teologia para leigos

25 de dezembro de 2011

NATAL E FÉ DE INFANTÁRIO

 


«Se não vos firmardes
não sereis firmes!» [Isaías 7:9b]
ou os perigos duma “Fé de infantário”







«Esta noite, Art tinha como destino um pequeno país à beira-mar. Gostava de descer a sentir o cheiro salgado, e, talvez por isso, sentia um entusiasmo adolescente quando iniciou a viagem.

«Mas cá em baixo, Art pôs-se a pensar que tudo tinha sido um desencontro, que tinha confundido a noite inconfundível e acabado por vir numa qualquer noite de um inverno frio

[Rosa Alice Branco, “A artrose das renas”, in «Minicontos (quase) de Natal», JORNAL DAS LETRAS, 14-27 DEZ 2011, p.10]




Não dê

Neste Natal
não dê dinheiro a um pobre
Habitua-o mal
Não dê comida a um pobre
Habitua-o mal
Não dê de beber a um pobre
Ele vai gastar tudo em vinho
Não dê guarida a um pobre
Ele gosta mesmo é de chão
Não dê livros a um pobre
Ele queima-os para se aquecer
Não dê carinho a um pobre
Ele estranha e fica nervoso
Não diga bom dia a um pobre
Dá-lhe falsas esperanças
Não dê saúde a um pobre
É uma despesa inútil

Se quer dar-lhe mesmo
alguma coisa
[porque enfim está no espírito de natal e você é uma alma piedosa]
Dê-lhe porrada.
Vai ver é o que ele gosta
É o que ele está habituado
E os pobres já sabemos como é
os pobres (coitados) não são
muito de mudança não.

Rui Zink

[in «Minicontos (quase) de Natal», JORNAL DAS LETRAS, 14-27 DEZ 2011, p.10]






No Advento disseram-me: «Todos estamos à espera. Espera também!». Alimentaram-me a expectativa: que nos seria dado um Menino! «Espera e verás!», diziam-me.

Não me entusiasmei muito, diga-se. Essa história já era velha, para mim.

Um Rei muito bazófias - na escola primária tinham-me contado isso mesmo, a propósito dum outro rei, D. Sebastião…-, um Rei, ‘com a mania que era rei’, tentou convencer toda a gente disso: que esperássemos, que viria, sim!, que não demoraria a surgir um Menino, «luz das nações» blá blá… blá blá… blá blá…, que não tardaria! Era uma questão de semanas.

Para mim sempre me pareceu que essa história era uma ‘história adventicial’… muito mal contada.

Afinal, eu estava enganado. Já não é a primeira vez que erro gravemente no meu percurso de vida… e isso é triste. Houve, de facto, um Rei tal e qual – chamava-se Acaz [2Rs 16] – e o menino afinal existia mesmo e viera ao mundo sim senhor: era seu filho Ezequias! [2Rs 18] E a Virgem era de carne e osso e ancas e mamas e devia ser muito bela, saudável, robusta, boa cozinheira e cuidadosa com a alimentação do Menino [a fiar no que os livros sagrados nos contamIsaías 7:14-15].

Fiquei perturbado!
Fui confirmar aos Livros. E que vejo eu?!

Num livro [Mateus 2:10], o protagonista é A Estrela do Oriente!
Num outro livro [Lucas 2:8.17], os protagonistas são Os Pastores!

Um Deus-Menino, nuzinho, rechonchudinho e sorridente… ‘ficara na sombra’!

Afinal, Mateus [2:2] refere um adulto, fala d’o Rei dos Judeus e Lucas [2:42-43.46-47.49] fala de um «menino» já adulto (v.42) «sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas» e a enrascá-los… com «a sua inteligência e as suas respostas» (v.46-47)

Nem nenhum Deus-Menino bebezinho sorridente com coroa e ceptro, nem Pediatria como profissão! E, por este caminho, nem regueifas Miluvit nas coxinhas do bebé salvador do mundo… onde ir beijar nesta «noite feliz, noite de luz, ó Jesus»!

Fico, entretanto, com duas questões-não-pediátricas: que significado tem ‘A Estrela’? E que significado tem ‘Os Pastores’? Está aí alguém? Está aí alguém que me ajude?

E fruto desse engano histórico e perigoso – Atenção: este Rei Acaz ‘mancava das duas pernas’ como certo Primeiro Ministro, ou seja, vivia como um tolo no meio da ponte, sempre hesitante quanto a alianças, se com Merkel se com os Bispos…; Isaías 7:2 – fruto destes enganos tolos andámos TODOS às prendas, enganando todo um mês a ver se o subsídio de Natal esticava… “importando mais que exportando”!

Ironia do destino!
Nem existe Deus-Menino algum… nem combatemos a Crise!

Mais uma vez, «confundimos a Noite inconfundível» (RAB) e extraviamo-nos na montanha escura, nevada e sem trilhos firmes guiados por uma «fé de infantário»…
 
Afinal de contas, onde está esse Rei que só aos poderosos «perturba»? [Mateus 2:3] (EU também quero saber…)



«Neste Natal
não diga bom dia a um pobre.
Dá-lhe falsas esperanças…» [RZ]




«É pelo exterior, é por aquilo que a Igreja mostra aos olhos dos homens que estes a passam a conhecer e, através dela, são ou serão conduzidos ao Evangelho, a Deus. Ou, pelo contrário, são afastados, repelidos ou ainda levados a encaminharem-se para um tipo de religião mais material, para um sistema no qual preponderem mais propriamente comportamentos sociológicos  do que uma religião pessoal com todas as exigências espirituais que isso comporta.

«Quanto a isto, tudo o que torna a Igreja visível no concreto, tudo aquilo através do qual as pessoas tomam contacto com ela, da mesmíssima forma como acontece na nossa relação com os outros - por exemplo, a importância do rosto, do olhar, das formas e das roupas - é duma extrema importância; a forma dum recado, dum simples anúncio, dum boletim paroquial ou ainda o tipo de ornamentação ou duma celebração…, o aspecto exterior dum padre, o seu trato, a sua linguagem, o seu estilo de vida ou o das religiosas, o das pessoas da Igreja: tudo elementos sem importância, quotidianos, mas significativos e até decisivos da visibilidade da Igreja como parábola do Reino de Deus ou como sacramento do Evangelho».

Yves Congar, Pour une Église servante et pauvre, 1963, p. 107-108, citado em «Fidèle à l’avenir – à l’écoute du Cardinal Congar», Frère Émile, de Taizé, Les Presses de Taizé, 2011, ISBN 978-2-85040-309-5.