teologia para leigos

3 de outubro de 2013

ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO [JM VIGIL]

Espiritualidade da Libertação

Ícone da «Comunidade da Trindade» - S. Salvador da Baía_Brasil


A Espiritualidade da Libertação [EL] é uma das “palavras-chave” na América Latina e nas suas Igrejas. Sem dúvida que é o que está por trás da vivência histórica que este Continente experimentou a partir do último terço do século XX, aquilo que mexeu com, e animou, os seus agentes pastorais e os seus bispos, a sua teologia da libertação e as suas comunidades eclesiais de base, os seus inúmeros profetas anónimos e mártires gloriosos. Costuma-se dizer que aquilo que naquela experiência primeiro se desenvolveu foram as suas novas práticas libertadoras, as quais deram origem à teoria (a teologia da libertação) e, por fim, é que se desenvolveu a espiritualidade… Isso é verdade quanto à ‘espiritualidade escrita’, porque a outra, a verdadeira espiritualidade, o próprio espírito, não fora o último a chegar: rigorosamente, o espírito foi o primeiro, foi aquilo que deu origem a tudo mais, quem tudo desenvolveu desde os começos. Acontece que o Espírito necessita de desenvolver processos históricos, os quais, apenas no fim, deixam vislumbrar e permitir que se compreenda o processo no seu todo e o respectivo significado.

Ora, acontece que foi isto mesmo o que aconteceu com a Espiritualidade da Libertação [EL]: estava lá desde os começos, foi a origem e fundamento de todo o processo, mas apenas no fim é que se pode exprimir, de uma forma sistemática, por escrito. Aquilo que agora queremos fazer é apresentá-la sinteticamente e fazer a avaliação dessa “chave” (mais do que uma “palavra-chave”), esse carácter espiritual que empapa, motiva e explica todas as outras chaves e palavras-chave da Igreja que está na América Latina.

Na verdade todos o sabemos na América Latina existem muitas espiritualidades: pré-Conciliares e até tridentinas, New Age, ‘Kikos’ [“caminho neo-catecumenal”], Opus Dei, carismáticos… e um sem número de fundamentalismos. Contudo, ainda que tenham crescido aqui, na América Latina, todas nasceram fora daqui, onde são ‘mais e melhores’ do que aqui. No entanto, também há uma espiritualidade genuinamente latino-americana – latino-americana por antonomásia – nascida e crescida entre nós, confirmada com sangue mártir nesta nossa fértil terra, e oferecida a todo o mundo como o nosso carisma, a nossa graça, o nosso dom peculiar, que o Espírito nos deu «para proveito comum» (1 Cor 12:7). É a esta espiritualidade que nos referiremos de agora em diante.


Síntese da Espiritualidade da Libertação

A Espiritualidade da Libertação [EL] não é um conjunto de devoções ou práticas religiosas… A EL é verdadeiramente um “espírito”, um carácter, uma força, uma forma de enfrentar o mundo e a realidade, uma atitude face à vida e à história. Procuremos responder à pergunta: quais são os traços essenciais, os elementos básicos característicos que configuram aquilo que no seu todo se denomina Espiritualidade da Libertação [EL]? Que arquétipos, que pilares do pensamento, da mística, da paixão, da utopia latino-americana dão forma e configuração a esse espírito?

A espiritualidade latino-americana caracteriza-se por ter elevado ao primeiro plano o Jesus histórico, o Jesus de Nazaré real, e por ter confessado, nele e não numa abstracção o Cristo Messias, o Filho do Deus vivo, a Palavra feita carne e sangue. Poucas espiritualidades colocaram tão centralmente, como colocou a nossa espiritualidade, o seguimento de Jesus, o prosseguimento da sua causa, a prossecução do seu caminhar pela história. Portanto, é possível eleger o modelo “Jesus” para que (…).

JOSÉ MARIA VIGIL, teólogo

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