teologia para leigos

3 de abril de 2011

BENTO XVI - O LEGALISMO ACIMA DE TUDO: Fraternidade Pio X, Pátio dos Gentios, etc.


«rezai, por mim, para que não fuja, por medo, diante dos lobos» - homilia de Bento XVI aquando da sua sagração



A Igreja e o Evangelho – que fazer dele?

«A intenção do papa Bento XVI em atrair à comunhão eclesial os membros do grupo integrista cismático surgido à volta do bispo francês Marcel Lefebvre provocou um mal estar generalizado no mundo católico. Com o desejo de alcançar o seu objectivo, o pontífice levantou as excomunhões que pesavam sobre os quatro bispos cismáticos sem que, até ao momento, se tenha operado nenhuma reacção positiva da parte de nenhum deles. (…) 

 [o decreto de levantamento é de 21 de Janeiro de 2009, mas fora entregue, na Fraternidade S. Pio X, oficialmente a 20 de Janeiroa «novela das datas», em concreto destas datas, é um dos ‘acontecimentos ‘ mais ridículos que consta da polémica entrevista de Bento XVI a Peter Seewald, «Luz do Mundo», Lucerna,  2010, pp.123, na nota de roda-pé 7] 

 No entanto, foi igualmente claro ao indicar que os cismáticos não podem ser admitidos à comunhão eclesial sem que aceitem a integridade dos documentos conciliares [do Vaticano II]

 (in, Juan María Laboa Gallego, «HISTÓRIA DOS PAPAS – entre O Reino de Deus e as paixões terrenas», A Esfera dos Livros, Abril 2010, p. 461, ISBN 978-989-626-213-6)



Face à pergunta de Peter Seewald «O levantamento da excomunhão foi um erro?», o papa responde: «(…) foram na verdade divulgados imensos disparates (…) não é verdade que esses quatro bispos tenham sido excomungados por causa da sua postura negativa em relação ao Concílio Vaticano II. Na verdade eles foram excomungados por terem aceitado a sagração episcopal sem incumbência papal. Agiu-se nesta matéria de acordo com o cânone aplicável, o que já fazia parte do antigo Direito Canónico. (…) quando um bispo desses reconhece tanto o primado geral como o do Papa em funções em particular é levantada a sua excomunhão, porque ela perde o seu fundamento. Esse é o procedimento que temos seguido na China (…)»

 [Bento XVI, uma conversa com Peter Seewald: “Luz do Mundo – o Papa a Igreja e os Sinais dos Tempos”, Lucerna, Nov 2010, pp. 32, ISBN 978-972-8835-75-0]






Com esta resposta, o Papa contorna a questão mais importante: a Fraternidade afastou-se da «comunhão» por discordar da postura doutrinal maoritária no Concílio. A sagração episcopal é consequência prática da rejeição dos documentos conciliares. Ambas são graves, mas pergunta-se: o que é mais grave, uma sagração cismática, nas 'costas' ou de costas para a «comunhão» ou a não aceitação doutrinária decorrente do Concílio? Para mim, são as duas faces da mesma moeda: uma decorre da outra e não é legítimo - sob pena de hipocrisia - querer separá-las.


E face a uma outra pergunta: «Se soubesse que entre os bispos se encontrava alguém que nega a existência das câmaras de gás dos nazis, teria levantado a excomunhão?» Luz do Mundo”, p.122], o papa responde: «Não. Aí, ter-se-ia, então, primeiro de pôr o caso Williamson à parte. Mas, infelizmente, nenhum de nós pesquisou na Internet e percebeu quem tínhamos ali. (…) Certo é que Williamson é uma figura particular, na medida em que nunca foi católico no verdadeiro sentido. Ele era anglicano e transitou directamente dos Anglicanos para Lefebvre. Ou seja, nunca viveu no seio da Igreja global, nunca viveu em comunhão com o Papa. As nossas instâncias competentes na matéria declararam que os quatro estavam absolutamente decididos a reconhecer o primado. [ibdem, p.122]». No entanto, o papa sentiu a necessidade de imediatamente acrescentar o seguinte dado: «(…)Ao nível do grande mundo do judaísmo, houve no entanto  muitas pessoas que de imediato confirmaram que eu jamais faria de um negador do Holocausto uma pessoa socialmente aceitável.» [ibidem, p.124]



 

É evidente que, para Bento XVI, o mais importante é a submissão à autoridade Papal na forma de uma palavra, mesmo que o comportamento do dia-a-dia (ou seja, a Pastoral, a Teologia, a Espiritualidade, etc.) esteja em contradição com a palavra. Importa o continente, pouco importa o conteúdo...

