teologia para leigos

28 de abril de 2015

PRECÁRIOS EM PORTUGAL 5 [A POLÍTICA PARA LÁ DO TRABALHO - J N MATOS]

Horários instáveis levam UGT a juntar-se à greve nos hipers
Pela primeira vez, o Sitese avança com um pré-aviso de greve para o 1º de Maio. Horários diversificados são principal motivo

O Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviço (Sitese), afecto à UGT, avançou pela primeira vez com um pré-aviso de greve no 1º de Maio dos trabalhadores dos supermercados e grandes superfícies que pertencem à Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED). A decisão foi conhecida três dias depois de o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Serviços (Cesp), da CGTP, ter anunciado uma paralisação para o mesmo dia, em protesto contra as propostas da APED no seio da negociação colectiva, que está a decorrer.

Há cinco anos que patrões e sindicatos não se sentavam na mesma mesa para discutir actualizações de salário ou horários no sector, que emprega cerca de 100 mil pessoas em todo o país. As negociações têm sido "difíceis", com a grande distribuição a tentar "introduzir toda a espécie de horários e a prejudicar a conciliação", diz Vítor Coelho, membro da direcção do Sitese.

"Propõem um horário diversificado em que todos os dias a hora de entrada e de saída pode ser diferente. Estamos de acordo, mas desde que seja fixo durante um período de tempo. Mas estamos em completo desacordo com a ideia de mudar o horário todos os dias", detalha. O dirigente acusa as empresas da APED de quererem fazer dos colaboradores «pastilha elástica» e lamenta a ausência de aumentos salariais e a paragem durante anos das negociações colectivas.

Ao contrário do Cesp, que todos os anos avança para a greve no 1º de Maio, argumentando que o Dia do Trabalhador deve ser celebrado, esta é a primeira vez que Sitese o faz. "Não estivemos nos outros anos, mas estamos de alma e coração desta vez", diz Vítor Coelho, acrescentando que os trabalhadores devem ter direito a gozar o feriado que lhes é dedicado.

A APED já veio defender a continuação das negociações. "Lamentamos que os sindicatos não se mostrem disponíveis para negociar em nome dos colaboradores do sector do retalho e apelamos para que negoceiem o contracto colectivo ao serviço de todos", reagiu na terça-feira, a directora-geral da APED, Ana Isabel Trigo Morais, depois de o Cesp ter anunciado a greve. A associação tem entre os seus membros o Continente, o Pingo Doce, a IKEA ou a Fnac.

Também o Cesp contesta as propostas das empresas, nomeadamente, de redução entre 2 e 4% do valor pago aos funcionários nos dias de feriado, descanso ou pelo trabalho suplementar. Ao mesmo tempo, Manuel Guerreiro, dirigente do sindicato da CGTP, adiantou que a proposta de aumento salarial não «chega a 1%» e recorda que não houve actualizações de salários em sede de conciliação desde 2009.

Recorde-se que os principais operadores da grande distribuição passou a abrir portas no 1º de Maio a partir de 2011.

Público, 25 de Abril 2015, p. 22 [por Ana Rute Silva]



Crónica de Eduardo Jorge Madureira Lopes
DIÁRIO DO MINHO, 03-05-2015 – Braga






(SwissLeaks: Suíça investiga o HSBC por branqueamento de capitais)
HSBC planeia mudar sede para pagar menos impostos
Hong Kong, onde a instituição financeira nasceu, poderá acolher o novo quartel-general

(…) Há pouco mais de uma semana, a agência Reuters noticiava que um outro banco que tem a sua sede em Londres, o Standard Chartered, estava também a realizar estudos com vista a uma mudança da sua sede. Ontem, sem adiantar pormenores, o chairman do HSBC, Douglas Flint, reconheceu que a questão é «complexa» e, por isso, «é muito cedo para antecipar que decisão será tomada». Mas não negou que «o trabalho está em curso». «A administração pediu à equipa de gestão para começar o trabalho que permita concluir qual o melhor local para o HSBC estar sediado» [«ambientes de negócio mais favoráveis»], afirmou.

