Fazer justiça, anunciar a metanoia, evitar a catástrofe
Quando Jesus responde a Pilatos «O meu
Reino não é
deste mundo» (Jo 18:36) poderíamos inferir daí que as minudências deste
mundo são de valor relativo para efeitos da nossa salvação. Na verdade, se
assim fosse, Jesus nunca se teria preocupado tanto – como de facto se preocupou
– com questões de dinheiro e de ganância. Jesus chegou ao ponto de dizer que a
experiência de Deus até se pode fazer aquém da instituição religiosa, mas nunca aceitou
que ela se fizesse para além das relações humanas feridas de morte
pelo deus-dinheiro e/ou a ganância (confira: Mateus 5:23-24, Mateus 25:40,
Mateus 19:23, Lucas 12:13ss, 1 Jo 3:17; 1 Tm 6:10; Mt 6:24; Lc 16:13; Mc
14:4-8; Lc 15:28.29-30; Lc 12:16-32; Mt 27:1-5; Mc 12:41-44; Jo 12:1-6; Mt
23:23, Lc 16:14; etc.).
«E, no entanto, − como diz S. Paulo − é de sabedoria que nós falamos entre os cristãos;
sabedoria que não
é deste mundo, nem dos chefes deste mundo, votados à destruição.» (1
Cor 2:6)
Portanto, como seguidores de Jesus é
inconcebível que sejamos sábios
em matéria de espiritualidade ou de práticas devocionais a um Deus que (só) nos
ama e ignorantes em matéria
dramaticamente tão próxima de nós, como é o caso da Crise financeira, económica
e política que (só) nos angustia.
Este texto do Prof. Gerald Epstein (Massachusetts), proferido em Coimbra, introduz-nos na “terminologia de executivo” que
hoje em dia entope os noticiários e a boca dos comentadores de economia. Este
texto vem na sequência do artigo de Jan Toporowski, «Fontes de Crise Financeira», que anteriormente editamos. Porém,
pretende traçar um programa, em nove
pontos, para reformar o sistema financeiro
global, dando, assim, um contributo concreto numa matéria que os
governantes insistentemente nos tentam convencer ser do âmbito do destino, da
fatalidade, do nosso fado nacional.
Os nossos governantes, fanáticos neoliberais (PSD-CDS),
repetem à exaustão que «o sistema é o que é» e toda a tentativa de lhe querer
escapar não passa duma utopia angelical… porque, simplesmente não temos
dinheiro que
chegue! Por outras palavras: como que diante dum altar a um deus
sanguinário (Is 1:11), “estamos nas mãos da troika”
e não há volta a dar-lhe…. Eis a «sabedoria da
destruição» dos donos deste mundo!
Para G. Epstein há volta a dar-lhes, sim.
Para Jesus também sempre
houve alternativa a este mundo excludente assente na sabedoria dos «espertalhuços
dos mercados» (Mt 9:9). Para Jesus, o mundo está sempre em aberto, o mundo pode
sempre ser “um mundo outro”, um mundo de criação-criativo, um mundo em que
podemos sempre regressar à vida (económica, pois então) caso acreditemos, de
olhos bem abertos, decididamente no seu Reinado (Mt 15:26-28). Reinado que é, acima
de tudo, de justiça (Is 1:17) com partilha (Jo 6), em que até os cleptómanos das finanças
que nos (des)governam são recicláveis… (Lc 19), vejam só!
Bispos e Papas
falam de «bem comum», de «defesa da propriedade privada», «a justa função dos
lucros», «o capitalismo como único modelo de organização económica» depois do
fim do socialismo e do marxismo, «um futuro económico onde caibam todos», «dar
a cada um o que lhe é devido», «justiça, enquanto conformidade moral de cada um
com o que Deus espera dele», «subsidiariedade e solidariedade», etc. etc. etc.
- falta de melhores conceitos ou estratégia objectiva?
É concebível que um
doente entre num Serviço de Urgência hospitalar de hoje a queixar-se de que
sente uma
certa separação de humores causada quiçá por umas laranjas que ceara na véspera?
Igualmente, não será tempo de os cristãos - leigos, diáconos, presbíteros, bispos e Papas - falarem a linguagem instrumental que a
economia política hoje exige (e não apenas aqueles conceitos ambíguos,
de eficácia muito débil ou até totalmente ineficazes por que não-analíticos)? Era nesta linha de tensão que S.
