«concentrados e enlatados sociais_PMS’s…»
“O Estado não tem vocação para gerir instituições sociais” [Pedro Mota Soares, «Ministro da Solidariedade e Segurança Social…»]
Por António Ribeiro Ferreira e Rosa Ramos
publicado em 15 Dez 2011
Jornal i-on line
Ministro da Solidariedade e Segurança Social há poucos meses, Pedro Mota Soares entrou no edifício da Praça de Londres com o país a atravessar um enorme crise económica e social. O tempo é pouco e o Memorando da troika exigente. A sua primeira grande medida foi o Plano de Emergência Social, mas vêm aí grandes e profundas reformas. A primeira é o Estado sair da gestão de instituições sociais. A segunda é o plafonamento das pensões.
(…)Tem a noção de que existem, neste momento, pessoas completamente irrecuperáveis no mercado de trabalho?
Mesmo nas alturas de maior dificuldade temos de ter a capacidade de encontrar soluções imaginativas. Temos falado muito no estímulo ao auto-empreendedorismo e na criação de um plano nacional de microcrédito. Estamos a trabalhar nisso, porque sabemos que é difícil para muitas pessoas regressarem ao mercado trabalho, ou pelas suas habilitações ou por causa da idade. Penso que antes de tudo teremos de apoiar o auto-emprego. As instituições sociais poderão ter aqui um papel importante a desempenhar, criando emprego. E também se poderá alargar essa responsabilidade social às pequenas e médias empresas. É importante que as pessoas não fiquem muito tempo fora do mercado de trabalho e que possamos capacitá-las. Estamos a tentar estimular medidas nesse sentido, encontrando um conjunto de apoios públicos.(…)
Em tempo de austeridade, onde é possível ir buscar essas verbas?
Às verbas da acção social, naturalmente. Nós conseguimos, este ano, e ao contrário do que aconteceu o ano passado, fazer crescer a verba da acção social no Orçamento do Estado. Estamos a falar de um crescimento de 16%, qualquer coisa como 254 milhões de euros. E isto porque tivemos a coragem de cortar em áreas que não nos parecem essenciais. Só na Segurança Social (SS) cortámos, na área administrativa, 14% e reduzimos 51% das estruturas e 22% dos cargos dirigentes. Estamos a falar de uma redução de 356 cargos dirigentes em todo o país. Isto sem afectar a nossa capacidade de resposta. Acreditamos que é possível gastar menos dinheiro diminuindo a ineficácia, a burocracia e em alguns casos a duplicação de estruturas para alocarmos mais verbas à acção social.
O governo ainda não explicou, no que diz respeito à redução de quadros dirigentes e intermédios, para onde foram ou irão as pessoas. No seu ministério, o corte implicou a saída de funcionários para o quadro de mobilidade ou mesmo a saída do Estado?
Temos situações muito diferentes. Parte destas pessoas deixaram de estar nos quadros dirigentes e regressaram à sua função de origem. E nós, muitas vezes, até precisamos de aumentar o número de técnicos no terreno ou nos serviços locais. Outras pessoas saíram para a reforma porque atingiram a idade. Houve outros casos de funcionários que voltaram à sua função privada, de onde tinham vindo. Esta redução foi importantíssima. E também cortámos nos consumos intermédios: despesas, estadias, deslocações, pareceres, estudos. Coisas que neste momento poderão não ser tão essenciais. É preciso garantir que não faltam verbas na acção social e na ajuda às famílias e às instituições.
Quando o CDS estava na oposição criticava o rendimento social de inserção (RSI). Agora considera que a sua existência se justifica?
