teologia para leigos

6 de outubro de 2013

2. EVITAR A CATÁSTROFE SOCIAL [G. EPSTEIN]

Fazer justiça, anunciar a metanoia, evitar a catástrofe

Quando Jesus responde a Pilatos «O meu Reino não é deste mundo» (Jo 18:36) poderíamos inferir daí que as minudências deste mundo são de valor relativo para efeitos da nossa salvação. Na verdade, se assim fosse, Jesus nunca se teria preocupado tanto – como de facto se preocupou – com questões de dinheiro e de ganância. Jesus chegou ao ponto de dizer que a experiência de Deus até se pode fazer aquém da instituição religiosa, mas nunca aceitou que ela se fizesse para além das relações humanas feridas de morte pelo deus-dinheiro e/ou a ganância (confira: Mateus 5:23-24, Mateus 25:40, Mateus 19:23, Lucas 12:13ss, 1 Jo 3:17; 1 Tm 6:10; Mt 6:24; Lc 16:13; Mc 14:4-8; Lc 15:28.29-30; Lc 12:16-32; Mt 27:1-5; Mc 12:41-44; Jo 12:1-6; Mt 23:23, Lc 16:14; etc.).

«E, no entanto, − como diz S. Paulo − é de sabedoria que nós falamos entre os cristãos; sabedoria que não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo, votados à destruição.» (1 Cor 2:6)

Portanto, como seguidores de Jesus é inconcebível que sejamos sábios em matéria de espiritualidade ou de práticas devocionais a um Deus que (só) nos ama e ignorantes em matéria dramaticamente tão próxima de nós, como é o caso da Crise financeira, económica e política que (só) nos angustia.

Este texto do Prof. Gerald Epstein (Massachusetts), proferido em Coimbra,  introduz-nos na “terminologia de executivo” que hoje em dia entope os noticiários e a boca dos comentadores de economia. Este texto vem na sequência do artigo de Jan Toporowski, «Fontes de Crise Financeira», que anteriormente editamos. Porém, pretende traçar um programa, em nove pontos, para reformar o sistema financeiro global, dando, assim, um contributo concreto numa matéria que os governantes insistentemente nos tentam convencer ser do âmbito do destino, da fatalidade, do nosso fado nacional.

Os nossos governantes, fanáticos neoliberais (PSD-CDS), repetem à exaustão que «o sistema é o que é» e toda a tentativa de lhe querer escapar não passa duma utopia angelical… porque, simplesmente não temos dinheiro que chegue! Por outras palavras: como que diante dum altar a um deus sanguinário (Is 1:11), “estamos nas mãos da troika” e não há volta a dar-lhe…. Eis a «sabedoria da destruição» dos donos deste mundo! Para G. Epstein há volta a dar-lhes, sim.

Para Jesus também sempre houve alternativa a este mundo excludente assente na sabedoria dos «espertalhuços dos mercados» (Mt 9:9). Para Jesus, o mundo está sempre em aberto, o mundo pode sempre ser “um mundo outro”, um mundo de criação-criativo, um mundo em que podemos sempre regressar à vida (económica, pois então) caso acreditemos, de olhos bem abertos, decididamente no seu Reinado (Mt 15:26-28). Reinado que é, acima de tudo, de justiça (Is 1:17) com partilha (Jo 6), em que até os cleptómanos das finanças que nos (des)governam são recicláveis… (Lc 19), vejam só!

Bispos e Papas falam de «bem comum», de «defesa da propriedade privada», «a justa função dos lucros», «o capitalismo como único modelo de organização económica» depois do fim do socialismo e do marxismo, «um futuro económico onde caibam todos», «dar a cada um o que lhe é devido», «justiça, enquanto conformidade moral de cada um com o que Deus espera dele», «subsidiariedade e solidariedade», etc. etc. etc. - falta de melhores conceitos ou estratégia objectiva?

É concebível que um doente entre num Serviço de Urgência hospitalar de hoje a queixar-se de que sente uma certa separação de humores causada quiçá por umas laranjas que ceara na véspera? Igualmente, não será tempo de os cristãos - leigos, diáconos, presbíteros, bispos e Papas - falarem a linguagem instrumental que a economia política hoje exige (e não apenas aqueles conceitos ambíguos, de eficácia muito débil ou até totalmente ineficazes por que não-analíticos)? Era nesta linha de tensão que S. Paulo situava já a experiência cristã: «E, no entanto, é de sabedoria que nós falamos entre os cristãos; sabedoria que não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo, votados à destruição.» (1 Cor 2:6).

«Que o vosso «sim» seja sim e que o vosso «não» seja não, para não incorrerdes em condenação.» (Tg 5:12)

O Deus bíblico não admite à sua mesa os cobardes e os ambíguos… Deus detesta os que não se sobressaltam nunca nem ‘põem os nomes aos bois’ a fim de nunca se comprometerem com um dos lados (1 Rs 18:21) e, assim, salvarem a pele (Jo 18:25-27).

«Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno - e não és frio nem quente - vou vomitar-te da minha boca.» (Ap 3:16)







A Crise financeira Global:
- evitar uma Grande Depressão e conter o ciclo destrutivo

por Gerald Epstein



I - Introdução

Os Estados Unidos, e certamente também o mundo inteiro, enfrentam a perspectiva de um desastre económico nunca visto que se prolongará ao longo de várias gerações, concomitantemente com enormes riscos sociais e políticos. Há um conjunto emaranhado de pressões que são provenientes, em primeiro lugar, dos mercados financeiro e imobiliário e que arrastaram a situação económica para a Crise, que surgiu de início nos mercados financeiros e no mercado do imobiliário, mas que está agora a arrastar a economia real para a depressão, o que começou a produzir a intervenção dos estabilizadores e instituições macroeconómicas. A acção rápida e coordenada dos governos das economias industrializadas – em especial os da Europa, dos Estados Unidos e da China – e o apoio das instituições financeiras internacionais podem fazer com que se saia desta Crise Global.

Mas esta acção só será eficaz se for maciça e fortemente dirigida para a satisfação das necessidades das pessoas e das comunidades, em vez de querer sobretudo proteger as instituições falhadas e as práticas do passado que, em primeiro lugar, ajudaram a criar a Crise e que agora se têm tornado ineficazes ou mesmo contraproducentes.

(…)

Até agora, a administração Bush nos Estados Unidos e alguns governos na Europa investiram vários milhões de milhões de dólares em acções pontuais de apoio aos mercados e às instituições financeiras (bailout)[1], esperando que os efeitos positivos dessa ajuda financeira se difundiam pouco a pouco pelo resto da economia.[2]

(…)

Mas esta política falhou, enquanto as principais instituições financeiras acumularam muito dinheiro ou usaram os seus fundos para continuarem, durante décadas, as suas políticas agressivas de aquisição de outros bancos, e iam pagando pródigos honorários para enriquecer elites financeiras, todas elas com fortes ligações aos meios governamentais.

(…)

Para ser bem sucedida, a Administração Obama e os governos europeus necessitam de uma mudança radical de direcção e de passar, então, a colocar a economia real no centro das preocupações, de modo que seja esta a determinar o sentido das políticas e se passe a reestruturar o arruinado sistema financeiro, (…)

O nosso programa regulador de nove pontos está assim projectado para ter uma função correctora, e decorre destes (quatro) principais problemas.

I – A redução do incentivo às estruturas assimétricas e o perigo moral

(…)

II – Alargar e reforçar os objectivos da regulação

(…)

III – Aumentar a transparência

(…)

IV – Reduzir a Intensidade da Tendência Pró-cíclica

(…)

Etc. etc. etc.


Gerald Epstein
Professor catedrático da Universidade de Massachusetts. Amherst.

[17 p.]









[1] O termo bailout é uma acção de apoio financeiro pontual para salvar uma empresa da bancarrota, da insolvência ou da total liquidação e da ruína (Nota do tradutor).
[2] Sarah Anderson e outros analistas do Institute for Policy Studies estimaram que os Estados Unidos e os governos europeus já atribuíram 4,1 milhões de milhões para salvar da falência imediata (to bail out) bancos e outras instituições financeiras (IPS, 2008).