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O sepúlcro vazio |
É claro que a tradição do sepulcro vazio se formou em Jerusalém. A pregação da Ressurreição de Jesus ter-se-ia tornado impossível na cidade santa se o povo pudesse mostrar o corpo de Jesus no sepulcro. Além do mais, na antropologia bíblica, qualquer forma de vida mesmo a pneumática, implica sempre o corpo. Os inimigos, seja nos tempos apostólicos, seja nas polémicas rabino-cristãs da literatura talmúdica, jamais negaram o sepulcro vazio. Interpretaram-no de modo diverso, como roubo por parte dos discípulos [Mt 28:13] ou, como recentemente quer D. Whitaker, roubo perpetrado por violadores de túmulos. Exegetas, tanto católicos, como protestantes, afirmam um núcleo central histórico anterior aos evangelhos − as mulheres encontraram o sepulcro vazio.
Esse núcleo histórico foi feito tradição em ambientes cultuais. É sabido que os judeus veneravam os túmulos dos profetas. [J. Jeremias] Assim, semelhantemente desde cedo os cristãos começaram a venerar os lugares onde se realizou o mistério cristão em Jerusalém. Dramatizavam-no em três momentos principais: (1) uma recordação – anamnese – da última noite de Jesus por ocasião do agápe fraternal; (2) uma liturgia da sexta-feira santa na hora em que se celebravam as orações judias; (3) e uma acção litúrgica na manhã de páscoa com uma visita ao sepulcro de Jesus. Por isso, os textos do relato do encontro do sepulcro vazio mostram um interesse especial pelo lugar: «Ele não está aqui. Vede o lugar onde o depositaram» [Mc 16:6b]. Essa tradição, porém, não se preocupou em dar exactamente os detalhes. Basta comparar os paralelos sinópticos e João para se observar as divergências (no número de mulheres; no número de anjos; divergência acerca dos motivos porque as mulheres foram ao sepulcro; diferença de horário; diferença na mensagem do anjo; diferença na reacção das mulheres frente ao sepulcro vazio). O relato, contudo, atém-se ao essencial: o Senhor vive e ressuscitou. O sepulcro está vazio.
O facto ‘sepulcro vazio’, porém, não é transformado em prova da Ressurreição de Jesus em nenhum evangelista. Em vez de provocar fé originou medo, espanto e tremor, de sorte que «elas fugiram do sepulcro» [Mc 18:6; Mt 28:8; Lc 24:4] (a visita de Pedro e João ao sepulcro vazio em Jo 20:8 parece não ser uma reminiscência histórica, mas uma construção teológica do autor do evangelho de João, no sentido de colocar o chefe do grupo joaneu junto do chefe da Igreja, Pedro; cf. Benoît, P., Passion et Réssurrection du Seigneur, (Lire la Bible_6), Cerf, Paris 1969, pp.284-286) O facto ‘sepulcro vazio’ foi imediatamente interpretado por Maria Madalena como roubo [Jo 20:2.13.15]. Para os discípulos, ele não passa de um diz-que-diz-que de mulheres [Lc 24:11.22-24:34]. O sepulcro vazio por si só é um sinal ambíguo, sujeito a várias interpretações. Somente a partir das aparições sua ambiguidade é dilucidada e pode ser lido pela fé como um sinal da Ressurreição de Jesus. As aparições são concedidas a testemunhas escolhidas. O sepulcro vazio é um sinal que fala a todos e leva a reflectir na possibilidade da Ressurreição. É um convite à fé. Não leva ainda à fé.
Aparição a Maria Madalena |
Um problema à parte oferece a aparição dos anjos junto ao sepulcro. A interpretação tradicional vê neles, de facto, seres supra terrestres e verdadeiros anjos. Contudo, sem questionarmos a existência dos anjos, deve-se dizer que esta interpretação, mesmo dentro dos critérios bíblicos, não é a única possível. O ‘anjo’ (mal’ak Yahvé) está no lugar de Yahvé cuja transcendência o judeu reafirma absolutamente, de modo que, em vez de dizer ‘Yahvé’ dizia ‘Anjo de Yahvé’ [Gn 22:11-14; Ex 3:2-6; Mt 1:20]. Outra interpretação poderia ser a seguinte: as mulheres encontram o sepulcro vazio e logo atinam com a Ressurreição de Jesus. Esta ideia é interpretada como uma iluminação de Deus. Exprimem-na na linguagem literária da época como sendo uma mensagem do anjo (Deus). Outra interpretação possível, e que se coaduna melhor com a análise que expusemos acima, se articularia da seguinte forma: as mulheres vão ao sepulcro; encontram-no vazio; estão desapontadas e com medo. Nesse entretanto regressam os apóstolos da Galileia, onde tiveram aparições do Senhor. O testemunho deles é unido ao das mulheres. A mensagem dos Apóstolos «O Senhor Ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão» [Lc 24:34, talvez a fórmula, mais antiga] é considerada como uma revelação de Deus e expressa na linguagem da época, colocando-a na boca de um anjo (Deus). A fé na Ressurreição não encontrou sua origem na descoberta do sepulcro vazio e no testemunho das mulheres, mas nas aparições dos apóstolos. Por isso a preocupação de Marcos 16:7 em fazer as mulheres irem a Pedro e aos discípulos e comunicarem-lhes a mensagem do anjo. Eles souberam do sepulcro vazio primeiro pelas mulheres. Por isso eles podem responder às calúnias dos judeus – de que tinham raptado o corpo de Jesus – que por si mesmos nada sabiam do sepulcro vazio. Mt 28:11-16 (o conluio dos vigias com o sumo-sacerdote) revela uma clara tendência apologética de Mateus. Na forma de uma estória, ele quer tornar ridícula a calúnia (dos judeus) do roubo do corpo de Jesus.
Leonardo Boff
A nossa ressurreição na morte
Ed. Vozes, Petrópolis 2004, 10ª edição, pp-41-55