teologia para leigos

24 de março de 2012

IDENTIFICAS-TE COM A HIERARQUIA CATÓLICA?

Entrevistas de ‘Redes Cristianas’


Xabier Pikaza


Xabier Pikaza Ibarrondo



Foi presbítero e religioso da Ordem das Mercês, professor de Teologia na Universidade Pontifícia de Salamanca [1983-2003]. Está ‘secularizado’ (expressão de que gosta, pois Jesus também era um ‘secular’). Colabora em algumas tarefas da Igreja e escreve teologia. Labuta por radicalidade e pactos.


P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: O problema não é se me sinto confortável ou não, mas se me comprometo, e de que forma, com a marcha do evangelho, o qual foi e continua a ser um aspecto importante da minha experiência e tarefa humanas. Aquilo a que se refere a tua pergunta importou-me há mais de 25 anos atrás (nos anos 80), quando senti que o caminho que a hierarquia estava a tomar no seu conjunto não era o que eu buscava, nem sequer aquele que a hierarquia e o conjunto da igreja me haviam ensinado nos anos 60.

A minha preocupação não é o que faz hoje a hierarquia, mas o que eu faço, o que fazemos, nós, pela mensagem do Reino. Inclino-me a pensar que esta hierarquia jamais poderá renovar a Igreja, mas nem por sombras a quero desqualificar no seu todo. A reforma terá que acontecer, e já está a acontecer, a partir doutras fontes vitais… E eu bem que gostaria que essa reforma pudesse também refluir sobre a própria hierarquia, a fim de mudar a sua maneira de ser/fazer, a fim de ainda recuperar (se é que é possível) todas as pessoas.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: Simplesmente Igreja, comunidade de pessoas que regressassem ao evangelho. Há demasiada história patrimonial, demasiado e bom património, mas esse património (incluindo estruturas, hierarquia, etc.) na maior das vezes é ambíguo (quanto a poderes, violências, imposições…) mas, por outro lado, não tem lastro. Por isso, o que mais importa é começar mais uma vez, livres de fardos e carapaças que fomos construindo…

Aqueles que, de alguma forma, rompemos com essa carapaça (ou que foram obrigados a romper) temos a responsabilidade de mostrar que temos algo que seja mais do que apenas um protesto, uma pateada, uma crítica pela crítica… Às vezes, damos a impressão de que estamos prisioneiros duma instituição da qual, em parte, viemos, mas que da qual continuamos a alimentar-nos (nem que seja à custa do protesto contra ela). Creio que chegou a altura de criar. Temos a responsabilidade de criar, de oferecer outros caminhos.

Por outro lado, a hierarquia, tal como está (o modo como faz as nomeações, o tipo de pessoas que a compõe), não terá futuro: sobrevive inerte! Tem poder, mas está demasiado atada aos seus fantasmas, medos e problemas. Nesse sentido, às vezes dá-me pena…

Mas penso que não podemos deitar as culpas a toda a hierarquia. Todos os que temos uma palavra, algum tipo de influência, uma certa forma de presença, somos hierarquia, no sentido forte do termo. O futuro depende do que fizermos todos.



«La Esperanza»

Comunidad de Base de Logroño


Logroño


P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: Ainda que a hierarquia espanhola promova a ajuda assistencial aos pobres e necessitados (totalmente necessária e reconhecida como tal) através da Caritas, Projecto Homem, Mãos Unidas e outras associações, temos muitas e sérias dificuldades em nos identificarmos com a hierarquia. A imagem que dá não nos parece de todo evangélica.

Mostra, nas suas intervenções ou na ausência delas, uma imagem de preocupada com a defesa do poder, quer doutrinalmente, quer juridicamente, e, até mesmo, politicamente. É monolítica – de pensamento único −, é opressora da liberdade e da investigação teológica. Neste sentido, e em linha com a sua postura doutrinal inflexível, pretende silenciar o trabalho e o pensamento de teólogos, moralistas e peritos que não sejam coincidentes com a chamada linha oficial (Pagola, Masiá, Tamayo, Arregui..).

