho interior? Que decisão interior? Que ferramentas espirituais me são apropriadas a mim? Qual o estado da arte do encontro? Que iniciação devo seguir? Como resolver unitariamente as contradições? A que guru me acolher? «Que morada me irá receber? Em que vale encontrarei o meu porto? Em que bosque criarei o meu lar[William Wordsworth, epígrafe in ‘O Tesouro Escondido’, JT Mendonça, Paulinas]

Na segunda, o tema é um pedido de ajuda externa: «Donde sopra o vento?» «Para que margem devo remar?» «Devo desistir ou insistir?» «Há mais mundo igual ao meu para lá do meu mundo? Onde?» «Quem me pode salvar?» «Com quem me hei-de salvar


Desenvolvendo (a partir da Bíblia e não só…)

Quanto ao ritmo, aquilo que a Bíblia me ensina é que a velocidade é incompatível com o Deus revelado na história do Povo de Deus. Porém, quem já viu o filme «Dos Homens e dos Deuses» [Realização: Xavier Beauvois, http://www.trailers.com.pt/dos-homens-e-dos-deuses/] aprendeu que a lentidão de dentro do Mosteiro não o é apenas por oposição à dinâmica, histórica ela também, do ambiente agitado fora do Mosteiro [Tibhirine, Argélia]. A mesma lentidão de dentro (do Mosteiro de Tibhirine) ocupa também o centro do relato de ‘Elias no Horeb e a brisa suave’ [1 Rs 19:11-12] e este por oposição aos acontecimentos céleres: prisão, encadeadamento e execução de João Baptista [Mc 6:27 - «sem demora»]. Ou a narrativa da cura e conversão do general sírio, Naaman [uma lentidão que ocupa todo um capítulo e que até tem como ‘catequistas’ servos não-crentes; 2Rs 5:13] por oposição ao precipitar de todo o processo contra Jesus [Mateus 26:47-75;27:1-26].

Quase que apetece concluir que a velocidade é mortal, ao passo que a lentidão é teofânica. Na Pastoral também deveria ser assim – a lentidão, como respeito pela dignidade de todos os processos de aproximação, acolhimento e conversão, é o veículo adequado para aceder a Deus [cf. o general sírio, Naaman]. Na agitação dos fenómenos, Deus nunca está [1 Rs 19:11; cf. Mc 13:21-23; espectáculo, suspense, «sinais e prodígios são só para vos enganar»; cf. Lc 17:22-26: «não sigais o brilho ofuscante dos sinais prodigiosos; primeiro vem o testemunho e a tua consequente rejeição pelo mundo»]. Cuidado com o encantatório Belo! Só se for o ‘belo do Servo de Yahvé’ [Isaías 52:15; «os reis ficarão boquiabertos ao verem coisas inenarráveis e ao contemplarem coisas inauditas»]. O tranquilizante Belo que por aí se prega é soporífero, anestésico, distracção face à realidade, ópio do povo.

Quanto à recepção das multidões e seu acolhimento condigno, há, no AT, um relato histórico que é paradigmático – Neemias 8:5-12 – e que nos versículos 7 e 8 nos dá uma lição enorme: «Jesua, Bani, Cherebias, Jamin, Acub, Chabetai, Hodaías, Massaías, Quelitá, Azarias, Jozabad, Hanan, Pelaías e os outros levitas explicavam a Lei ao povo, e cada um ficou no seu lugar. E liam, clara e distintamente, o livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de modo que se pudesse compreender a leitura.» Na Pastoral do século XXI não se pode recuar a antes da «organização» de Neemias 8… Seria uma vergonha! O mesmo acontece com o relato de Marcos 6:34-44 sobre os cinco mil que são alimentados por Jesus: «Ordenou-lhes que os mandassem sentar por grupos na erva verde. E sentaram-se, por grupos de cem e cinquenta.» - belo exemplo de como é indispensável organizar as multidões! O mesmo acontece em Taizé: é possível acolher multidões de modo personalizado! O mesmo aconteceu com sucesso a Paul Wess (1936-), vigário paroquial e professor de Teologia Pastoral na Universidade de Innsbruck,numa tentativa de reorganizar uma paróquia recém-estabelecida, em moldes diferentes: uma Igreja-Communio assente no sacerdócio comum dos fiéis e não no anonimato das multidões.