Paulo situava já a experiência cristã: «E, no entanto, é de sabedoria que nós
falamos entre os cristãos; sabedoria que não é deste
mundo, nem dos chefes deste
mundo, votados à destruição.»
(1 Cor 2:6).
«Que o vosso «sim»
seja sim e que o vosso «não» seja não, para
não incorrerdes em condenação.» (Tg 5:12)
O Deus bíblico não admite à sua mesa os cobardes e os
ambíguos… Deus detesta os que
não se sobressaltam nunca nem ‘põem os
nomes aos bois’ a fim de nunca se comprometerem com um dos lados (1 Rs
18:21) e, assim, salvarem a pele (Jo 18:25-27).
«Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno - e não és frio nem quente - vou vomitar-te
da minha boca.» (Ap 3:16)
A Crise financeira Global:
-
evitar uma Grande Depressão e conter
o ciclo destrutivo
por Gerald Epstein
I - Introdução
Os Estados Unidos,
e certamente também o mundo inteiro, enfrentam a perspectiva de um desastre
económico nunca visto que se prolongará ao longo de várias gerações,
concomitantemente com enormes riscos sociais e políticos. Há um conjunto
emaranhado de pressões que são provenientes, em primeiro lugar, dos
mercados financeiro e imobiliário e que arrastaram a situação económica para a
Crise, que surgiu de início nos mercados financeiros e no mercado do
imobiliário, mas que está agora a arrastar a economia real para a depressão, o
que começou a produzir a intervenção dos estabilizadores e instituições
macroeconómicas. A acção rápida e coordenada dos governos das economias
industrializadas – em especial os da Europa, dos Estados Unidos e da China – e
o apoio das instituições financeiras internacionais podem fazer com que se saia
desta Crise Global.
Mas esta acção só
será eficaz se for maciça e fortemente dirigida para a satisfação das
necessidades das pessoas e das comunidades, em vez de querer sobretudo proteger as
instituições falhadas e as práticas do passado que, em primeiro
lugar, ajudaram a criar a Crise e que agora se têm tornado ineficazes ou mesmo
contraproducentes.
(…)
Até agora, a
administração Bush nos Estados Unidos e alguns governos na Europa investiram vários milhões de milhões de dólares em acções
pontuais de apoio aos mercados e às instituições financeiras (bailout)[1],
esperando que os efeitos positivos dessa ajuda financeira se difundiam pouco a
pouco pelo resto da economia.[2]
(…)
Mas esta política
falhou, enquanto as principais instituições financeiras acumularam muito
dinheiro ou usaram os seus fundos para continuarem, durante décadas, as suas
políticas agressivas de aquisição de outros bancos, e iam pagando pródigos
honorários para enriquecer elites
financeiras, todas elas com
fortes ligações aos meios governamentais.
(…)
Para ser bem
sucedida, a Administração Obama e os governos europeus necessitam de uma mudança radical de direcção e de passar,
então, a colocar a economia real no centro das preocupações, de modo que seja
esta a determinar o sentido das políticas e se passe a reestruturar o arruinado sistema financeiro,
(…)
O nosso programa
regulador de nove pontos está assim projectado para ter uma função
correctora, e decorre destes (quatro) principais problemas.
I – A redução do incentivo às estruturas
assimétricas e o perigo moral
(…)
II – Alargar e reforçar os objectivos da
regulação
(…)
III – Aumentar a transparência
(…)
IV – Reduzir a Intensidade da Tendência
Pró-cíclica
(…)
Etc. etc. etc.
Gerald Epstein
Professor
catedrático da Universidade de Massachusetts. Amherst.
[17
p.]
[1] O termo bailout é uma acção de apoio financeiro
pontual para salvar uma empresa da bancarrota, da insolvência ou da total
liquidação e da ruína (Nota do tradutor).
[2] Sarah Anderson
e outros analistas do Institute for Policy Studies estimaram que os
Estados Unidos e os governos europeus já atribuíram 4,1 milhões de milhões para
salvar da falência imediata (to bail out)
bancos e outras instituições financeiras (IPS, 2008).