teologia para leigos

20 de abril de 2011

RESSURREIÇÃO REPENSADA [FAUS E QUEIRUGA] 6/6


6.«agora vemos como…» [1Cor 13:12]


Taizé

 Entre a «utopia» e o «desespero»

E, colada ao apelo ao compromisso, a esperança.
Uma esperança com características muito específicas, que importa focar, por um lado, a partir da sua capacidade para preservar a dignidade das vítimas e, por outro, a partir do seu carácter realista.

Permite, com efeito, proclamar a dignidade das vítimas e o seu triunfo definitivo. E fazê-lo sem cair no cinismo. O destino de Jesus, iluminado pela ressurreição, impede que a esperança se reduza à caricatura apologética dum «prémio» perto do final da vida. Muito pelo contrário, mostra que a sua vida – a da vítima – desde já e agora vale a pena, como a de Jesus valeu.



«Dada a importância do tema e a sua hipotética sujeição a equívocos, vale a pena citar extensamente as lúcidas reflexões de E. Schillebeeckx: “ A minha tese é a de que se o itinerário vital de Jesus não evidencia nenhum sinal antecipatório da ressurreição, a sua morte não passa de um fracasso e, em tal caso (como pretende J. Pohier, ‘Quand je dis Dieu’, Paris 1977), realmente a fé na ressurreição é unicamente fruto do desejo humano. Sem antecipações efectivas da ressurreição na vida terrena de Jesus, a Páscoa é uma ideologia. Pois bem, o sujeito da afirmação de fé «ressuscitou» é o Jesus de Nazaré histórico, aquele que acreditou na promessa dando-lhe forma na sua mensagem e, sobretudo, na praxis da sua vida. A fé de Jesus na promessa como fonte de uma praxis original antecipa historicamente o sentido da ressurreição e, através dela, o poder de Deus sobre o mal. Jesus, segundo o itinerário da sua vida, é um «já»; seguramente, todavia, dentro do horizonte da morte, mas de uma morte desde já vencida na esperança. A força de Deus estava já a actuar na própria vida de Jesus, participando, a sua morte, dela também. Só assim, sob este pressuposto, a fé na ressurreição não é uma ideologia. Se a morte de Jesus antecipa apenas historicamente a sua ressurreição (como sucede em Bultmann, mas também de alguma forma no apóstolo Paulo), a ressurreição, inevitavelmente, é a negação de uma história na qual o pecado é o acicate e, a morte, a sua sequela”. [Los hombres relato de Dios’, Salamanca 1994, p.200


É por isso que Ele foi capaz de chamar “bem-aventurados” aos pobres e aos perseguidos, por ser certo Deus estar a seu lado e, pelo menos, a sua vida – em toda a sua fundura e integridade – estar a salvo nas mãos de Deus: deles é/será o Reino. A esperança apoiada em Deus ilumina o presente sombreado pelos homens. Algo decisivo, pois «onde o futuro vira desespero, aí o presente vira desgraça» [H. Müller-Fahrenholz].

A mais profunda nostalgia da Escola de Frankfurt – que o verdugo não triunfe sobre a vítima – aparece assim cumprida, sem que por isso se negue a justeza da sua «negação» diante de qualquer utopia totalitária, pois a ressurreição diz que a realização plena só pode ser transcendente. Ao mesmo tempo, a cruz livra da heteronomia, pois manifestando a inevitabilidade do mal não remete para um Deus cuja presença por si suprima a nossa responsabilidade histórica. Ou, apoiada na sua transcendência, a funda sem a substituir e a convoca sem a alienar: chama e torna possível socorrer o ferido à beira do caminho; mas a sua acção só se torna eficaz na responsabilidade livre do samaritano que a acolhe e prolonga.

Por isso, e em segundo lugar, a fé na ressurreição funda e promove o realismo duma esperança práxica, aquela que se movimenta entre dois dos maiores escolhos que ameaçam a verdadeira eficácia de todo o compromisso histórico: a utopia e o desespero.





