teologia para leigos

23 de fevereiro de 2011

A EUROPA E OS ÁRABES


A Europa ainda tem medo
da revolta árabe

Nos anos 90, a União Europeia conseguiu conceber uma política ambiciosa para a orla sul do Mediterrâneo na qual as reformas políticas tinham o seu lugar. (…) Os acordos de associação que começaram a ser negociados com Marrocos, a Tunísia ou a Argélia tinham esse objectivo estratégico e colocavam claramente a ideia da condicionalidade dos apoios económicos e sociais à progressiva abertura política dos respectivos regimes. Foi, aliás, em 1995 que a União lançou o agora quase moribundo Processo de Barcelona para criar na sua fronteira sul uma vasta região de paz e de desenvolvimento, que correspondia em absoluto ao seu interesse estratégico.

A fadiga do alargamento (concretizado em 2004), as ondas de choque do 11 de Setembro e o longo e desgastante processo de reforma interna a que a Europa se dedicou na década passada foram esvaziando de conteúdo e de sentido essa visão. As palavras-chave das políticas europeias para a região passaram a ser «terrorismo», «fundamentalismo islâmico» e «imigração ilegal», numa sucessão a todos os títulos duvidosa.

A cooperação com esses países passou a centrar-se na economia em troca da travagem da imigração ilegal e a condicionalidade política foi deixada para o puro domínio da retórica ou mesmo nem isso. Virada para dentro, entretida com as suas questões internas, sem qualquer capacidade de formular uma visão estratégica, rapidamente a Europa passou a olhar para os regimes autocráticos e anacrónicos da região como a única alternativa segura ao islamismo radical, esquecendo as suas teorias sobre a democratização e ignorando as forças da sociedade civil que não encaixavam nesta dicotomia. Entretanto, deixou cair a Turquia, que podia ser o exemplo bem sucedido da compatibilidade entre o Islão e a democracia. (…)
Nos últimos anos, se houve acordos finalizados com sucesso por Bruxelas, eles foram quase sempre todos respeitantes à imigração e à forma mais expedita de a controlar. Entre eles figuram o acordo firmado com a Líbia em Outubro do ano passado, no qual a Europa se compromete a oferecer 50 milhões de euros a Tripoli (Khadafi queria 5 mil milhões) para «ajudá-lo» a manter os imigrantes fora das costas europeias e fornecer apoio técnico para os campos onde alegadamente seria feita a triagem entre os que fugiam à perseguição política e os que fugiam à miséria económica. A União foi criticada por todas as organizações humanitárias e pelo Alto Comissariado para os Refugiados da ONU (cuja delegação foi, aliás, fechada). Ninguém se mostrou perturbado. Em Roma, ao lado de Berlusconi, Khadafi deu-se mesmo ao luxo de dizer que era pouco dinheiro para evitar «a ameaça de tornar a Europa negra».

O golpe de misericórdia na lógica que animou inicialmente o Processo de Barcelona acabou por ser dado quando o Presidente Sarkozy, com a sua habitual mania das grandezas, resolveu criar a União para o Mediterrâneo durante a presidência francesa da União, em 2008, organizando em Paris uma mega cimeira, com pouco conteúdo e imensa pompa, por onde desfilaram todos os ditadores que hoje ou já passaram à história ou estão prestes a fazê-lo. Hosni Mubarak foi eleito co-Presidente e nunca mais se falou disso.

Entretanto, a França, Portugal, a Itália, a Espanha ou o Reino Unido foram desenvolvendo as suas próprias políticas, ao abrigo da concha vazia da diplomacia da União Europeia. A França fez de Mubarak e Ben Ali os dois pilares da sua política para a região. Por isso, hoje, a imprensa francesa diz que ficou, pura e simplesmente, sem política. A Itália de Berlusconi tornou-se na grande amiga do coronel Khadafi, ao ponto de ter assinado com a Líbia em 2008 um acordo segundo o qual se comprometia a pagar-lhe 5 mil milhões de euros durante 25 anos a título de indemnizações pela colonização e a troco de contratos privilegiados para as suas empresas. Tony Blair tratou de branquear o regime a troco da promessa de abandono de quaisquer pretensões nucleares e de apoio ao terrorismo. (…)

A forma como alguns ministros (incluindo Luís Amado) exprimiram a sua preocupação sobre o que está a acontecer foi eloquente. Ouviu-se falar mais de estratégia para evitar que o islamismo radical tome conta da região do que de vontade de saudar e de apoiar esta genuína aspiração por maior liberdade que se manifesta por todo o lado. É isso que é novo e é isso que pode ser, também, uma extraordinária oportunidade para a Europa. Desde que deixe de ter medo da revolta árabe.

por Teresa de Sousa
‘Público’, 23:II:2011, p. 37

«É a economia, seu palerma...»

Em Nasr City (bairro da cidade do Cairo) vive a classe média. É aí que vivem duas irmãs, jovens médicas. Ganham 40 dólares por mês. O pai delas, médico também, teve que emigrar para sustentar a família.  Dizem que não vão parar de se manifestarem na Praça Taharir até que a democracia se instaure na sua terra. Foi aí que foi morto Khalid Said, 28 anos, prestes a tornar-se um ídolo da revolta.

Hoje, no mesmo canal português de televisão, ouço ainda a indignação de outra mulher egípcia, mussulmana - aparenta 40 anos. Diz: «O que sei é que tenho de lutar pelos meus direitos. O que vai acontecer, não sei. Só Alá sabe o que vai acontecer.»

Ao longo destes longos dias, não oiço nos telejornais nenhum argumento justificativo para a Revolução (egípcia ou vizinha desta) que assente em linguagem teológica ou simplesmente religiosa. Parece que a «questão religiosa», pelo menos por agora e aqui, não existe
Tal como no tempo de Jesus, é a economia, é a economia que oprime, sobretudo a economia política (a política nas suas duas vertentes: religiosa e civil).

Por isso Jesus se preocupou tanto com a falta de comida dos mais pobres que, como Ele, deambulavam de terra em terra. «O pão nosso de cada dia nos dai hoje...». Em primeiro lugar, Jesus preocupou-se com o mínimo de dignidade para se ser ser-humano e isso, para Ele, começava na praça pública (na "polis"), não no Templo: 'A minha casa não deverá ser casa de negócios, mas de oração'.

Fará algum sentido dizermos, com Eduardo Lourenço, «não tenhamos ilusões», que «o islão não se converterá nunca ao nosso modelo democrático»? Leio a crónica de Rui Tavares, hoje, no 'Público' ('A GRANDE JACA', acerca da Indonésia) e a revolta do diplomata indonésio diante desta triste mistura de conceitos: por exemplo, dizermos "na Indonésia vive-se um regime de islão democratizado"! O Ocidente é de facto ridículo diante da realidade oriental, asiática ou arábe. Ao fim de 5 séculos, permanece pequenino, ridículo.

Definitivamente, a questão não é a religião, não é Deus, nem que tipo de Deus. «É a economia, seu palerma». A Economia e a Política. Esta é a questão que, como cristãos, deveria estar, também, no centro das nossas preocupações. O capitalismo mais serôdio já o percebeu há tanto... E como ele o explora!


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