teologia para leigos

15 de fevereiro de 2011

A GERAÇÃO BABY-BOOM: QUE ALTERNATIVA? [TONY JUDT]


40 anos
[1971-2011]

Tony Judt

Quando comecei a dar aulas na universidade, em 1971, os estudantes falavam obsessivamente de socialismo, revolução, conflito de classe e coisas do género – geralmente com referência ao que então se chamava ‘terceiro mundo’: mais perto de casa, essas questões pareciam essencialmente resolvidas.

Durante as duas décadas seguintes, a conversa refugiou-se em preocupações mais auto-referenciais: feminismo, direitos dos homossexuais e política de identidade. Entre os politicamente mais sofisticados surgiu o interesse pelos direitos humanos e a linguagem ressuscitada da ‘sociedade civil’.

Por um breve momento em 1989, os jovens das universidades ocidentais foram atraídos pelos esforços de libertação não só na Europa de Leste e da China, como também na América Latina e na África do Sul: a liberdade – da escravatura, coerção, repressão e atrocidade – era o grande tema do dia.

Então vieram os anos 90: a primeira de duas décadas perdidas, durante as quais as fantasias de prosperidade e progresso pessoal sem limites substituíram todas as conversas sobre libertação política, justiça social ou acção colectiva. No mundo anglófono, o amoralismo egoísta de Thatcher e Reagan – “Enrichissez-vous![1], nas palavras do estadista francês Guizou, no século XIX – abriram o caminho às frases ocas dos políticos do baby boom. Com Clinton e Blair, o mundo atlântico estagnou, presunçoso.

Até ao final dos anos 80, era muito invulgar encontrar estudantes promissores que manifestassem interesse em frequentar uma faculdade de gestão. Na realidade, as próprias faculdades de gestão eram pouquíssimo conhecidas fora da América do Norte.

Hoje, a aspiração – e a instituição – são uma banalidade. E nas salas de aulas, o entusiasmo de uma geração anterior pela política radical deu lugar à mistificação desorientada.

Em 1971, quase toda a gente era, de algum modo, ‘marxista’ ou queria passar por tal. Em 2000, poucos estudantes tinham alguma ideia sequer do que isso significava, e muito menos da razão de ter sido tão apelativo.

Por isso seria agradável concluir com o pensamento de que estamos à beira de uma nova época, e que as décadas egoístas ficaram para trás.

Mas será que os meus alunos dos anos 90, e depois, eram de facto egoístas?

Com toda a gente a garantir-lhes que a mudança radical era coisa do passado, não viam à sua volta nenhum exemplo a seguir, nenhum argumento apelativo, e nenhum propósito a que se dedicar.

Se o objectivo na vida de toda a gente que vemos é ter sucesso nos negócios, então essa será a meta automática de todos os jovens, salvo os mais independentes. Como sabemos por Tolstoi, “não há condições de vida a que um homem não se possa acostumar, especialmente se as vir aceites por todos os que o rodeiam”.

Ao escrever este livro, espero ter proporcionado alguma orientação àqueles – especialmente os jovens – que tentam exprimir as suas objecções ao nosso modo de vida. Contudo, isso não é suficiente.

Como cidadãos de uma sociedade livre, temos o dever de olhar o mundo criticamente. Mas se julgamos saber o que está errado, devemos agir de acordo com esse saber. Há uma observação famosa de que até aqui os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; a questão é mudá-lo[2].

[TONY JUDT (1948-2010) «Um Tratado sobre os Nossos Actuais Descontentamentos», (219 páginas; 16 Euros) Edições 70, 2010, p.218-219, ISBN 978-972-44-1632-8]
 
Foto: Mao (1973), de Andy Warhol, in Hamburger Bahnhof (museu instalado em 1847 na antiga estação de caminho de ferro de Hamburgo)




(da Introdução)

«A qualidade materialista e egoísta da vida contemporânea não é inerente à condição humana. Muito do que hoje parece ‘natural’ remonta aos anos 80: a obsessão pela criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E sobretudo a retórica que vem junto: admiração acrítica dos mercados sem entraves, desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento ilimitado.

«Não podemos continuar a viver assim.
«O pequeno crash de 2008 foi um aviso de que o capitalismo não-regulado é o pior inimigo de si mesmo: mais cedo ou mais tarde há-de ser vítima dos seus próprios excessos e para salvar-se recorrerá novamente ao Estado.

«Mas se nos limitarmos a apanhar os bocados e continuar como dantes, podemos esperar convulsões maiores nos próximos anos.

«E, porém, parecemos incapazes de conceber alternativas. Também isso é novo.»

Tony Judt

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ÍNDICE

1.  Um Guia Para os Perplexos
2.  A Vida Que Agora Temos
3.  O Mundo Que Perdemos
4.  A Insustentável Leveza da Política
5.  Adeus a Tudo Isso?
6.  Que Fazer?
7.  A Forma do que se Avizinha
8.  O Que Vive e o Que Está Morto na Social-Democracia?


[1] “Enriquecei-vos!”
[2] Refere-se a Karl Marx.