A ressurreição não cai na utopia, porque conta com a cruz e porque não assegura a vitória histórica sobre ela, a cruz. A ressurreição não promete, como ainda sonhavam muitos apocalípticos, o paraíso na terra, nem agora nem em nenhum ‘milénio’, seja sociedade sem classes comunistas, seja “final da história” capitalista [F. Fukuyama, El fin de la historia y el último hombre, Barcelona 1995; cf. J. M. Esquirol, La frivolidade política del final de la historia, Caparrós 1998]. As ilusões de uma vitória total dentro da história – nos últimos tempos, saboreamo-lo até à saciedade e ao horror – acabam por levar a Auschwitz ou ao Gulag, e, como assinala Metz, a própria ”comunidade ideal” de Apel e Habermas passa com demasiada facilidade por cima da dor das vítimas [J. B. Metz – E. Wiesel, Esperar a pesar de todo, Madrid 1996, 41-43].




E, por outro lado, a ressurreição não cai no desespero, porque, ao mostrar que a realidade está, em todo o seu destino, envolvida por um Amor absoluto mais poderoso que o mal, a ressurreição rouba ao mal a palavra última. Não nega, porém, a sua terrível força histórica, mas não o reconhece como um absoluto. Mais ainda: sabe que, no fim de tudo, o mal já está vencido, pois o poder da própria morte foi quebrado. Por isso, é sempre possível a esperança: “A teimosia da esperança é o que a ressurreição comunica, em última análise, aos crucificados”.


«(…) e comunica-o porque não  é manifestação do poder, mas sobretudo do amor de Deus. O puro poder não gera necessariamente esperança, mas optimismo calculado. O amor, sem dúvida, transforma as expectativas em esperança. O Deus crucificado é o que torna credível o Deus que dá vida aos mortos, porque o revela como um Deus de amor e, assim, uma esperança para os crucificados».
[Jon Sobrino, Jesús en América Latina. Su significado para la fe y la cristología, Santander 1982, 242; cf., do mesmo autor, Cristología desde América Latina, San Salvador 21977 e, depois, La fe en Jesucristo: ensayo desde la víctima, Madrid 1999]


E, finalmente, comunica uma esperança que sabe que nada a poderá fazer render-se ou resignar-se, pois à experiência histórica dos pequenos triunfos sobre o mal soma-se a promessa firme da vitória final.




De tal modo que, contra o que muitas vezes se lhe atirou à cara (sem negar que em inúmeras ocasiões foi ela mesma quem lhe deu o flanco), a esperança cristã insufla o alento e a coragem definitivos, pois confere a cada vitória, por pequena que seja, uma importância infinita. Na verdade, as conquistas sobre o mal não acabam com a morte, mas também um copo de água ou uma palavra amável não ficam sem repercussão literalmente eterna: como dizia Teilhard de Chardin, o crente é o único que pode “prolongar até ao infinito” as perspectivas do seu esforço. [El medio divino’, Madrid 1967, 59]




O Vaticano II soube expressá-lo muito bem: “a esperança escatológica não diminui a importância das tarefas temporais, bem pelo contrário proporciona-lhe novos motivos para o seu exercício” [Gaudium et Spes, n.21].

Andrés Torres Queiruga 

As 6 entradas deste blog, para a PÁSCOA_2011, foram traduzidas de:

"Repensar a ressurrección - à diferencia cristiá na continuidade das relixións e da cultura", Andrés Torres Queiruga [pp. 288-304, não contínuas]
Colección O Home e a Sociedade, 2002
Sociedade de Estudios, Publicacións e Traballos (SEPT), ISBN 84-7337-056-2
Apartado 888, 36280 VIGO

e de:

"Al Tercer Día resucitó de entre los muertos", José Ignacio González Faus.
PPC, Editorial y Distribuidora, SA, 2003
c/ Agastia, 80
28043  Madrid
ISBN: 84-288-1669-7

A Conferência Episcopal Espanhola (através da «Congregação para a Doutrina da Fé») "notificou" ('condenou') A. Torres Queiruga acerca de vários 'erros' teológicos graves (na opinião daqueles teólogos) que algumas das suas obras contêm. Ver este link:


[fotos pb: Comunidade Ecuménica de Taizé, 2008]