Não existem razões para desconfiar das multidões, nem muito menos pode haver espaço para a manipulação mediática das multidões crentes. Desconfiemos, isso sim, da capacidade dos que desconfiam! A sua desconfiança alicerça-se no medo…

Quanto ao tema, o ‘ego’ funciona como a cama de Procrustes, um instrumento estúpido. Entregue ao teu ‘ego’, torturas-te ou viras Narciso! Não te salvas. No entanto, a linha espiritual do projecto “Grão de Mostarda”, nomeadamente os ‘Pensamentos em Busca’, as obras mais recentes de Anselm Grün e, mais recentemente, o livro do padre JT Mendonça, ‘O Tesouro Escondido’, parecem enveredar por essa via: são incalculáveis as vezes que as palavras ‘interior’, ‘alma’, ‘coração’, ‘Deus’, ‘amor’ surgem nessa obra (ao contrário da palavra ‘Jesus de Nazaré’). O título e o sub-título ecoam duplamente esta deriva intimista da fé: ‘O tesouro escondido – Para uma arte da procura interior’. Estas iniciativas, que surgem no panorama português, dão a ideia de que é desejável uma espiritualidade baseada SOBRETUDO no evangelho de João, nas cartas de Paulo, na experiência dos monges do deserto ou no hesicasmo:


Ou, então, nos “Relatos de um peregrino russo ao seu pai espiritual” [ed. Paulinas], que nos são apresentados como «lição maravilhosa e necessária», como «trabalho da mente» sob «abstinência espiritual»:


Da mesma colecção «Poéticas do Viver Crente», Carlos Maria Antunes, monge da Ordem de Cister, Sobrado dos Monxes, com o seu testemunho intitulado «Atravessar a própria solidão» (Ed. Paulinas), [http://www.snpcultura.org/atravessar_a_propria_solidao.html], ficamos, no mínimo, confusos: «Mais do que estar só, interessa-me aqui o ser só.» «Quando nos decidimos a ir por dentro de nós…» «começamos a estar conscientes de que a vida se nos está a escapar, a passar ao lado. É então que nos aventuramos na nossa própria solidão.»…

Pergunta José Maria Mardones: «Acaso, a única solução consiste numa espécie de religiosidade escapista e compensadora da frustração e da impotência face à dureza do sistema e seu ritmo acelerado?» [‘Adonde va la religión?’, Presencia Social, 1996, p.61] E continua: [hoje] «Nada de “evangelhos sociais”, só a expansão mística da consciência. [tudo isto] Soa a evasão…». «Necessitamos de uma religião mais sensível à história concreta dos homens, atenta ao clamor dos homens, hoje, e à força do Espírito que atravessa o nosso tempo.»

Contra esta maré têm-se imposto, entre outros, Frei Bento Domingues, OP, a Fundação Bethânia [Manuela Silva], a Comunidade de Taizé,  Anselmo Borges [Colóquios de Valadares, ‘Igreja em Diálogo’], o teólogo Juan Ambrósio [UCP, Lisboa], todos eles sob o signo de «A Arte de interrogar».

Os que optarem pela «arte da busca interior» encontrarão uma bandeja securizante cheia de ‘Deus’, de êxtases e de sentimentos ‘íntimos’ presumíveis dum modelo de sobrevivência individualista de trincheira, mas num claro fechamento ilusório face à modernidade (pietismo dos novos tempos impotente diante da subida da direita católica em todos os palcos da política europeia, como o está a ser também em Portugal – vide: Assunção Cristas et al). Convém lembrar: «A trave dos nossos olhos é o nosso ego.» (…) «O nosso ego faz de todos nós uns hipócritas.» «Olhando sinceramente para nós próprios, poderemos descobrir que somos quase todos, pelo menos ligeiramente, neuróticos.» «O ego é malandro e astucioso, tenta ocultar-nos…»  «O ego é completamente incapaz de sentir gratidão.» [Albert Nolan, ‘Jesus Hoje – uma espiritualidade de liberdade radical’, Paulinas, 2009/2ª, p.150.151.152.157] Será, então, possível encetar a nova evangelização a partir de materiais tão traiçoeiros como o da «arte da busca interior» privilegiando o ego?