No RSI é preciso separar o trigo do joio de forma muito rigorosa. Temos de perceber que um euro mal atribuído numa prestação social – ou por falta de fiscalização, ou por falta de rigor, ou porque há abuso ou fraude – implica retirar verbas a quem realmente mais precisa. Numa sociedade altruísta e generosa como a portuguesa, ninguém quer que ninguém fique para trás. É uma obrigação de equidade social garantir que as verbas chegam verdadeiramente a quem delas precisa. Nesse sentido, queremos introduzir algumas regras em matéria de atribuição do RSI que passam por coisas tão simples como incutir nas pessoas a noção de que têm direitos, mas também têm obrigações: os cuidados com a educação e a saúde dos filhos, a procura activa de emprego ou a disponibilidade, no caso de pessoas que têm capacidade e idade para trabalhar, para prestarem trabalho socialmente necessário. Queremos garantir que ninguém recebe uma prestação social sem contratualizar com o Estado um conjunto de obrigações. Os últimos números do RSI dizem-nos que há menos pessoas a receber a prestação, mas o valor médio, nalguns casos, até subiu. Isto significa que estamos a fazer bem o caminho de atribuir o subsídio a quem dele efectivamente precisa.
Face à actual situação económica não será necessário cortar mais subsídios?
Muitas das coisas que o governo tem de fazer não são uma questão de opinião, são uma questão de obrigação. O Estado tem de respeitar os seus compromissos internos e externos. Assinou-se um Memorando de entendimento com a troika em que nos comprometemos a um conjunto de obrigações de forma a termos verbas suficientes para garantir o pagamento dos salários, das pensões e das prestações sociais. Por isso, muitas das medidas que precisamos de tomar são uma questão de obrigação. Há evidentemente uma margem de manobra, apesar de curta. E é dentro dessa margem que se prova a consciência social deste governo. Nesse sentido, conseguimos, por exemplo, aumentar as pensões sociais e rurais, que abrangem cerca de um milhão de portugueses – apesar de no Memorando de entendimento estar previsto que não houvesse uma progressão das reformas. Outro exemplo: não foi por opção que o governo teve de aumentar o IVA na energia, mas estava previsto no Memorando. Mesmo assim, mitigámos esse aumento junto das famílias mais carenciadas criando um desconto social. Outro aspecto que corrigimos foi a obrigação de sujeitar as instituições sociais ao pagamento de IRC, porque se isso acontecesse a esmagadora maioria fecharia as portas.
Tem falado muito em economia social, mas a verdade é que muitas instituições estão em dificuldades e a desempregar pessoas. Tem noção disso?
A sustentabilidade das instituições sociais preocupa-nos muito. Percebemos que seria fundamental ter, junto do Plano de Emergência Social, um verdadeiro fundo de emergência. Por isso estamos a mudar o que existia no Fundo de Socorro Social, garantindo que passe a ser verdadeiramente um fundo de emergência para as instituições. Até aqui era muitas vezes usado para se fazer eventos, seminários, conferências, estudos e atribuir viaturas a instituições. Nós queremos que passe a servir para garantir o equilíbrio financeiro das instituições em dificuldades. Recebemos um fundo esgotado, mas já conseguimos alocar-lhe 10 milhões de euros. E também estamos a trabalhar numa linha de crédito para as instituições sociais, de cerca de 50 milhões de euros, para que possam transformar as dívidas de curto prazo em dívidas de médio e longo prazo.
Muitas dessas instituições endividaram-se para responder a exigências do próprio Estado.
Temos trabalhado directamente com as instituições para garantir que as regras que o Estado lhes impõe em termos de qualidade e segurança têm alguma sensatez. Uma das primeiras medidas que tomámos quando chegámos ao governo foi criar uma portaria que permitiu potenciar em cerca de 20 mil lugares a respostas das creches. Isto porque percebemos que era possível aligeirar as regras e aumentar a capacidade de resposta sem pôr em risco a segurança. Agora queremos fazer o mesmo ao nível da resposta às pessoas mais idosas, no que toca aos lares e ao apoio domiciliário.
Também tomou medidas para que a fiscalização numa IPSS não fosse tão rígida como num restaurante. Qual tem sido a resposta da ASAE?
Muito positiva. Para tudo é preciso sentar as pessoas à mesma mesa e falar de forma aberta. Não fazia sentido que a ASAE tivesse o mesmo grau de exigência. A economia social representa 5,5% do PIB nacional. É um valor relevante e que merece ser estimulado. E é um sector com grande potencial, mesmo em alturas de crise: não se deslocaliza, os apoios que dermos ficam dentro do país, tem uma importância grande na substituição de importações. Além disso, as instituições sociais relacionam-se de perto com as economias locais, estimulando-as e dando emprego a pessoas com dificuldade em ingressar no mercado de trabalho. É crescentemente importante estimular esta economia. Contamos, até ao final do ano, ter fechado um protocolo com as instituições que seja uma mudança de paradigma na relação que têm com o Estado.
