teologia para leigos

10 de abril de 2011

RESSURREIÇÃO DE LÁZARO, ACTUALIZADA


Lázaro, sai fora dessa «vida» e vai, vai…




Há momentos na vida em que não há mais nada a fazer: diante do peso da inevitabilidade (por ex.: uma doença muito grave de alguém muito próximo de nós), pouco nos sobra a não ser «chorar com os que choram». Raniero Cantalamessa diria: «partilhar o pão das lágrimas». Sem dúvida: estar lado a lado. Jorge Mayer diria: «apenas, abraçar quem sofre».
Sem dúvida – diante das situações NATURAIS, nada mais há que importe. Deus não faria mais, nem melhor! Sem dúvida.

Mas diante do «mal voluntário», do mal premeditado, do mal inventado pela mente humana, diante da maldade como «quebra da eticidade», como «responsabilidade assumida pela desintegração do humano» [Marciano Vidal], diante do mal como expressão da liberdade (humana)… nesse caso, Deus faria mais e melhor. Deus denunciaria! Deus apontaria o dedo, Deus não deixaria que os culpados se escondessem por trás de um qualquer discurso político justificativo, por trás de uma qualquer catequese ou qualquer discurso teológico anódino, por trás de uma qualquer desculpa pessoal, à defesa, comodista. Mais: Deus daria a própria vida!

E foi o que fez!

O relato da Ressurreição de Lázaro [Jo 11:1-57] contém essas duas situações: a força do mal-natural e a força do mal-intencional. Diante da primeira, Jesus não se perturba, não 'perde o pé', não descompensa (v.6 – depois de saber que Lázaro estava gravemente doente, «Jesus ainda se demorou dois dias»). Depois, chora (v.33 - «Jesus comoveu-se profundamente»). Diante da segunda, Jesus não fica paralisado, nem muito menos resignado (v.7b - «Vamos outra vez à Judeia»). E, no entanto, sabia do perigo de vida que corria… Sabia-o, mas seria cínico se não subisse a enfrentar o perigo não-natural que a situação política adensava à sua volta [Jo 10:39 - «Por isso procuravam de novo prendê-lo»].

Com o seu grito «Lázaro, vem cá para fora!», ou seja, «Lázaro, rompe com as lianas da morte e volta à Vida que vale!», Jesus queria deixar claro a todo o auditório (que era grande – v.33 e 45 – e estava suspenso da Sua coragem): rompam com a resignação diante do mal perpetrado, rompam com as leis da opressão que nos atam por dentro e por fora, rompam com a injustiça neo-liberal, rompam com a cobardia do fatalismo, rompam… quebrem todas as cadeias, incluindo as cadeias das 'falinhas mansas' e das suporíferas 'escapadinhas'! 




Rompam as cadeias políticas, as económicas, as religiosas, as da convivialidade social sem tempo-livre esganado pelas preocupações do trabalho ou baseadas em padrões burgueses ao estilo «condomínio fechado» (‘etiqueta e boas maneiras’). NADA A TEMER, diz Jesus. Rompam com o «nasce, trabalha, compra, morre»! Jesus diz: «Desligai-o e ele que vá. Que suba para o Alto!» [Jo 11:44], para a Vida Plena! ROMPAM (velhas) LIANAS E CRIEM (novos) LAÇOS! Dirigindo-se, assim, aos que estavam ali a assistir ('Desligai-o vós'), Jesus mete-os também em sarilhos, força-os a deixar de ser neutrais, obriga-os a entrar na cadeia da solidariedade para com o outro, obriga-os a comprometerem-se, a meter as mãos na massa, a dizer claramente de que lado estão: se do lado da morte (político-religiosa) ou se do lado da vida (plena: ética, social, económica, política, cordial). Quem se abeire de Jesus está tramado: jamais sairá como entrou… Foi o que aconteceu a Lázaro!


Ao lado de Jesus, a Comunidade Primitiva (representada aqui por Lázaro, Marta, Maria e pelos chamados 'tementes a Deus'; Betânia=«BETH-ANAWIN»: 'CASA DE POBRES') aprendeu o que é passar da morte à vida-plena. E aprendeu-o AQUI E AGORA (Jo 12:1) no seu caminhar nesta terra, e muito mais neste tempo histórico de perseguição (v.54 - 'tempo de fuga a resistir no deserto') e não depois deste mundo (v.24 – ou, como à época se dizia , «na ressurreição do último dia», no fim dos tempos, no fim da História da Humanidade, numa Escatologia solteira). Todo o auditório da Comunidade Primitiva aprendeu (auditório AINDA  dividido  e de Fé frágil), todo o auditório o percebeu. Todo, não: muitos!, mas não todos (v.45), pois alguns (v.46) revelaram-se delatores, porque 'Jesus divide os auditórios', mesmo os auditórios da Igreja Católica. Para Jesus, para o Evangelho, a solução nunca foi a fuga aos problemas políticos e sociais... e a busca de refúgio no «túmulo de betão» de uma pseudo-vida religiosa qualquer (aqui representada pelas 'ligaduras' e 'sudário'). Para Jesus a solução passa sempre por três caminhos, que são, entre si, massa e argamassa: a compaixão solidária («comoveu-se profundamente»), a busca de mudanças esperançosas nesta vida («desatai vós») e a alimentação contínua da Esperança na Oração Comunitária, Comunicante e Colectiva («erguendo os olhos ao céu», v.41).

As catástrofes naturais (a morte por doença natural, por ex., a de Lázaro) são a única inevitabilidade que conheço. A austeridade que ‘todos’ nos apregoam na TV (e com que outros consentem calando) não é nenhuma inevitabilidade - é «manha humana» sobreponível à manha dos sumo-sacerdotes e fariseus. Impõe que tomemos partido também, e procuremos ‘saídas para a crise’. Impõe que sejamos determinados como Marta foi determinada diante da 'sua crise'; que NÓS sejamos também determinados em procurar 'saídas para a nossa actual crise' (v.21)!

«Que os educadores eduquem TODOS para a paz e o respeito digno, que os políticos governem TODOS para a justiça, que os trabalhadores trabalhem para o bem de TODOS… que TODOS possamos viver para a concórdia, condenando a violência de maneira radical, total…» [X. Pikaza]


«Para viver à custa da morte dos outros, há que matar os que choram com os que choram e promovem a vida plena.» (Jo 11:57) [X. Pikaza] Por isso, alguns dum certo 'Portugal dos Pequeninos' diziam/dizem que as medidas do PEC-4 «pecam por defeito…», querem mais sangue, exigem mais mortos! Há quem, em Portugal, precise de viver à custa da morte de outros (para que a conta dos banqueiros engorde), tal como os fariseus e sumos-sacerdotes no tempo de Jesus (para que a conta do Templo engordasse).

«A palavra de Jesus: ¡«Lázaro, sai fora!», é um princípio de esperança, mas também de compromisso com a justiça neste mundo.» [X. Pikaza] 


pb\
[foto pb: «nasce, trabalha, compra, morre», mensagem mural na Travessa da Fontinha, Santo Ildefonso, Porto]