Os que enveredarem pela «arte da interrogação» [Êxodo 3:13 - ‘Como Te chamas?’; Génesis 4:9 - «Onde está o teu irmão?»; Lucas 10:26 & Actos 8:30b - «Como lês?»] deparar-se-ão com o terreno movediço do ‘desajustamento’ introduzido pelo Deus de Jesus de Nazaré (consequência de eventuais mudanças de paradigma), o único capaz de possibilitar uma abertura com futuro às questões decisivas do tempo presente (cf. a resposta do Senhor a Moisés – evitando a tentativa de apropriação de Deus por parte de Moisés, o Senhor auto-nomeou-se assim: ‘EU SOU o que SEMPRE estarei ao vosso lado’ [Ex 3:14]; o mesmo acontecerá mais tarde com a “ressurreição”, ao introduzir a rotura decisiva no quadro mental do pensamento judaico e helénico sobre a Morte e o para lá da morte; o mesmo se exprime, igualmente, numa insegurança sob a forma de insensatez de quem se quer manter distante, asséptico e incontaminável diante da ‘perturbação da fé’: 1 Cor 15:35ss e João 9:21: «querer saber como foi é insensatez» e «como foi não sabemos, só sabemos que aconteceu»). Só numa Comunidade que interroga [Lucas 19:3 - Zaqueu «procurava»] se adquire um coração agradecido [Lc 19:9: «hoje a salvação ‘aconteceu’ nesta ‘casa’»]. Só os pobres podem estar agradecidos, pois, não tendo nada, só podem tudo esperar de Deus [Lc 6:20; Mt 5:3]. Fora duma Comunidade, a nossa Oração pode resvalar para o consolo – cuidado com os espaços de oração seleccionados pelos nossos estreitos critérios pessoais, sem preocupação pela ‘comunhão universal’, excludentes da denúncia estrutural [cf. Lc 18:10-12; não tenho dúvidas nenhumas que o fariseu saiu de rezar “com tudo em cima”, com sua auto-estima e ego fortalecidos; porém, Deus foi perfeitamente indiferente a esses pormenores da psicologia pessoal; Deus deixou-o pura e simplesmente entregue a si próprio – o olhar de Deus acompanhou o ‘socialmente excluído’, o cobrador de impostos, o marginalizado].

Só uma postura interrogante e disruptiva evita as perguntas religiosas inúteis, tão actuais como a do apócrifo judaico 4Esdras 7,46[116]-49[119] do séc. I dC, (in Armindo dos Santos Vaz, ‘O sentido último da vida projectado nas origens’, Ed. Carmelo, 2011, p. 316):

«Teria sido melhor se a terra não tivesse produzido o ‘adam ou, então, quando o produziu, o tivesse impedido de pecar. Pois, que interesse tem para todos viver agora em penas e esperar castigo depois da morte? Ó ‘adam, que fizeste?»