Dá a impressão que persegue e trata de conservar privilégios de todo o tipo, que outrora, em circunstância sociológicas e políticas tão diferentes, conquistou, procurando, por necessidade, sobreviver, agora, no seio dum estado laico.

Vemo-la como retrógrada, no concreto com uma atitude alheada do espírito do Vaticano II, animando e apoiando grupos de resistentes, tais como os Neo-Catecumenais, os Legionários de Cristo, o Opus Dei, etc., por outro lado, cortando as pernas ao trabalho e à presença dos movimentos de cariz mais renovador, tais como as Comunidades de Base, a Teologia da Libertação, etc.

Quanto à pastoral, quer a hierarquia, quer Roma, os bispos e os sacerdotes, está longe e afastada do povo, dos problemas e necessidades das pessoas, separa os leigos do clero, marginaliza as mulheres favorecendo homens sem qualquer fundamento histórico ou doutrinário para tal.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: Gostávamos que nos mostrasse o rosto de Jesus, isto é:

·       Próxima dos pobres, dos seus problemas, das suas inquietações e aspirações; que fosse capaz de escutar as necessidades e estar atenta à sensibilidade da sociedade actual apoiando e trabalhando ombro a ombro com tantas organizações e pessoas simples que dedicam as suas vidas a libertar os mais pobres e excluídos no seio duma sociedade opulenta e injusta.
·       Aberta aos novos movimentos científicos, sejam eles quais forem, sempre a favor do Homem e da Natureza, já que não achamos que a razão se oponha à fé (mesmo que as pessoas não se convertam). Gostaríamos de ver esta hierarquia a publicar textos corajosos e libertadores, tal como o fez com a  Doutrina Social da Igreja desde Leão XIII até hoje; mas também no âmbito de questões que preocupam a nossa sociedade dando-lhes mais difusão com os meios mediáticos de que dispõe e, sobretudo, comprometendo-se para fora a fim de que os incorporar no seu interior.
·       Desejaríamos ver maior participação de todo o Povo de Deus nas decisões da Igreja, abrindo a sua organização a formas mais flexíveis e a estruturas mais democráticas em áreas tais como a gestão económica, a eleição para os cargos dirigentes, a formação dos sacerdotes, a participação da mulher em pé de igualdade com o homem, o celibato, que deveria ser opcional…
·       Preferíamos uma hierarquia mais humilde, com capacidade de autocrítica reconhecendo os seus erros históricos, em permanente renovação e aberta ao mundo, concedendo liberdade de pensamento e de consciência.
·       E sem dúvida que nos agradaria ver uma hierarquia à maneira de Jesus na cruz, despida, sem poder, sem sinais medievais de ostentação, sem privilégios, unicamente serva e profética.






uma Religiosa Auxiliadora

de 74 anos, vive numa comunidade nos arrabaldes de Jerez, colabora em projectos de emigrantes e trabalha com doentes terminais com HIV





P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: É rígida, dogmática e tremendamente moralista, obcecada por achar que tudo o que se refere ao sexo, ao sexto… está pervertido, generalizando tudo em vez de discernir situação a situação.

Anda lado a lado com os poderosos. Atende mais às normas que ao fundo dos problemas. Apoia-se mais nos dogmas do que no Evangelho: vejam-se todos os problemas que arranja com teólogos, a quem marginaliza, ameaça, proíbe… O seu horizonte é o passado!

P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: Aberta, acolhedora, evangélica. Desprendida e com uma clara opção pelos pobres.



