«ESPÍRITO COM DUAS ASAS»
“É fácil
levar Jesus no peito, [na T-shirt];
difícil é
ter peito, coragem para seguir Jesus”.
Há
pessoas que atraem mesmo de longe, porque são lampejos de esperança em um mundo
mercantilizado e em uma
Igreja que tenta sair do inverno. Uma dessas pessoas é Pedro
Casaldáliga, profeta envolto em poesia, cujas palavras sobre a
sinodalidade, o papel da mulher, a colegialidade, a corresponsabilidade, a
alegria, ditas em Abril, parecem ter sido ouvidas pelo Papa Francisco.
Em
seus olhos penetrantes e coração grande que se exterioriza em braços compridos
e mãos expressivas que parecem desprender-se do seu corpo pequeno. O irmão
Parkinson mantém-no preso em casa, mas as numerosas visitas e os abundantes
correios, sempre respondidos, mantêm o seu coração cheio de nomes e vida.
Saímos
ao seu encontro, de Santander, Ernesto Bustio, padre caminhante de múltiplos
caminhos e acolhedor de peregrinos, e eu. Em Madrid nos uniríamos a José Centeno,
padre casado que não cansou de percorrer e abrir sulcos com sementes de
compromisso social e eclesial. Também nos esperava no aeroporto, para viajar
conosco, Maximino
Cerezo (Mino), claretiano assim como Casaldáliga e amigo seu desde
os tempos de juventude.
O
Concílio Vaticano II empurrou-os para a América Latina como missionários
claretianos. Um deles, depois, viria a ser bispo no
Mato Grosso, na Prelazia de São Félix, e o outro faria um grande
trabalho de conscientização como pintor (é conhecido como o pintor da libertação) enchendo de murais diversas
catedrais e Igrejas do Brasil, Nicarágua, Bolívia e outros países
latino-americanos. Casaldáliga, impregnado de um Jesus Salvador que ilumina sua
pastoral libertadora, e Cerezo, plasmando, em belas pinturas, caminhos de
libertação (...).
Dali
nos dirigimos à casa onde mora Pedro com a pequena
comunidade de agostinianos: Paulinho,
José Luís, agostiniano da Bolívia, e Joan, estudante de teologia que está fazendo
uma parada no caminho, um tempo de pastoral e cuidando de Casaldáliga. Funde-se
em um abraço terno e acolhedor com cada um de nós. Mostra-se com o encanto do
ancião cheio de bondade que desfruta dos seus. Nem sequer o Parkinson lhe tirou
a força aos seus braços (...).
Com o barulho de galos ao fundo e o canto
dos pássaros começamos a entrevista.
A
entrevista a Pedro Casaldáliga é de Avelino Seco e publicada no sítio espanhol Religión Digital,
07-10-2013. A tradução é de André Langer.
Don Pedro Casaldáliga, bispo emérito_Brasil |
P - Gostaríamos
que nos falasse das Comunidades Eclesiais de Base [CEB]: o que são e que papel têm
elas na renovação da Igreja.
R - Começam pela base do povo e são a base
da Igreja. Nós dizemos no Brasil que se trata de um novo modo de ser Igreja e
eu acrescento: de um novo modo de toda a Igreja ser. O bispo Leonardo [Ulrich
Steiner] alarmou-se um pouco. Pedro, disse-me
ele, isso é uma
ilusão. A CEB seria o modo de ser da Igreja: comunitário, fiel,
unindo a fé à vida, com a Bíblia nas mãos do povo, com capacidade de diálogo,
tendo em conta o ecumenismo; sempre dissemos que isso acontecerá no diálogo do
povo com a cultura. Agora, o desafio é a convivência; a convivência é desafio
em todos os campos: na família, na vizinhança, no trabalho, na comunidade
eclesial. A convivência é o grande desafio. Os índios Minky dizem que “viver é
conviver”. A convivência supõe que nos situemos, na Igreja, numa
atitude de igualdade, de igual para igual: com as outras Igrejas, com as outras
religiões, com as outras espiritualidades, com a humanidade. Devemos partir
dessa visão macro-ecuménica, em vez de partir de uma atitude fechada sobre si
mesma. Partir de uma visão aberta em comunhão com todos os outros movimentos,
espiritualidades e religiões. Devemos explicitar a nossa fé não impondo uma
superioridade, mas contribuindo com a história concreta de Jesus de Nazaré.
P - Na
Espanha, as comunidades de base não são maioritárias; são grupos reduzidos com
uma consciência especial, com uma consciência crítica, utópica e
transformadora; a paróquia é outra coisa. Que papel pode ter a paróquia? Seria
o ideal se todas as paróquias fossem comunidade?