Enquanto o espectáculo deste Papa prossegue, surge a iniciativa do Pátio dos Gentios. O «diálogo com o mundo» é a prioridade, pertence à chamada Nova Evangelização da Europa e também à «pastoral da cultura». O actual momento do pontificado parece ter entrado num verdadeiro zigue-zague próprio de quem já não sabe que fazer, ou de que deitar mão, para evitar um acidente rodoviário de assinaláveis proporções. Parece (a quem de longe e de fora vê o Vaticano) que a estratégia do actual papa (ele que se auto-definiu como ‘platónico’, «Personalmente soy un poco más platónico»,  in Sal de la tierra, Madrid, Palabra, 1997, p.45) é elevar-se ao mundo das ideias até uma estratosfera mais segura, porque mais longe do mundo dos compromissos, a fim de poder «falar» mais a vontade sem o desconforto do contraditório. O discurso (oficial) é cada vez mais um discurso que se refugia no discurso… O «medo dos lobos» é uma falácia (às vezes tais confissões são típicas de tímidos e nos tímidos é conveniente não confiar: regra geral, são falsos...). Este papa não desiste de pisar no acelerador... nem desiste da pretensão (muito teutónica) de cutucar a onça (como se diz no Brasil).




Ora, acontece que Jesus nunca recusou o contraditório, bem pelo contrário enfrentou-o olhos-nos-olhos, tal como mais tarde Paulo o faria diante da «hipocrisia» de Pedro (diante da questão-conflito: prioridade ao ‘rito religioso’ vs anúncio da Fé libertadora no Ressuscitado).

Por outro lado, Jesus nunca se preocupou com o «diálogo com o mundo» (rematou com o «Dai a César o que é de César»), mas empenhou-se totalmente na construção do Reino de Deus (Jesus recusou, aliás, esse tipo de diálogo como o atesta o  jogo da pergunta «Que é a Verdade?», Jo 18:38, que Jesus rejeitou). Jesus recusou a «pastoral das multidões» [uma d’ As Tentações de Mateus 4:1-11,] e as respectivas perguntas que enxameiam os «pátios» das multidões curiosas. Preferiu começar «de baixo», privilegiando uma «Comunidade Com Escala Humana», os Doze. O mesmo haveria mais tarde de se tornar numa dura lição para Paulo. Em Actos dos Apóstolos 17:16-34 (discurso de Paulo no Areópago de Atenas, duma certa forma também no «átrio» ou no ‘Pátio dos Gentios’ da diáspora grega) aconteceu aquilo que mais tarde será considerado motivo de arrependimento, ou até um erro, por parte de Paulo, quando se dirigiu aos Coríntios (1 Cor 2:1-16). Ou seja, uma pastoral baseada no «prestígio da linguagem ou da sabedoria», numa discussão «argumentativa e persuasiva», em suma, intelectual [v.1-5] (como parece ser a prioridade do actual papa e do nosso bispo D. Manuel Clemente) será votada ao fracasso, será pura perda de energias se não assentar no «testemunho de vida», numa exigente coerência entre as sublimes palavras dos oradores cristãos (do papa, dos cardeais, dos bispos, dos presbíteros, dos leigos) e o seu estilo de vida; isto aplica-se à posse dos bens, à administração do poder e ao uso do dinheiro. 




 Os versículos 10 até ao 16 desta Carta de Paulo são uma tentativa primeira de perceber o que à partida não era evidente, mas que se havia passado em Atenas: de facto, o fracasso da missão acontece sempre que se secundariza o «exemplo de Jesus de Nazaré», ou seja «sempre que se apaga o Espírito» de Jesus de Nazaré (1Ts 5:19) e sempre que se despreza o Seu «espírito de profecia» (Lucas 4:17-24; 1Ts 5:20). No Espírito de Jesus só há uma Humanidade (e não duas: a dos crentes e a ‘dos outros’) e, nele, tanto é pecado sub-valorizar os métodos pastorais como querer pré-julgar as pessoas segundo um apriori mental «não poroso» [Jordi Cussó Porredón, in ‘A Transversalidade dos Valores’, Paróquia de Matosinhos, Centro Comunhão e Cultura, 02:Março:2011]. Paulo cuidou perceber que Evangelizar é, antes, «dar testemunho» duma vida anónima convertida à simplicidade e à pobreza (1Cor 2:3 - «estive no meio de vós cheio de fraqueza») e não enveredar pela ilusão de que o Abba, o «Pai muito querido», o Deus de Jesus possa ser ou vir a ser uma «questão» (a «questão Deus», como diz Ratzinger), questão teórica a discutir na arena (ou no «pátio») da luta filosófica, questão a ser colocada no centro da vida da Europa como «Luz do Mundo». Uma «questão» filosófica (as «chamadas questões capitais», por G. Ravasi: «As perguntas sobre o sentido da existência, sobre o além-vida, sobre a morte. E ainda a questão sobre a categoria de verdade.» «-Encontro muitos cientistas abertos para reflectir sobre as categorias filosóficas da existência». «O poder do mal. Como diz Goethe no Fausto: esquecemo-nos do Grande Maligno, ficaram os Pequenos Sem-Vergonhas.») nunca será a Luz Pascal, mas questão que arrastará mil outras questões, como aliás é próprio e legítimo da filosofia. Eis o que separa o Discurso de Paulo no Areópago do Discurso de Pedro ao Povo junto ao pórtico de Salomão (Actos 3:12-26). Ao primeiro, segue-se o ridículo (Act 17:16 - «que quererá este papagaio? Parece um pregoeiro…»). Ao segundo, segue-se a Partilha dos bens (Act 4:32), a construção da Comunidade, o fortalecimento da Igreja, uma certa forma de antecipação do Reino. Eis o que separa Paulo, e seu ridículo discurso, do Testemunho de Vida e de Fé de Estêvão (Act 7), ao qual se segue inevitavelmente o Martírio, a morte por apedrejamento (Act 7:54-60; de nada adiantou a Paulo presenciar o apedrejamento - Act 8:1 – porque aquilo que, como fariseu, ainda habitava a mente de Paulo era «Deus como questão», Deus como questão ideológico-teológica; ora, é precisamente isso que AQUI E AGORA ainda habita a mente de Bento XVI e a dos seus escolhidos).





