teologia para leigos

22 de abril de 2015

PRECÁRIOS EM PORTUGAL 4 [Call Centers:TEMPLOS de AUTOFLAGELAÇÃO]

«Quando, perante uma situação insuportável, na Igreja ou na sociedade, no âmbito teológico ou político, se diz que não há alternativa, é sinal de que a ditadura não anda longe. Se não for passagem para uma possível superação, o simples jogo dos "prós e contras" não passa de um entretém. O importante é uma arquitectura que supere e integre o que existe de fecundo entre posições que enlouquecem no isolamento ou no choque frontal. (…)

«Christian Felber (La economía del bien común, Versão Kindle, 2012) é uma personalidade singular. Professor de Economia na Universidade de Viena, escreve sobre Economia e Sociologia, sem deixar de ser bailarino de dança contemporânea. É membro fundador do movimento de justiça global Attac, na Áustria, e iniciador da denominada Banca Democrática. Com um grupo de empresários de sucesso, Felber desenvolveu um modelo conhecido como Economia do Bem Comum ou Economia do Bem-estar Público, como alternativa teórica ao capitalismo de mercado e à economia planificada.

«Este tipo de economia deve reger-se por uma série de princípios básicos: confiança, honestidade, responsabilidade, cooperação, solidariedade, generosidade e compaixão, entre outros. Para os seus defensores, as empresas que se guiarem por estes valores deveriam obter vantagens legais que lhes permitissem sobreviver onde imperam as leis do lucro e da competição.

«Hoje em dia, mede-se o êxito económico por indicadores monetários: produto interno bruto e lucros que excluem os seres humanos e o seu meio ambiente. Estes indicadores não dizem se há guerra, ditadura, destruição do meio ambiente, etc. De igual modo, uma empresa que obtém lucros - e deve-os obter - não diz em que condições vivem os seus trabalhadores, o que produzem, ou como o produzem.

«Pelo contrário, o balanço do bem comum de uma empresa mede-se pelo modo como nela se vive: a dignidade humana, a solidariedade, a justiça social, a sustentabilidade ecológica, a democracia com todos os que nela participam e com os seus clientes.
Tudo isto poderia ser apenas o mundo de boas intenções. As suas realizações em vários países mostram que são possíveis alternativas ao capitalismo de mercado e à economia planificada.
O que Felber diz das abissais desigualdades de salário na Alemanha, onde os altos executivos ganham 5.000 vezes mais do que o salário mínimo legal, deveria ser proibido por lei. Não só na Alemanha.

Frei Bento Domingues op, «Um mundo que falta fazer», Temas e Debates, 2014, pp. 170-172. ISBN 978-989-644-281-1.






«Olhai, eu penso que, neste momento, esta civilização mundial já ultrapassou os limites, já passou os limites porque criou um tal culto do deus dinheiro, que estamos na presença de uma filosofia e de uma prática de exclusão […]

«Por favor, rapazes e raparigas: não vos ponhais na "cauda" da história. Sede protagonistas! Jogai ao ataque! Chutai para a frente, construí um mundo melhor, (…) um mundo de justiça (…) de solidariedade. Jogai sempre ao ataque! – E prosseguiu: − Por favor, não deixeis que outros sejam protagonistas da mudança! Sois vós quem tem o futuro! Vós… É através de vós que o futuro entra no mundo. Peço-vos também que sejais protagonistas desta mudança.»

«Agora os jovens: devem emergir, devem impor-se; os jovens devem sair para lutar pelos seus valores, lutar por estes valores.»

«O sonho do Papa Francisco – os jovens no coração da igreja», por Antonio Spadaro, Paulinas. ISBN 978-989-673-359-9.




CALL CENTERS:
- templos de precariedade (auto)imposta

[…] Neste artigo procuramos reproduzir particularidades do contexto espacial dos call centers, identificando esse espaço e seus subespaços dominantes em resultado da observação directa de uma empresa em particular sedeada em Lisboa. A empresa em causa, tal como a maioria das empresas do sector[1], tem pouco mais de 300 trabalhadores. As funções exercidas por este corpo laboral consistem em estabelecer contactos telefónicos com clientes tendo em vista a contratualização de serviços de telecomunicações. Os trabalhadores que desempenham funções de chefia ou de coordenação beneficiam de estabilidade contratual (menos de 10 por cento do quadro pessoal da empresa)[2], ou seja, têm contratos sem termo e, portanto, não sujeitos à renovação quinzenal imposta aos restantes trabalhadores denominados de operadores. Esta condição de privilégio não deixa de ser um reconhecimento implícito dos órgãos decisores da empresa de que a estabilidade contratual confere maior responsabilização no trabalho – e consequente aumento da produtividade. Na linha comercial de outbound (telefonemas do operador para o potencial cliente) existem cinco supervisores, cada um responsável por uma equipa de operadores, e três técnicos de controlo de qualidade que ocasionalmente acumulam a função de formadores durante o processo de recrutamento de novos operadores. Estes três técnicos têm a responsabilidade de providenciar formação inicial, escolhendo quem é contratado, desenvolvem avaliações contínuas (monites) determinantes para a aprovação ou afastamento de um operador. Os supervisores trabalham sob orientação de um coordenador. Anualmente, mais de metade dos operadores são substituídos por novas pessoas. A permanência de um operador na empresa está directamente relacionada com o número de vendas diárias por si alcançadas – um bom operador deve conseguir um rácio de venda de 0,5, sendo que cada produto vendido equivale a um número de pontos que determinará o valor da comissão. O operador tem ainda de controlar o tempo médio de cada telefonema – o chamado wrap up de cada operador não pode ultrapassar 20 por cento do tempo médio, sob pena de advertência[3]. Os resultados individuais destes indicadores são afixados na sala, e à frente de cada nome é assinalada uma cor: verde, se o operador estiver a corresponder às médias estatísticas desejadas; amarelo, se estiver a corresponder medianamente às expectativas estatísticas; e vermelho, se não estiver a respeitar os parâmetros estatísticos definidos.

Durante o horário de trabalho, os operadores estão com auriculares colocados nos ouvidos, atendendo clientes de forma quase contínua, o que torna a comunicação com os outros colegas praticamente impossível. Dentro da própria empresa (espaço físico) identificamos três sub-espaços susceptíveis de observação dos actores sociais em interacção. Um primeiro, e talvez o mais rico, é o refeitório: é o espaço onde todos os trabalhadores se reúnem tanto para almoçar como para lanchar ou jantar. Os diferentes grupos de trabalhadores (redes) distribuem-se habitualmente por várias mesas, (…)

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[1] Maria João Santos e Ana Paula Marques, «O Caso dos call centers…», op. cit., p. 68.
[2] Ibidem., p. 75.
[3] Ibidem, p. 71.