R – A paróquia deveria ser toda ela comunidade. Eu
digo que não se trata de discutir se são muitas ou poucas; trata-se de que tudo
seja comunidade. Gosto de falar de comunitariedade, que tudo seja comunitário - até
o Papa - que tudo seja participativo, que, a partir da própria situação de cada
um, tudo seja contribuição para o conjunto. As paróquias como “paróquia” não têm
futuro. Por esta altura, a CNBB está a discutir: “Comunidade de Comunidades, uma nova
Paróquia”. Está comprovado [CLICAR AQUI] que a paróquia como tal transforma-se em burocracia e não estimula a participação real. Mas, por outro lado, compreende-se que seja necessária uma referência
jurídica, diríamos canónica. Que as CEB’s sejam grupos pequenos, faz parte da condição de
semente, fermento, sal. Eu creio que
já se superou a fase mais raivosa da relação entre comunidades e bispos:
aprendemos a conviver. Ainda falta muito, mas já há menos episcopalitis aguda. Se o bispo ou o padre não nos aceita, pois muito bem, não nos vamos
deixar perder por isso. A indignação há-de ser uma indignação esperançada; de contrário, estamos vomitando bílis por todos os lados e
não temos nada que seja boa notícia.
O cristianismo é algo mais, não se trata de viver a vida amargurada,
fiscalizada. […]
P - Em
tudo o que você nos disse há algo muito claro: não há fé sem política, não há
fé isolada, mas comunitária, é importante reunir-se para rezar com ou sem
padre. Que importância você atribui àquilo que dizia Rahner sobre o cristão do
século XXI: que será místico ou não será? Que
importância dá à oração, a ser contemplativo?
R - Ganhou-se no mundo em “personalismo”,
entendido na linha de Mounier, e esse personalismo autêntico exige
interioridade, contemplação. Pode-se fazer, deve-se fazer comunitariamente, por
isso devemos estimular as celebrações em pequenos grupos, devemos
estimular certos movimentos. Perguntávamos-nos sobre os fundamentos das Jornadas
Mundiais da Juventude; são ambíguos. Por um lado, pode-se criticar,
nelas, uma certa vontade triunfalista da Igreja, juntar todos os milhões
possíveis para encher o espaço. Por outro lado, há elementos positivos. O que dificulta
é que temos uma Igreja que é Estado e um Papa que é chefe de Estado
e isso, logo à partida, já provoca tropeços insuperáveis. A reforma da cúria
deveria implicar, como primeiro passo, o desaparecimento automático do Estado do Vaticano e o Papa
deveria deixar de ser Chefe de Estado. Isto deveria ser básico;
basta pensar um pouco nas outras religiões. O que significa o fato de que, por
ser Chefe de Estado, se coloque todo o país de pernas para o ar?
P - Mino
Cerezo: eu não lhe pergunto, pois faço as perguntas para mim mesmo. Digo a
mim mesmo que, no fundo, o problema não é crer em
Jesus, mas crer como Jesus acreditou;
parece-me que ainda não entramos por aí. Para crer como Jesus acreditou é
importante o tema da oração, porque Jesus acreditava pensando nos outros, rezava pensando
nos outros. Subia ao monte sozinho, deixava os apóstolos, passava a
noite inteira em oração, mas voltava a estar com as pessoas, a anunciar o Reino
de Deus. Ou seja, colocava a oração no horizonte da
práxis, e isso parece-me que é o que nos está a faltar. Os jovens
acreditam em Jesus, mas dirijo uma pergunta a todos, jovens e velhos: estamos
acreditando como Jesus, e não
apenas em Jesus?
R - Pensando nas T-shirts, é fácil levar
Jesus no peito; o
difícil é ter peito, coragem para seguir Jesus.
IHU - UNISINOS, 14 de Outubro de 2013
D.
PEDRO, e a Espiritualidade Clareteana
1ª
Parte – D. PEDRO CASÁDALIGA
2ª
Parte – D. PEDRO CASÁDALIGA
D.
Pedro Csaldáliga e Joseph Ratzinger
CASALDÁLIGA
Profeta
da esperança - I
Profeta
da esperança -II
D. Hélder
Câmara, o Santo Rebelde
O QUE
É A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?
ESPIRITUALIDADE
DA LIBERTAÇÃO – J M VIGIL
«O
MEDO É TER MEDO DO MEDO» - D. PEDRO
PAULO FREIRE E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO