teologia para leigos

1 de agosto de 2011

JESUS É DEUS TRANSCENDENTE?

«Deus, Cristo e os Pobres.
Libertação e salvação na fé à luz da Bíblia»


A «religião ao poder»... O regresso do poder do religioso-não-bíblico.


Como se pode perceber ao longo deste livro, o conflito na Teologia da Libertação baseia-se num pressuposto fundamental que ambas as partes reconhecem, mas do qual tiram conclusões contrárias. Se o um e o mesmo Jesus Cristo é verdadeiramente ser humano e verdadeiramente Deus, há duas possibilidades. Ou ele é visto prioritariamente como o Deus que permaneceu transcendente e que salva (Clodovis Boff), ou ele é visto como aquele ser humano em que Deus se tornou o irmão de todos, especialmente dos pobres, passou a ser igual a eles e assim os salvou (os teólogos da libertação criticados por Clodovis Boff). Wess, Paul: DEUS, Cristo e os Pobres. Libertação e Salvação na Fé à Luz da Bíblia. Apresentação: João Batista Libanio. Tradução do alemão: Monika Ottermann. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2011. www.nhanduti.com. 23x16 cm, 208p. ISBN 978-85-60990-12-2.


Segundo uma certa doutrina tradicional, mas não bíblica, Deus tornou-se ser humano para que o ser humano se tornasse Deus. Isso impossibilita explicar a transcendência de Deus e a importância que a fé nesse Deus-maior possui para a esperança na salvação e para a moldagem de uma prática social libertadora.

A teologia pode ser substituída por uma antropologia "platonizante" idealista, na qual Deus ainda é sinônimo para o futuro do ser humano, mas já não é o fundamento maior permanente e o Senhor dele. Por isso, em sua crítica a essa "viragem antropológica" na teologia moderna (C. Boff 2007, 1009), Clodovis Boff percebe algo que é correcto, mas não vai suficientemente longe. Ele assume os mesmos pressupostos dogmáticos em vez de questioná-los e corrigi-los numa releitura da cristologia bíblica. É sintomático que ele se refira somente a uma "transcendência da fé" ou mais generalizadamente à "transcendência" que é a "parte menor e menos relevante" na Teologia da Libertação (ibidem, 1005), mas não da transcendência de Deus acima da criação e dos seres humanos.

O Deus transcendente e o ser humano a ser salvo não podem se tornar iguais, nem mesmo por graça. Isto se aplica também a Jesus Cristo. Por isso, Jon Sobrino enveredou em sua cristologia e soteriologia pelo caminho certo, na medida em que rejeitou a transferência de atributos divinos ao ser humano Jesus Cristo. Ele permaneceu contraditório, porém, na medida em que supôs, ao lado desse Cristo humano, um Cristo divino, segundo o dogma de Niceia (cf. Cap. 5). Uma reorientação do pensamento nesse ponto permitiria também uma melhor consideração das possibilidades humanas limitadas e da inevitabilidade do sofrimento numa criação que é limitada e ainda está passando pelas dores do parto.

Um regresso à visão bíblica da transcendência inabolível de Deus também acima de Jesus Cristo, bem como da salvação através da reconciliação com a finitude da existência a caminho da plenificação esperada de Deus poderia provavelmente ajudar a solucionar a "contenda entre irmãos" na Teologia da Libertação. Além disso, seria um grande desafio para o magistério que também precisaria mudar seu pensamento nessas questões. Esse regresso à fé bíblica e à sua releitura seria pelo bem da teologia e da igreja, e assim também e principalmente pelo bem das pessoas pobres. A libertação delas é a preocupa­ção compartilhada por ambas as partes do conflito e oxalá as unirá em breve.

Afinal, a opção pelos pobres não é apenas o tema de uma "teologia de segunda ordem", separada como um campo parcial secundário ou uma mera aplicação de uma "teologia de primeira ordem" que iniciaria com Deus e a partir da qual todo o resto poderia ser deduzido. Esta é a posição de Clodovis Boff criticada por Weckel e Aquino Júnior (Weckel, 13-16; Aquino Júnior, 82-104).

Deus é e permanece transcendente para o ser humano - também para Jesus Cristo - e nesse sentido precisa ser o "tema" mais importante dentro da teologia que é uma. Por isso, podemos falar dele somente quando partimos do ser humano e interpretamos, retroactivamente e no modo de busca, nossas experiências em relação a Deus como o fundamento de nossa existência. Se passarmos ao largo dos seres humanos concretos e da história da salvação, não teremos acesso a Deus.

Emprestando as palavras de Aquino Júnior: "O Deus bíblico revela-se como Deus dos pobres e dos oprimidos (embora ele seja mais do que isto)" (Aquino Júnior, 99s). Por isso não existe, no sentido bíblico-cristão, uma "teologia de primeira ordem" ou uma "teologia da fé" (cf. C. Boff 2007, 1006) antes ou acima da Teologia da Libertação como uma "teologia de segunda ordem" que tratasse dos seres humanos e preferencialmente dos pobres. Existe apenas uma única teologia, e esta sabe da transcendência de Deus e, por isso, parte do modo histórico-concreto das experiências humanas, especialmente daquelas que se tornaram possíveis graças à vida e obra de Jesus e que devem ser testemunhadas numa prática adequada - numa prática libertadora.



[in Wess, Paul: DEUS, Cristo e os Pobres. Libertação e Salvação na Fé à Luz da Bíblia. Apresentação: João Batista Libanio. Tradução do alemão: Monika Ottermann. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2011. http://www.nhanduti.com/, p. 196-198].