2011-2012
E quem mandou este homem bater, esta Noite, à minha porta?
processo duma conversão
Georges Rouault_Flores |
Diário
[31 Dez, à tarde]
«Não sei quem escreveu que vivemos em adeus e despedidas. Andamos de mala aviada, prontos a partir não importa para onde. Partir… E vamo-nos desligando das coisas que nos prendiam: as casas, os móveis, os quadros, os livros. Nesta renúncia (que só por ser forçada não tem especial mérito) acabaremos talvez por ser homens livres. Desprendidos das coisas que nos tiranizavam o coração, vamos adquirindo consciência da nossa condição de peregrinos para quem tudo – objectos e lugares, todas essas bugigangas que nos distraem da nossa essencial nudez – é provisória. Não ter nada de nosso senão a vida, ela mesma tão efémera…»
[31 Dez, à meia-noite]
«Bate-nos um homem à porta e diz-nos: «-Tenho sete filhos e quatro contos na gaveta. Não peço dinheiro emprestado, mas trabalho – qualquer que ele seja.» E carregamos o peso de mais esta cruz sobre os ombros cansados.»
[extracto de ‘Diário Quase Completo’, de João Bigotte Chorão, INCM, Biblioteca de Autores Portugueses, ISBN 972-27-1078-8, p. 260]
Poema para o Ano Novo
E descarnado
vai este tronco ardendo já
num outro fogo