O banco foi criado há um século e meio em Hong Kong, onde desempenhou um papel importante na emissão de moeda e na criação de canais financeiros com a Europa. Só em 1993 é que estabeleceu o quartel-general em Londres. Mas as recentes mudanças na fiscalidade aplicada à banca, que decorrem do conjunto de medidas que as autoridades decidiram pôr em prática na sequência da crise financeira de 2009, acabaram por colocar em cima da mesa a possibilidade da transferência.

Segundo a agência Reuters, o banco liderado por Douglas Flint deverá pagar este ano uma contribuição fiscal extraordinária de cerca de 1400 milhões de euros, o que corresponde a 7% dos lucros previstos. O valor é superior aos cerca de mil milhões pagos em 2014 e o dobro do que fora liquidado no ano anterior. (…) «É muito complexo porque envolve novos quadros regulatórios locais, regionais e globais, custos e uma alteração estratégica», alerta Hugh Young, responsável da Aberdeen Asset Management, um dos dez maiores investidores do banco.

No Reino Unido, o banco está obrigado, ainda ao abrigo das novas regras, a separar completamente o seu negócio de retalho das restantes unidades financeiras, de forma a evitar que o dinheiro dos clientes particulares possa ser usado em operações de risco em mercados não regulados.

Público, 25 de Abril 2015, p.23 [por José Manuel Rocha]






DESEMPREGO:
A POLÍTICA PARA LÁ DO TRABALHO



Olof Palme [Sven Olof Joachim Palme; 1927-assassinado em 1986], antigo primeiro-ministro sueco e expoente da social-democracia, afirmou uma vez que «quem trabalha tem direito a influenciar a democracia»[1]. Se, numa primeira leitura, podemos interpretar tal sentença como uma evocação dos direitos do povo trabalhador, uma análise mais depurada revela-nos outras duas ideias: em primeiro lugar, que aos trabalhadores resta apenas influenciarem a democracia e não determiná-la – uma contradição nos termos utilizados; e, em segundo lugar, que os assuntos da polis se encontram vedados a todos os que não trabalham. Frases como esta – que facilmente poderiam sair da boca de um dirigente sindical – ilustram bem o imaginário social dominante em torno da questão do (des)emprego.

Vivemos actualmente numa sociedade baseada no emprego sem que, no entanto, este seja garantido. Segundo Dominique Meda, encontramo-nos perante um fenómeno «eminentemente paradoxal: a produtividade do trabalho aumentou consideravelmente desde há um século, e em particular a partir da década de 50; somos hoje capazes de produzir cada vez mais com cada vez menos trabalho humano»[2]. Porém, a vida humana é sujeita a um enquadramento que tem como base o trabalho, visando uma optimização económica das suas capacidades cognitivas, sentimentais e até corporais. Perante este processo, quando uma pessoa está desempregada é como se aparentemente todo o seu ser não tivesse qualquer propósito social.

O Estado-Providência foi construído mediante a imposição do pleno-emprego como principal ditame de uma política de desenvolvimento económico. Entrámos assim na era do emprego, pedra basilar da cidadania, uma vez que é sobre ele que assenta a «participação de cada um numa produção para a sociedade e, portanto, para a produção da sociedade»[3]. Contudo, se inicialmente a ideia de «trabalho para a vida» parecia atrair a população ocidental (dilacerada por duas guerras mundiais), cedo se tornaram notórios os seus efeitos desastrosos sobre a produção. A mecanização da conduta humana, realizada através da cíclica repetição de horários, ritmos e gestos, provocava uma enorme fadiga física e psicológica no operário, prejudicando os resultados das empresas. A revolta contra a disciplina da fábrica, durante a década de setenta, levou o Capital a reformular as bases da sua actividade, apostando na introdução de novas tecnologias, manejadas por (cada vez menos) operários semi-autónomos.

