teologia para leigos

10 de fevereiro de 2011

THOMAS MERTON - ENTRE A CLAUSURA E O MUNDO 2/2

«É unicamente por isso que desejo a solidão: perder-me para todas as coisas criadas, morrer para elas (…) Quisera viver sozinho e afastado delas. O beata solitudo! Ó bendita solidão!» [Thomas Merton]

então, em que ficamos?


Carta 16

Querido Ernesto:

Foi anunciada, no mosteiro, a morte de Hemingway. Suponho que já o saibas. Caso Pablo Antonio o queira, pode publicar este poema. Ou qualquer outra pessoa tua conhecida. Re-escrevi o texto sobre a bomba atómica. Ficou maior e mais completo e corrigi alguns erros. Enviarei a nova versão quando for impressa.
As notícias políticas da América Latina são más e confusas; melhor: indicam a confusão interna aos próprios Estados Unidos. Esperemos que, todavia, se possa encontrar e que vingue a verdade.
Todas as bênções e votos bons; saudações a todos os meus amigos de aí.
Cordialmente em Xto.,

P. M. Louis[1]


Carta 18

30 Agosto de 1961

Querido Padre Louis:

Grato pela «Elegia a Hemingway» e pelo seu «Cântico»[2] que me enviou. Ambos, muito bons. Traduzi a elegia que foi publicada no suplemento literário de um jornal mexicano, México en la Cultura, que lho remeteu a si. Pablo Antonio publicou-o também no seu jornal na Nicarágua e creio que no El Pez y la Serpiente [«O Peixe e a Serpente»] e também numa antologia de poesia norteamericana que se editará no México. Agradou a muitos. Traduzi também o seu Ox Mountain Parable of Meng Tzu [«Parábola da Montanha do Boi de Meng Tzu»] e mandei-o a uma revista, mas (…).

Envio alguns livros que podem interessar-lhe. Rezando por si, como sempre, seu em Xto.,

Ernesto


Carta 19

11 Setembro de 1961

Querido Ernesto:

Desejo escrever uma longa carta a Pablo Antonio; creio que o farei amanhã: será, não só, uma carta pessoal, mas também uma espécie de tomada de posição  face à situação actual. Poderá usá-la a seu bel-prazer na revista dele. Creio que valerá a pena tentar escrevê-la, pois poderá ser útil. Sinto-me impaciente perante a estupidez e a inexorável confusão em que tudo caiu, especialmente os Estados Unidos, que julgo ser minha obrigação moral dizer algo inteligente já que tenho a possibilidade de o fazer.
O chocante é ver todo o mundo ser arrastado, para um lado e para o outro, por dois poderes enormes que estão praticamente loucos, sendo suas loucuras sobreponíveis entre si, com a mesma obsessão pelo poder paranóico, o mesmo fascínio pela expansão tecnológica, a mesma vulgaridade, a mesma brutal estupidez e insensibilidade face aos valores humanos e espirituais (ainda que os Estados Unidos presumam cinicamente que a religião abençoa todo o seu sistema), a mesma dependência insensível face a super-mitos e a mesma inútil imersão no materialismo. O problema é que, como os Estados Unidos são mais ineptos, mais confusos, dependentes de mitos que são mais vagos e mais patentemente absurdos, todos agora começam a inclinar-se diante do outro paranóico pelo simples facto de ser mais calculador e mais eficiente. Tudo isto só piora as coisas.
(…)
Com saudações cordiais votos em Cristo,

P. Louis



Carta 23

24 de Dezembro de 1961

Querido Ernesto:
Estou profundamente preocupado com a paz, e estou unido a outros cristãos num protesto contra a guerra nuclear; paradoxalmente, é aquilo a que se pode chamar o mais pequeno e descuidado dos «movimentos» em toda a Igreja. Isto é muito mais significativo para mim. Não me queixo, não critico: mas observo com uma espécie de silêncio e aturdimento a inacção, a passividade, a evidente indiferença e incompreensão como a maioria dos católicos, clero e leigos, pelo menos neste país, observam o desenrolar da crescente pressão para que haja uma guerra nuclear. É como se todos se tivessem convertido em comedores de Lotus. Como se estivessem sob o efeito de algum feitiço. Como se, com olhos e ouvidos enfeitiçados, vissem vagamente através de uma cortina comatosa a eminência da sua própria destruição e fossem incapazes, sequer, de levantar um dedo contra isso. É uma sensação espantosa. Espero não estar no mesmo coma. Resisto a este pesadelo com todas as minhas forças e, pelo menos, luto e clamo juntamente com outros que têm a mesma consciência.

Os mil e um paradoxos e contradições inerentes à posição de tantos católicos realmente confundem e acabam por nos paralisar. Porque, enquanto insistem cada vez com o argumento de «a Igreja», ao mesmo tempo enfatizam cada vez mais uma moral que destrói e dissolve a substância da própria vida cristã e da Igreja. À excepção de alguns temas de conveniência que são defendidos com total intransigência, como por exemplo o controlo da natalidade, a moral sexual, etc., tudo tende à aceitação supina dos mais seculares, mais rebaixados, dos mais vazios dos critérios mundanos. É o caso da aceitação da guerra nuclear. E não só: ela é exaltada como sacrifício cristão, como uma cruzada, como a via da obediência. E isto é tão assim que há muitos que insistem que só se é um bom cristão quando se oferece uma obediência cega e sem resistência a todos os desmandos de César. Para mim isto é um pesadelo. E sinto que tenho que ter muito cuidado na forma como protesto, pois, pelo contrário, calam-me. E sem dúvida, mais tarde ou mais cedo, me calarão. É quase impossível que passem, aos censores [da Ordem], artigos sobre a paz.

Pelo contrário, é consolador que exista pelo menos uma minoria que está despertando e a começar a reagir. Preferentemente entre os não católicos, mas também entre alguns poucos católicos privilegiados. Por exemplo, Dorothy Day e o Catholic Worker, a quem todos menosprezam com um encolher de ombros. Mas há também o padre Daniel Berrigan, o poeta jesuíta, e alguns mais. Creio que te disse que estamos fundando um movimento pela paz. Acontece que os organizadores pertencem todos a um restrito círculo. Lax, Rice e eu mesmo, o padre Berrigan, o pessoal do Catholic Worker, alguns sacerdotes, muitos dos quais já eram meus conhecidos. E o resto do clero? Ah!, um grande número deles ou ingressou na John Birch Society ou simpatiza com ela. Já estás a ver onde quero chegar.

Graças a Deus que, no seio do episcopado americano, houve um grupo organizado de bispos que criticou semi-oficialmente este tipo de coisas e declarou que se opunha aos partidários de J. Birch.
(…)

Não deixes de te manter em contacto comigo.
Com as melhores saudações cordiais no amor de Cristo, o Senhor,

P. M. Louis
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 «CORRESPONDÊNCIA entre Thomas Merton e Ernesto Cardenal: 1959-1968», Ed. Trotta, 2003.
1 “P. M. Louis”, era o nome de trapista de Thomas Merton: «Père Marie-Louis».
2 «Elegia a la muerte de Hemingway» e «Cântico para usarse en processión alrededor de un lugar com crematórios», escritos na altura da notícia da morte do escrior.
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 foto de entrada: ANSELM KIEFER, 1945 (Berlim), autor influenciado pelos horrores da II Guerra Mundial.