teologia para leigos

4 de outubro de 2013

1. CAUSAS DA CRISE FINANCEIRA [J. TOPOROWSKI]




Preâmbulo
por Júlio Mota, Luís Lopes e Margarida Antunes
FEUC, Coimbra 2010



Tempos difíceis hoje, na Europa e no Mundo. Quando estalou, em Setembro de 2008, a chamada Crise dos créditos de alto risco claramente organizada pelos grandes bancos de investimento, pelos fundos especulativos, pelos hedge funds (todos estes fundos com todos os direitos e mais alguns dos bancos, mas sem as respectivas obrigações; e, para além disso, na sua maioria sediados em paraísos fiscais), − Crise, aliás, também organizada por outros especuladores de vários matizes − eis que os Estados se agastaram a procurar apagar os fogos que a Crise lançou. Os Estados endividaram-se, por isso, ainda mais. Sem outra resposta disponível que não fosse a utilização do Orçamento para salvar os bancos da sua própria voracidade e diminuir as tensões que se criavam na economia real devido às elevadas taxas de desemprego que, entretanto, continuavam e continuam a disparar, os Estados alargaram os seus défices relativamente ao PIB e aumentaram a dívida pública com o volume de títulos emitidos. Aconteceu um aumento excessivo e perigoso do mercado de obrigações da dívida dos Estados, sem colidir com o investimento privado, sem que tenha havido verdadeiramente crescimento económico − porque esse exige outras medidas, outra leitura da Crise, uma leitura que os Governos não querem fazer. É assim que se abre o caminho para que os mercados financeiros façam desta situação uma nova bolha especulativa. Aumento do volume de títulos, de obrigações, eis o novo alvo do ataque dos especuladores: a dívida de cada país e, para ser mais eficaz o ataque, tomada (visada) uma de cada vez.

Esta cegueira é, em si mesma, uma característica do modelo neoliberal, que assenta na diminuição do papel do Estado e na soberania total dos mercados [financeiros]. A economia real, essa, é a grande esquecida neste caos, quando é nela que melhor se expressam os efeitos da desgovernação neoliberal dos últimos trinta anos. Tudo se passa, como se actual divisão internacional do trabalho − que cria e destrói milhões de postos de trabalho, em diferentes momentos e em diferentes espaços do planeta, onde se geram ou se expressam os desequilíbrios reais − não tivesse nada a ver com a difícil situação que todos estamos a atravessar. Desta, curiosamente, ninguém fala, para essa ninguém procura medidas, como se tal crise fosse apenas financeira.

Mas, pasme-se ainda mais: mesmo quanto a considerar esta Crise como sendo somente financeira, para além da injecção de dinheiro referida [«a utilização do Orçamento para salvar os bancos»], nenhuma medida credível foi até agora tomada contra ela. A prova? A prova disso está em que a especulação continua a andar à solta, tendo agora escolhido como alvo, não as moedas, não as matérias-primas, não os créditos mal parados (como o fez nestes últimos anos) − a especulação escolheu outros alvos: atacar os Governos, um a um. A prova é que as agências de rating, em vez de serem agentes na prevenção de riscos, como deveria ser a sua função, agora, continuam a ser preponderantes, tal como o foram na Crise dos créditos de alto risco: são agentes desestabilizadores das situações de fragilidade que todas as economias sem excepção (repetimos: sem excepção) atravessam actualmente. A prova está também em que as economias, desde os países mais frágeis aos mais fortes, tudo fazem para satisfazer os mercados. Inversão de papéis: em vez de serem os Governos a regular os Mercados, como seria obrigação em regimes democráticos, são antes os Mercados que regulam os Governos; afinal, não são as ‘urnas de voto’ a regular os Mercados. É a própria democracia que está a ser posta em causa.

É neste plano que se inscrevem as situações que a Grécia, depois Portugal, depois Espanha atravessam. Mas quem nos diz que depois não será a Itália, depois a Irlanda, depois a Inglaterra, depois… Depois, quem sabe? A série de países poderá continuar, e assim continuará se nada mudar.

O exemplo da Espanha é emblemático da organização sistemática da Crise actual, do verdadeiro atentado à democracia que os mercados financeiros estão a organizar. Quando o crescimento económico da Espanha no tempo de Aznar assentava basicamente na bolha especulativa do imobiliário, nenhuma agência desceu o rating de Espanha, como agora o fez. Então, a que se deve a última baixa do rating de Espanha na era Zapatero? Pasme-se de novo! Neste contexto recessivo, o crescimento antecipado para a Espanha para o período de 2010-2016 será de 0,7% do PIB e não 1%, como a mesma agência de rating antecipava anteriormente! E assim dispara a taxa de juro de remuneração dos títulos, assim disparam os encargos da dívida pública espanhola, assim disparam os cortes salariais, assim disparam os impostos, assim diminui a despesa pública espanhola, assim diminui o consumo e se contrai o investimento, assim diminui o PIB e assim se realizam, depois, em 2016, as expectativas da referida agência! Esta é a espiral do inferno que os novos mercadores financeiros nos querem impor − se nós deixarmos, se a Europa não tiver os recursos políticos e intelectuais para lhes responder. É esta exigência que se impõe à Europa, e rapidamente, caso não queiramos que esta se transforme num campo de caça aos países em maiores dificuldades. E, de novo, exige-se que se olhe para a economia real, pois é o futuro de cada um de nós que alguém anda a caçar.




FONTES DE CRISE FINANCEIRA
por Jan Toporowski


1.   Significado de «contracção do crédito» (credit crunch)

A Crise financeira é tão frequentemente designada como «contracção do crédito» que, para muitos, está associada a uma falência bancária qualquer. De facto, a expressão «contracção do crédito» possui um significado técnico muito específico. Acontece uma contracção do crédito quando os bancos ou as instituições financeiras que emprestaram dinheiro a longo prazo estão a financiar tais empréstimos contraindo – ele(a)s mesmo(a)s – empréstimos a curto prazo que não podem ser reembolsados a partir de um novo empréstimo a curto prazo. Há várias razões para os bancos não quererem fazer isso. Uma delas está no facto de a taxa de juro dos empréstimos a curto prazo ser muito inferior à taxa de juro dos empréstimos a longo prazo. Mas a razão corrente, neste tipo de financiamento, nos dois últimos anos, tem sido a dificuldade encontrada pelos bancos para venderem empréstimos em pacotes como título de dívida (bonds) − ver mais adiante «titularização». Dado que a posse de títulos de dívida a longo prazo constitui uma imobilização de capital bancário, de acordo com o sistema de regulação bancária vigente, os bancos estavam a vender sob a forma de “produtos derivados” («fora da folha de balanço») designados como SPVspecial purpose vehicles») financiados através da tomada de empréstimos a curto prazo. Quando os mercados de dinheiro interbancário interromperam a concessão de empréstimos, no Verão de 2007, os bancos, que comercializavam SPV, verificaram que detinham (…).


Jan Toporowski, «Fontes de Crise Financeira»

[8 p.]