teologia para leigos

15 de fevereiro de 2011

O QUE É ORAR? COMO É REZAR?

A PERIGOSA EFICÁCIA DE CERTA ORAÇÃO



«LUGAR SAGRADO»
Para pensar e rezar esta semana
[13 a 19 Fevereiro 2011]

"A tua luz brilhará na escuridão" (Isaías 58, 10). A minha vida será uma luz? A minha vida, a minha pessoa, quem eu sou? Como é que isso pode ser? Às vezes olho à minha volta e vejo alguém cuja vida é uma luz. Pode ser alguém que conheci, talvez um avô ou uma avó, que irradiava luz. Nelson Mandela foi uma luz, tal como Gandhi. E o filme "Dos Homens e dos Deuses" mostra um grupo de monges cistercenses que optam por ficar no meio das pessoas pobres da Argélia, apesar das ameaças de morte. Tomam a decisão em conjunto, com os seus corações em consolação. É o que querem fazer e, em consequência, ofereceram as suas vidas. E eu, nas minhas modestas circunstâncias? "Se retirares da tua vida toda a opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão, e as tuas trevas tornar-se-ão como o meio-dia" (Isaías 58, 9-10). A minha vida secreta, com o meu esforço contínuo de ser justo(a) e recto(a), para ultrapassar o fracasso e viver com humanidade e fé, acabará por ser uma luz. Felizmente não a verei pessoalmente; mas a luz brilhará. E as palavras de Jesus serão a minha garantia e a minha força: "Vós sois a luz do mundo" (Mateus 5, 14). [do site de: LUGAR SAGRADO]


Cada vez mais, somos assediados por propostas de espiritualidade individualista, centradas no ego, psicologistas, baseadas na falsa ‘Fábula das Abelhas’ de Mendeville: «tudo o que de bem te ocorrer a ti, por arrasto, ocorrerá inevitavelmente também a todos os outros.»
Contem o número de vezes em que, neste texto, entra (velada ou abertamente) a palavra/referência MEU-EU… Duas mãos cheias em tão curto texto!!!

Há dois dias, ouvia eu uma perita em psicologia dissertar sobre as potencialidades do ‘espelho’ como terapia para egos auto-centrados e «aborridos» consigo próprios. Ora, o Mito de Narciso prova à saciedade que os espelhos só nos levam ao ‘sui’-cídio… Dos espelhos não podemos esperar mais: afinal de contas, são APENAS espelhos, fracas réplicas de nós mesmos.

Na «Sala de Cima» os espelhos pretendem cumprir duplas funções: de Espelho e de Janela. Curiosamente, a Bíblia também: «a Bíblia é Janela e Espelho», diz Carlos Mesters. Tudo o que ela nos dá a ver é: «nós», rasteirados pela realidade que nos contém e ultrapassa! A Bíblia, ao alargar e inverter horizontes, devolve-nos as nossas questões a nós mesmos e nós a nós mesmos, não já como ‘egos-resolvidos-pacificados’ mas como ‘alter-egos-desafiados’. Na verdade, ao contrário do que dizem certos auto-colantes, «Deus não é a resposta», Deus não aponta caminho nenhum. Como diz Anselmo Borges, a essência de Deus é fazer perguntas e colocar questões. A perícia de Deus é «dispersar como folhas em redemoinho», «confundir» [Salmo 83(82):14.18] Como também é mentira dizer-se: ‘enquanto não estiveres em paz contigo mesmo, não poderás espalhar paz à tua volta…’ – como se a PAZ fosse um cristal, um objecto, uma substância anti-congelante… que adquirimos no mercado da solidão fora de nós, independentemente do grau ou género das nossas relações humanas. -Primeiro, ‘pacifica-te’, depois, ‘pacifica’? MENTIRA… MENTIRA… MENTIRA… Pura mentira!

Então, a pergunta deixa de ser «quem eu sou?» para passar a ser «por onde ando?», «com quem ando?». A pergunta verdadeira, em essência, tem de ser reveladora de inter-dependência. Só isso é VERDADE… VERDADE… VERDADE… a mais PURA VERDADE!

