Preâmbulo
por Júlio
Mota, Luís Lopes e Margarida Antunes
FEUC,
Coimbra 2010
Tempos difíceis
hoje, na Europa e no Mundo. Quando estalou, em Setembro de 2008, a chamada Crise dos
créditos de alto risco claramente organizada pelos grandes bancos de
investimento, pelos fundos especulativos, pelos hedge funds (todos estes fundos
com todos os direitos
e mais alguns dos bancos, mas sem as respectivas obrigações; e, para além disso, na
sua maioria sediados em paraísos fiscais), − Crise, aliás, também
organizada por outros especuladores de vários matizes − eis que os Estados se
agastaram a procurar apagar os fogos que a Crise lançou. Os
Estados endividaram-se, por isso, ainda mais. Sem outra resposta
disponível que não fosse a utilização do Orçamento para salvar os bancos da sua
própria voracidade e diminuir as tensões que se criavam na economia
real devido às elevadas taxas de desemprego que, entretanto,
continuavam e continuam a disparar, os Estados alargaram os seus défices
relativamente ao PIB e aumentaram a dívida pública com o volume de títulos
emitidos. Aconteceu um aumento excessivo e perigoso do mercado de obrigações da
dívida dos Estados, sem colidir com o investimento privado, sem que tenha havido verdadeiramente crescimento
económico − porque esse exige outras medidas, outra leitura da
Crise, uma leitura que os Governos não querem fazer. É assim que se abre o
caminho para que os mercados financeiros façam desta situação uma nova bolha especulativa. Aumento do
volume de títulos, de obrigações, eis o novo alvo do ataque dos especuladores: a dívida de cada país e, para ser mais
eficaz o ataque, tomada (visada) uma de cada vez.
Esta cegueira é, em
si mesma, uma característica do modelo neoliberal, que assenta na diminuição do papel do Estado e na soberania total dos mercados
[financeiros]. A economia real,
essa, é a grande esquecida neste caos, quando é nela que melhor se expressam os
efeitos da desgovernação neoliberal dos últimos trinta anos. Tudo se passa,
como se actual divisão internacional do trabalho − que cria e destrói milhões
de postos de trabalho, em diferentes momentos e em diferentes espaços do
planeta, onde se geram ou se expressam os desequilíbrios reais − não tivesse
nada a ver com a difícil situação que todos estamos a atravessar. Desta,
curiosamente, ninguém fala, para essa ninguém procura medidas, como se tal
crise fosse apenas financeira.
Mas, pasme-se ainda
mais: mesmo quanto a considerar esta Crise como sendo somente financeira, para
além da injecção de dinheiro referida [«a
utilização do Orçamento para salvar os bancos»], nenhuma medida
credível foi até agora tomada contra ela. A prova? A prova disso está em que a especulação
continua a andar à solta, tendo agora escolhido como alvo, não as
moedas, não as matérias-primas, não os créditos mal parados (como o fez nestes
últimos anos) − a especulação escolheu outros alvos: atacar os Governos, um a
um. A prova é que as agências de rating, em vez de serem
agentes na prevenção de riscos, como deveria ser a sua função, agora, continuam
a ser preponderantes, tal como o foram na Crise dos créditos de alto risco: são
agentes desestabilizadores das situações de fragilidade que todas as economias
sem excepção (repetimos:
sem excepção) atravessam actualmente. A prova está também em que
as economias, desde os países mais
frágeis aos mais fortes, tudo fazem para satisfazer os mercados.
Inversão de papéis: em vez de serem os Governos a regular os Mercados, como
seria obrigação em regimes democráticos, são antes os Mercados que regulam os
Governos; afinal, não são as ‘urnas de
voto’ a regular os Mercados. É a própria democracia que está a ser posta em causa.
É neste plano que
se inscrevem as situações que a Grécia, depois Portugal, depois Espanha
atravessam. Mas quem nos diz que depois não será a Itália, depois a Irlanda,
depois a Inglaterra, depois… Depois, quem sabe? A série de países poderá
continuar, e assim continuará se nada mudar.
O exemplo da
Espanha é emblemático da organização sistemática da Crise actual, do verdadeiro
atentado à democracia que os mercados financeiros estão a organizar. Quando o
crescimento económico da Espanha no tempo de Aznar
assentava basicamente na bolha especulativa do imobiliário, nenhuma agência desceu
o rating de Espanha, como agora o
fez. Então, a que se deve a última baixa do rating
de Espanha na era Zapatero?
Pasme-se de novo! Neste contexto recessivo, o crescimento antecipado para a
Espanha para o período de 2010-2016 será de 0,7% do PIB e não 1%, como a mesma
agência de rating antecipava
anteriormente! E assim dispara a
taxa de juro de remuneração dos títulos, assim
disparam os encargos da dívida pública espanhola, assim disparam os cortes salariais, assim disparam os impostos, assim
diminui a despesa pública espanhola, assim
diminui o consumo e se contrai o investimento, assim diminui o PIB e assim
se realizam, depois, em 2016, as expectativas da referida agência! Esta é a espiral do inferno
que os
novos mercadores financeiros nos querem impor − se nós deixarmos, se a Europa
não tiver os recursos políticos e intelectuais para lhes responder. É esta
exigência que se impõe à Europa, e rapidamente, caso não queiramos que esta se
transforme num campo de caça aos países em maiores dificuldades. E, de novo,
exige-se que se olhe para a economia real,
pois é o
futuro de cada um de nós que alguém anda a caçar.
FONTES DE CRISE FINANCEIRA
por Jan Toporowski
1.
Significado de «contracção do
crédito» (credit crunch)
A Crise financeira
é tão frequentemente designada como «contracção do crédito» que, para muitos,
está associada a uma falência bancária qualquer. De facto, a expressão
«contracção do crédito» possui um significado técnico muito específico.
Acontece uma contracção do crédito quando os bancos ou as instituições
financeiras que emprestaram dinheiro a longo prazo estão a financiar tais
empréstimos contraindo – ele(a)s mesmo(a)s – empréstimos a curto prazo que não podem ser
reembolsados a partir de um novo empréstimo a curto prazo. Há várias
razões para os bancos não quererem fazer isso. Uma delas está no facto de a
taxa de juro dos empréstimos a curto prazo ser muito inferior à taxa de juro
dos empréstimos a longo prazo. Mas a razão corrente, neste tipo de
financiamento, nos dois últimos anos, tem sido a dificuldade encontrada pelos bancos para
venderem empréstimos em pacotes como título de dívida (bonds)
− ver mais adiante «titularização». Dado que a posse de títulos de dívida a
longo prazo constitui uma imobilização de capital bancário, de acordo com o
sistema de regulação bancária vigente, os bancos estavam a vender sob a forma
de “produtos derivados” («fora da folha
de balanço») designados como SPV («special purpose vehicles») financiados através
da tomada de empréstimos a curto prazo. Quando os mercados de dinheiro
interbancário interromperam a concessão de empréstimos, no Verão de 2007, os
bancos, que comercializavam SPV, verificaram que detinham (…).
Jan
Toporowski,
«Fontes de Crise Financeira»
[8 p.]