Grupo de Jovens de Logroño



P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: A Igreja em Espanha está a perder o apoio e a legitimidade ideológica duma sociedade que muda e que está em permanente evolução na medida em que não é fácil identificar-se com uma instituição cujos postulados e posicionamentos públicos não se coadunam à realidade social actual (celibato, diversidade sexual, etc.), nem tão pouco ao seu discurso litúrgico demasiado alheio, abstracto, mágico, difícil de decifrar e de aplicar ao mundo actual, às pessoas e às suas vidas. A Hierarquia da Igreja continua a ser machista, pois que os seus postos continuam a ser ocupados por homens. Além disso, perdeu o sentido original das tradições e dos actos religiosos, os quais se converteram em folclore e atracção turística.

Apercebemo-nos da existência de uma censura de outros modelos de Igreja, além disso impõe muitos dogmas e borrifa-se para a democracia, pois nunca nos pergunta que queremos ou que pensamos. Há fanatismo religioso assim como também existe uma ideia de que a laicidade é algo mau. Privilegia a condenação da indiferença e menospreza a inclusão. É óbvio que tememos pela liberdade; não é fácil assumir que a Igreja NÃO é a hierarquia.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: A igreja deveria colocar a pessoa no centro e deveria situar-se onde estão os jovens, os pobres… Não se entende porque busca multidões, em vez de realizar acções com escala mais pequena, destinar menos dinheiro para grandes montagens espectaculares e, decididamente, deveria procurar a essência do cristianismo. A cada ano, o património da Igreja aumenta, assim como os seus privilégios. Deveria mobilizar-se por aspectos morais de fundo e lutar contra as injustiças humanas e mobilizar-se menos por propaganda. É necessário que exista uma aceitação clara da diversidade e da individualidade em todos os sentidos: sexual, político, de pensamento…

Para que as pessoas se aproximem mais da Igreja seria necessário que esta explicasse a figura de Jesus e a Bíblia de forma menos mágica, deixando de lado uma interpretação frequentemente literalista dos textos e explicando a verdadeira mensagem de Jesus, de modo que se consiga uma mais fácil identificação das pessoas com as palavras, com os ideais, com a forma de pensar e de viver de Jesus, estando tudo isto frequentemente eclipsado pela obscuridade que nos querem transmitir.

A imposição duma visão desfigurada da mensagem de Jesus não ajuda em absoluto, nem a entendê-lo, nem a identificar-nos com ele. Assim, a Igreja deveria olhar para trás e fixar-se na Ekklesía, como reunião dos primeiros cristãos, como celebração de iguais desejosos de partilhar a mensagem de Jesus e deixar de lado as tentações de ingerência e de influência nos assuntos políticos da sociedade, verdadeiras reminiscências medievais.

Em suma, a Igreja deveria adquirir um pouco de sentido público comum para enfrentar os problemas das pessoas.



um Cristão Homossexual



cristão homossexual, de Alicante a viver em Madrid, que pertence a uma comunidade cristã de diversidade sexual (lgtb & heterossexual)


P_1: Identificas-te (sentes-te bem) com as posições que, actualmente [Julho 2011] tem tomado a igreja hierárquica espanhola (quer para dentro, quer para fora dela mesma) ou, pelo contrário, tens dificuldades em te identificares? Se sim, porquê?

R_1: Não me sinto identificado com algumas tomadas de posição no que diz respeito a alguns temas, como por exemplo o tratamento dado à realidade LGTB, o sacerdócio feminino ou o celibato opcional. A Igreja hierarquia está a calar vozes que reclamam a revisão destes temas a partir duma perspectiva da fé e da caridade.


P_2: Como deveria ser a Igreja, em Espanha, para ti e como te agradaria que de facto ela fosse?

R_2: A Igreja deveria ser mais próxima, mais humilde e mais propensa à caridade. Ultimamente, muitas declarações que têm origem na hierarquia vêm numa linha demasiado condenatória em vez de se abeirar de determinadas realidades partindo do paradigma da caridade e da compreensão. Julgo que também subjazem numerosos interesses políticos e económicos que é preciso esclarecer.