Aliás, a Bíblia nunca pergunta «como estás?», mas sempre «onde estás?». A Bíblia nunca faz a pergunta burguesa por excelência (aquela que mais mentiras suscita…): -«tudo bem contigo?». A Bíblia, pelo contrário, pergunta insistentemente: «que fizeste?» «desejas verdadeiramente vir por aqui e ver como é?» «como lês a realidade?», etc. etc.

O sítio que cito [«LUGAR SAGRADO»] faz, a respeito do filme «DOS HOMENS E DOS DEUSES», o seguinte comentário: (os monges cistercenses) «Tomam a decisão em conjunto, com os seus corações em consolação. É o que querem fazer e, em consequência, ofereceram as suas vidas». Tendencioso que é, o comentário (acreditando que está correctamente traduzido para a nossa língua) dá a entender que os monges estavam inundados de luz, pelo que as suas decisões foram serenas e em colectiva sintonia, tudo terminando num tom paradisíaco sem tensões angustiantes. É verdade que, na hora de ‘dizer’, TODOS ergueram a mão em sinal de assentimento, mas também é verdade que, na hora de ‘fazer’, ALGUNS deram o dito pelo não dito. Porém, dos dois monges que «se safaram» da degola, um fora, desde o início, ‘radical’ na sua determinação em lutar e ficar, sendo, no seu tom e faciaes quase fundamentalistas, único; o outro, o ancião, desde o início, e em chave sapiencial, apelava a que se progredisse sempre mais e mais na maturação da questão. Digamos que, desde o início, o primeiro «procurava o martírio»; e o segundo, preferia, antes, deixar o futuro (todos os futuros) sempre em aberto… (o que nos pode levar a interessantíssimas conjecturas acerca destes dois ‘futuros possíveis’ para todo o pós-desastre em nossas vidas também) Esta forma de ‘fechar’ o filme é muito mais polissémica que a leitura que ‘Lugar Sagrado’ sugere dela.

A bem dizer, o filme aproxima-nos muito mais da tensão, angústia e realismo que sempre rodeou a Oração em Jesus [mesmo no relato da Transfiguração é rejeitada qualquer edulcoração…]. Pouco antes de Jesus ser entregue a julgamento e à consequente morte, Mateus 26:36ss refere que Jesus tinha a alma «numa tristeza de morte»; não só Mateus, mas Marcos 14:32 e Lucas 22:39 referem que Jesus, por mais de uma vez, regressou de orar e encontrou os discípulos a dormir, completamente alheados da tensão da Hora, num doloroso distanciamento trágico entre Mestre e discípulos. Não há, nos evangelhos, equivalente algum aos pingos de epicurismo e estoicismo finais os quais parecem perpassar o texto de ‘Lugar Sagrado’ em matéria de tomadas de decisões. E porquê?

A Bíblia leva-nos a rezar de um modo outro (que não o dos Jesuítas do «LUGAR SAGRADO») e a colocar, durante a Oração, as questões verdadeiras e inteiras: «POR QUE VEREDAS ME METO?» [Lucas 10:29] «EM QUE SE CANSAM MEUS OLHOS?» [Actos 8:30b; Lucas 10:26, respectivamente], questões de antropologia e não questões de psicologia, pois «onde está a tua preocupação aí se encontra o teu tesouro» … [Mateus 6:21]

A Oração, biblicamente fundada, é uma espécie de errância questionadora, tensão aguda, inquirição incomodativa. Tudo menos ‘consolo’, sofá, pantufas, «guitarradas», psicologia-do-espelho, «ciência-psi» da auto-estima… Basta ler os Salmos com olhos de ler. [Salmo 83(82):2.16-18]

A Oração, biblicamente fundada, é o grito violento em busca da Última Justiça! [aquela que vai de Mt 26:51.52: ‘mete a tua espada na bainha’ até à de Mc 10:21: ‘vende tudo o que tens e desfaz-te de todo o produto da venda’…] Não conheço maior violência que esta.

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