Mas, voltando ainda atrás, que fez Paulo? Tentou «filosofar» para entender o porquê do seu fracasso em Atenas («Quem de entre os homens conhece o que há no homem se não o espírito do homem que nele habita? Assim também as coisas que são de Deus, ninguém as conhece a não ser o Espírito de Deus»). Infelizmente, acabou por se enredar num outro labirinto, o das distinções filosóficas, o da iluminação a partir dos conceitos (o «novelo das distinções») tão ao gosto dos que não conheceram Jesus de Nazaré ao vivo (como foi o caso de Paulo) ou dos que temem em se comprometer com a radical simplicidade do Evangelho de Jesus (como é o caso da nossa Igreja Oficial). Ora, acontece que Jesus nunca «fez escola», nem organizou «átrios» ou «pátios» de filosofia tão ao gosto do helenismo do seu tempo e também do actual papa ou de uns tímidos e hesitantes seguidores da Igreja oficial portuguesa, hoje…

Será, de facto, por aí a via, o Caminho?




Consultando o site «Religionline» damo-nos já conta do que será o mais do que provável fracasso evangelizador da iniciativa «Pátio dos Gentios» liderada, a pedido do papa, por Gianfranco Ravasi, em Paris (como se os sofás fossem «lugares de conversão» por excelência…). A carta (extracto) do filósofo italiano Paolo Flores d’Arcais a Gianfranco Ravasi, diz tudo sobre a envolvente da iniciativa:
«Trata-se, além disso, de temas previstos no confronto com o cardeal Ratzinger, que não foi possível enfrentar por falta de tempo (havia também aquele sobre o Jesus histórico, que certamente interessará ao senhor, biblista de fama). Convido-o, portanto, às "Jornadas da Laicidade", que ocorrerão em Reggio Emilia entre os dias 15 e 17 de abril, às quais se recusaram a participar os 15 cardeais que convidamos e nas quais o senhor poderá discutir com ateus não "patos mancos" como Savater, Hack, Odifreddi, Giorello, Pievani, Luzzatto e, por último, este que se subscreve.
Se, depois, a sua agenda não lhe permitir acolher este convite, proponho-lhe organizar juntos, o senhor e eu, uma série de confrontos nos tempos e lugares que o senhor julgar oportunos. Devo, porém, dizer-lhe, com toda a franqueza, que não consigo libertar-me da sensação – nos últimos anos empiricamente consolidada – de que o "diálogo" que o senhor teoriza quer, ao contrário, evitar o próprio confronto com o ateísmo italiano mais consequente. Paolo Flores d’Arcais, filósofo.»





A Igreja Oficial (e a grande maioria das Igrejas Locais e Paroquiais) continua sem saber o que fazer da «castanha quente» que Jesus lhes deixou nas mãos… Concretamente, como «fazer o Reino», como «fazer» o Evangelho - sonho que Jesus quis de Felicidade para toda a Humanidade. O caso da Fraternidade Pio X (dentro deste, o caso Williamson) e agora a iniciativa do «Pátio dos Gentios» provam bem como a Igreja Oficial (também) anda «à rasca»... Estigmatizando o mundo ocidental com a expressão «lugar das questões penúltimas», quer dar de si a imagem de «perita em questões últimas» tacteando às escuras nas circunvoluções cerebrais. Esquecendo-se do prévio a tudo isso, esquece-se do essencial: de se propor como «modelo fraterno e cordial de vida humana», asa-com-asa, anónima e frágil, com os desvalidos, condição primordial para ser digno convidado do Grande Banquete [Mt 22:7-14].


 
E tudo porque, simplesmente, lhe custa aceitar que ‘o Reino de Deus é como um Grão de Mostarda…’

pb\

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 [fotos PB: as 3 primeiras foram feitas em Roma, no Vaticano; as 6 seguintes foram feitas por mim na Comunidade Ecuménica de Taizé]