Espiritualidade
da Libertação
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A Espiritualidade da Libertação [EL]
é uma das “palavras-chave” na América Latina e nas suas Igrejas. Sem dúvida que
é o que está por trás da vivência histórica que este Continente experimentou a
partir do último terço do século XX, aquilo que mexeu com, e animou, os seus
agentes pastorais e os seus bispos, a sua teologia da libertação e as suas
comunidades eclesiais de base, os seus inúmeros profetas anónimos e mártires
gloriosos. Costuma-se dizer que aquilo que naquela experiência primeiro se
desenvolveu foram as suas novas práticas libertadoras, as quais deram origem à
teoria (a teologia da libertação) e, por fim, é que se desenvolveu a
espiritualidade… Isso é verdade quanto à ‘espiritualidade escrita’, porque a
outra, a verdadeira espiritualidade, o próprio espírito, não fora o último a
chegar: rigorosamente, o espírito foi o primeiro, foi aquilo que deu origem a
tudo mais, quem tudo desenvolveu desde os começos. Acontece que o Espírito
necessita de desenvolver processos históricos, os quais, apenas no fim, deixam
vislumbrar e permitir que se compreenda o processo no seu todo e o respectivo
significado.
Ora, acontece que foi isto mesmo o
que aconteceu com a Espiritualidade da Libertação [EL]: estava lá desde os
começos, foi a origem e fundamento de todo o processo, mas apenas no fim é que
se pode exprimir, de uma forma sistemática, por escrito. Aquilo que agora
queremos fazer é apresentá-la sinteticamente e fazer a avaliação dessa “chave”
(mais do que uma “palavra-chave”), esse carácter espiritual que empapa, motiva
e explica todas as outras chaves e palavras-chave da Igreja que está na América
Latina.
Na verdade ─ todos o sabemos ─ na América Latina existem muitas
espiritualidades: pré-Conciliares e até tridentinas,
New Age,
‘Kikos’ [“caminho neo-catecumenal”],
Opus Dei, carismáticos… e um sem número de fundamentalismos. Contudo, ainda que
tenham crescido aqui, na América Latina, todas nasceram fora daqui, onde são ‘mais
e melhores’ do que aqui. No entanto, também há uma espiritualidade
genuinamente latino-americana – latino-americana por antonomásia – nascida e
crescida entre nós, confirmada com sangue mártir nesta nossa fértil terra, e
oferecida a todo o mundo como o nosso carisma, a nossa graça, o nosso
dom peculiar, que o Espírito nos deu «para proveito comum» (1 Cor 12:7). É a
esta espiritualidade que nos referiremos de agora em diante.
Síntese da
Espiritualidade da Libertação
A Espiritualidade da Libertação [EL]
não é um conjunto de devoções ou práticas religiosas…
A EL é verdadeiramente um “espírito”, um carácter, uma força, uma forma de
enfrentar o mundo e a realidade, uma atitude face
à vida e à história. Procuremos responder à pergunta: quais são os
traços essenciais, os elementos básicos característicos que configuram aquilo
que no seu todo se denomina Espiritualidade da Libertação [EL]? Que arquétipos,
que pilares do pensamento, da mística, da paixão, da utopia latino-americana
dão forma e configuração a esse espírito?
A espiritualidade latino-americana
caracteriza-se por ter elevado ao primeiro plano o Jesus
histórico, o Jesus de Nazaré real, e por ter confessado, nele ─ e não numa abstracção ─
o Cristo Messias, o Filho do Deus vivo, a Palavra feita carne e sangue. Poucas
espiritualidades colocaram tão centralmente, como colocou a nossa
espiritualidade, o seguimento de Jesus,
o prosseguimento da sua causa, a prossecução do seu caminhar pela história.
Portanto, é possível eleger o modelo “Jesus”
para que (…).
JOSÉ MARIA VIGIL,
teólogo
[9
pp.]