Os outros, os que optarem pela «arte da busca interior», esses navegarão no pântano espiritual dum Jean-Sebastien Monzani [«Your secret», a movie about you: http://vimeo.com/12890334] sem saber bem como saltar daí para as Fontes (bíblicas, Lc 24:27]) e para a Comunidade [O Caminho de Emaús, Lc 24:33] que os salve [Lc 24:34].
Ou, pura e simplesmente, inebriados por uma busca obsessiva de Deus, fascinados pela sua Omnipotência Salvífica e sua Transcendência (esquecendo a sua Omni-Misericórdia), nunca enxergarão que a Transfiguração foi desilusão quanto a experiências místicas descarnadas das lutas sociais e políticas, a qual não é outra coisa senão um «abanão para que abram os olhos para o mistério da realidade concreta do aqui de baixo» (e não para outra qualquer) [cf. Mt 17:8 - abriram os olhos «e apenas viram Jesus e mais ninguém»]. Os que só são capazes de se encantarem pela Omnipotência Salvífica de Deus nunca tirarão as mais fundas consequências do Juízo Definitivo [Mt 25:37-46]. Enredados na cardiologia do (seu) ‘ego’ e numa espiritualidade vaga e poética tristemente inspirada num falso dilema «Deus-cebola vs. Deus-batata», «serão afastados da vida eterna»; permanecerão «no suplício eterno» [v.46] que só o (seu) ‘ego’ sabe infligir, de olho atento ao saldo das suas contas bancárias...




 
Concluindo - A arte do Encontro com a Boa-Nova de Jesus… e não com a ‘religião’

«A questão dos cristãos de hoje e, por conseguinte, da Igreja é a da transição de uma Igreja de massas, sintonizada com a sociedade e a respectiva cultura profana e homogénea envolvente [cf. a estratégia e a aposta da Hierarquia nos Partidos Democrata-Cristãos, nas Te-Vês Católicas, nas Universidades Católicas] para uma Igreja como comunidade de crentes, a qual, através duma opção pessoal e livre de fé se distancie da mentalidade e do comportamento comum da envolvente social, encontre e defina, de um modo próprio, a dimensão teológica da fé, eventualmente, através duma relação crítica face à sociedade e face aos seus poderes dominantes.» [Karl Rahner, ‘Cambio estructural de la Iglesia’, Cristiandad, Madrid, 1974, pp.30-31]

Uma das questões centrais – velhinha questão! desde Karl Barth [‘Dogmática Eclesial’] – é a seguinte: «é a religião que deve servir de critério ajuizador da revelação ou, pelo contrário, devemos interpretar a religião seja que religião for a partir da revelação?» [José María Castillo, ‘El gran viraje de las teologias protestante y católica: el Concílio Vaticano II’, in «Historia del Cristianismo», Coord. Francisco J. Carmona Fernández, Vol IV, Ed. Trotta, 2010, p.387]

«A crise é o momento privilegiado para se fazer a experiência da força salvadora de Jesus. É o tempo privilegiado para alimentar a fé, não à custa de tradições humanas, apoios sociais ou devoções piedosas, mas à custa duma adesão vital a Jesus, o Filho de Deus.» [José Antonio Pagola]


Às multidões “empolgadas e organizadas” (convém também dizê-lo: para certos camadas etárias elas desempenham um papel muito útil na descoberta progressiva da dimensão festiva, alegre e comunitária da Fé) devemos, à chegada, ‘pôr a mesa’ da «COMUNIDADE dos SEGUIDORES de JESUS» (Comunidade cristã-com–escala), porto de abrigo, «lugar de estudo», esperança centrífuga, encontro confiante,  maturação de compromissos, ombro de paciente sustentação, casa da «partilha», lugar da gratidão, ‘Mesa Comum’.

A já clássica afirmação de K. Rahner [Escritos de Teologia, Vol VII, Madrid 1967, p.25], de que «o cristão do futuro ou será um «místico», isto é, uma pessoa que «fez a experiência» de algo ou não será cristão» carece, hoje em dia, de ser re-dita – a Fé, em Jesus Cristo, ou passa pela adopção e defesa empenhada dos anseios dos frágeis, dos «pobres», do povo [na linha de Carlos Mesters, G. Faus], dos espoliados pelo ‘sistema’, ou apenas constará dos tratados de História como facto sociológico sem chama histórico-profética.

Diante da «arte da busca interior» está a «arte da interrogação e do clamor». Uma insignificância?

Em alternativa, como escreveu Thomas Merton ao seu amigo o padre Ernesto Cardenal (condenado por João Paulo II): «Será que teremos de estar num campo de concentração para que acedamos à verdade?» [Correspondencia 1959-1968, Ed. Trotta, 2003, p 109]

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