Tenciona actualizar, no próximo ano, o valor das transferências do Estado para as instituições sociais?
Neste momento estamos a negociar esse e outros pontos com as instituições e julgo que será importante respeitar as mesas negociais.
Os seis anos de governação socialista ficaram marcados por alguma tensão na relação com estas instituições. Havia uma ideologia no sentido de o Estado fazer concorrência em matéria de respostas sociais. A política deste governo é acabar com a construção de equipamentos e dar completa iniciativa às organizações sociais?
Penso, sinceramente, que o Estado não tem vocação para dirigir instituições sociais. Há uns meses fui visitar uma instituição em que um funcionário com uma função muito útil se reformou há já dois anos e ainda não foi substituído por causa das alterações do anterior governo ao nível da abertura de concursos e contratações. Compreendemos cada vez mais que o Estado tem muitas dificuldades na gestão directa destes equipamentos. É por isso que queremos fazer, muito rapidamente, a transferência dos equipamentos que ainda estão na tutela da SS para o sector social. Entendo que quando contratualizamos conseguimos gerir melhor e até com menos recursos.
Assim sendo, o Estado não vai investir mais dinheiro na construção de novos equipamentos sociais?
Não faz sentido. O que é preciso é maximizar o que temos no país e aumentar a capacidade de resposta dentro do que já há. Naturalmente que ainda existem áreas em que a resposta não chega e queremos continuar a investir, mas em conjunto com as instituições sociais.
Instituições como a Cáritas, o Banco Alimentar e até as próprias autarquias têm falado num aumento do número de pessoas que recorrem à ajuda alimentar. É previsível que a procura aumente ainda mais em 2012?
No Plano de Emergência Social existe uma medida que visa garantir às pessoas que não têm o que comer o acesso a duas refeições por dia. Estamos muito centrados em encontrar respostas. Sabemos que o perfil das pessoas que recorrem às cantinas sociais e aos bancos alimentares mudou. Há cada vez mais uma pobreza envergonhada. Muitas pessoas têm dificuldade em recorrer aos serviços oficiais do Estado. E nós até conseguimos prolongar, com o Ministério da Agricultura, o Programa de Assistência Nacional aos Carenciados que estava previsto terminar em 2012. Contudo, seria um contra-senso acabar com um programa destes numa altura em que a fome está a aumentar. Também aqui as instituições sociais têm um papel importante.(…)
O sistema de concertação social não estará mais do que esgotado?
Sou um grande defensor da concertação social. É um sistema muito importante que não ponho em causa. Há medidas que faz todo o sentido discutir com os parceiros sociais.
Voltando às pensões, está previsto que o governo avance com o plafonamento?
Temos de dar às gerações mais novas capacidade de escolha. Parece-nos importante que se mantenha a base do sistema público. Isso, para nós, é absolutamente essencial: até um determinado limite, as pessoas devem descontar para o sistema público. A partir desse limite, deve existir capacidade de opção entre um sistema público, um sistema mutualista e sistemas que não sejam públicos. Isto só fará sentido para as gerações mais novas e todas estas reformas querem-se participadas e discutidas de maneira que haja uma transição suave e sem rupturas, mas que garanta a sustentabilidade do sistema da SS.(…)
É possível que Portugal cumpra o défice estrutural de 0,5% estabelecido em Bruxelas? Nunca atingimos esse valor.
Em 2012 poderemos ter algo perfeitamente histórico em Portugal: um saldo primário positivo. O Estado vai gastar menos do que recebe, se se retirarem das contas os juros da dívida.(…)
Justifica-se um referendo sobre a presença de Portugal na Europa?
Os referendos devem surgir de dentro da sociedade civil. E não vejo essa questão surgir com força na sociedade portuguesa. Os portugueses percebem hoje a importância de estarmos inseridos na zona euro. Com todos os desafios que isso nos apresenta, mas também com todas as oportunidades que nos traz.