A par destas reformas, assistiu-se a nível nacional a uma redefinição do papel do Estado – menos social, mais securitário – e, a nível internacional, à edificação de algo que se assemelha a um mercado mundial, visível na facilitação das trocas comerciais entre países, e da deslocalização de unidades produtivas. Estes factores alteraram significativamente o estatuto do empregado, tendo-se verificado despedimentos em massa (nomeadamente nas indústrias dependentes de mão-de-obra menos qualificada) e o aparecimento de novas formas contratuais de trabalho, antípodas da ideia de emprego para toda a vida. Destruía-se assim a sólida relação entre empregado, empresa e sociedade. Diversos autores encaram o desemprego como um elemento fracturante da identidade dos trabalhadores, retirando-lhes a capacidade de exercer uma actividade, desenvolver relações sociais, contribuir para o funcionamento da sociedade. De acordo com Dominique Schnapper, «aqueles que, nos dias de hoje, já não participam através do emprego na actividade produtiva podem viver esta condição na passividade, encontrando-se condenados a sofrê-la; fazem, pois, a experiência de uma des-socialização progressiva e interiorizam mesmo, em certos casos, a estigmatização, sob formas concretas variáveis, dimensões ligadas a esta condição nas sociedades organizadas em torno da produção»[4].

A ausência de emprego acaba por traduzir-se num sentimento de indignidade, em parte reforçado pelo discurso institucional ante o desemprego, que o vê ou como vítima incapaz de ultrapassar o problema ou como o vigarista usurpador do erário público. Todavia, e não querendo diminuir o sofrimento inerente à condição de desempregado, parece-nos que este sentimento tende a ser essencialmente motivado pela ausência de uma fonte de rendimento. Se compararmos a situação do desempregado com a do reformado, constatamos que, enquanto no caso deste último o abandono do trabalho vem abrir um leque de actividades a realizar (porque dispõe de uma reforma)[5], no caso do desempregado passa-se a exercer um trabalho de procurar trabalho (procurar anúncios nos jornais e na Internet, inscrever-se em empresas de trabalho temporário, enviar currículos, ir a entrevistas, comparecer às acções de formação do centro de emprego)[6]. Como tal, o problema não parece residir na ausência de uma fonte de identificação social ou mesmo de uma necessidade de se sentir útil ou produtivo, mas no facto de a plenitude dos direitos económicos (o direito à plena remuneração), sociais (direito à protecção social) e políticos […] permanecer ligada aos […] empregos, cada vez mais raros, ocupados de modo regular e a tempo inteiro»[7]. Ao encararmos a cidadania não só a partir de uma perspectiva civil e política (relativa à posse de liberdades políticas e direito ao sufrágio), mas também social – determinada pelo acesso a um conjunto de bens e serviços de necessidade básica -, podemos concluir que existem fortes possibilidades de um desempregado não fruir das condições imprescindíveis ao exercício da cidadania.

[…]

José Nuno Matos, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa


[pp. 8]










[1] José Luís Jacinto, «O Trabalho e as Relações Internacionais», ISCSP, Lisboa, 2002, p. 352.
[2] Dominique Meda, «O Trabalho: um valor em vias de extinção», Fim de Século, Lisboa, 1999, p. 19.
[3] Robert Castel, «Les Métamorphoses de la Question Sociale», Fayard, Paris, 1995, p. 452.
[4] Dominique Schnapper, «A Compreensão Sociológica», Edições Gradiva, Lisboa, 2000, pp. 131-132.
[5] É importante referir que não só a reforma poderá gerar efeitos contrários aos acima descritos, como depressão, tédio e sentimento de inutilidade, como o tipo de actividades que se poderão realizar dependem directamente do valor da pensão de reforma.
[6] Schnapper, ao analisar o fenómeno social do desemprego, propõe o conceito de desemprego invertido: «os jovens desempregados, em geral de nível cultural elevado, que não conhecem verdadeiras dificuldades financeiras, escapam com felicidade à tirania das «quarenta horas» ou das «oito horas» […] e às exigências dos horários de escritório, regozijam-se por disporem do tempo livre necessário para se entregarem às delícias da criação artística», Schnapper, op. cit., pp. 138 e 139.
[7] André Gorz, «Miséres du présent, Richesse du possible», Éditions Galilée, Paris, 1997, p. 108.